segunda-feira, 30 de abril de 2018

Travessia do Parque Nacional Cerro Castillo (Chile) - fev/2018

Laguna Cerro Castillo
Início: Las Horquetas Grandes
Final: Vila Cerro Castillo
Duração: 4 dias
Distância: 52,2km (mais 3,5km ida e volta ao Glaciar Peñón e 4,9km ida e volta à Laguna Duff)
Maior altitude: 1694m
Menor altitude: 311m
Dificuldade: alta (o percurso é longo e há várias subidas e descidas por pedras soltas)

A travessia do Parque Nacional Cerro Castillo é uma das caminhadas mais bonitas do Chile e está se tornando bastante popular entre chilenos e estrangeiros. Não só pelo incrível cenário que percorre mas também por ser uma travessia sem dificuldade técnica desde que feita no verão, quando a quantidade de neve é bem pequena, restrita ao Passo Peñón normalmente. Outro ponto a favor é a abundância de água em todo o percurso, não necessitando ter muita água pesando na mochila. E ainda pode ter seu trajeto encurtado para três dias se o aventureiro não dispuser de quatro dias. Claro que isso significa sacrificar algum local de grande beleza, como a Laguna Duff.

Essa travessia é uma das 31 caminhadas descritas no guia Trekking in the Patagonian Andes da editora Lonely Planet, a bíblia do trekking na Patagônia chilena e argentina (bem como em regiões um pouco mais ao norte). No caso de Cerro Castillo a região é Aysén, de número XI (as regiões no Chile têm nome e número em romano).

O leitor pode estranhar alguns horários tardios de saída e chegada aos locais de acampamento que coloquei nesse relato, mas é bom lembrar que eu estava na Patagônia em final de janeiro, quando o sol nasce às 6h40 e se põe às 21h20, portanto em nenhum dia caminhei no escuro.

Estero Las Mulas



30/01/18 - 1º DIA - de Las Horquetas Grandes à entrada oficial do parque

Duração: 5h20
Distância: 13,6km
Maior altitude: 928m
Menor altitude: 768m
Dificuldade: fácil

Saí do hostal em Vila Cerro Castillo às 11h50 e fui para a Carretera Austral (Rota 7) esperar um ônibus que subisse a rodovia em direção a Coyhaique ou Puerto Ibáñez e me deixasse em Las Horquetas Grandes. Saí tarde assim porque me disseram que haveria um ônibus por volta de meio-dia, antes disso só muito cedo, lá pelas 7h. Na verdade tive muita informação errada sobre horários de ônibus em Vila Cerro Castillo, só depois do trekking é que encontrei o posto de informação turística aberto e a moça me mostrou uma tabela com todos os horários (ver horários abaixo em Informações Adicionais).

Às 12h em ponto passou um micro-ônibus da empresa Acuario 13 e todos os mochileiros do ponto subiram nele, inclusive os que estavam desde cedo "haciendo dedo" (pedindo carona) na estrada. O asfalto da Carretera Austral atualmente termina em Vila Cerro Castillo, portanto subimos rapidamente pela estrada em boas condições até o início da caminhada, em Las Horquetas Grandes, um lugar completamente desabitado. 

Saltei do coletivo às 12h57 junto com a moçada toda e entramos no caminho que fica à esquerda da rodovia, junto a uma placa do Sendero de Chile. Altitude de 791m.

Sendero de Chile é um projeto que visa contribuir com a proteção da natureza do país através da criação/manutenção de trilhas e caminhos para que as pessoas possam conhecer e valorizar o patrimônio natural do Chile. Matéria em que o Brasil ainda está muito atrasado.

A direção geral desse primeiro dia é para oeste e depois sudoeste, acompanhando principalmente o vale do Estero La Lima.

Vale do Estero La Lima 



O caminho inicia como uma estrada de rípio, logo cruza uma porteira e depois o Estero Las Mulas através de uma ponte de troncos. O Estero Las Mulas logo deságua no Rio Blanco e o caminho segue pelo vale deste rio. Às 13h22, junto a uma segunda porteira, fica uma casinha de madeira onde o guardaparque cobra a entrada de CLP 5000 (R$27) mediante a assinatura de um termo de responsabilidade pela realização da travessia.

A estradinha continua e logo sobe em direção a uma cerca de madeira e um bosque. A visão do vale do Rio Blanco se amplia e ao fundo da cerca se podem ver algumas casas e galpões. Esse primeiro dia de caminhada é todo feito por dentro de propriedades particulares, com criação de gado e várias porteiras. A trilha entra no bosque de lengas às 13h49 e se dirige ao vale de outro rio, o Estero La Lima. Às 15h15 cruzo o primeiro dos seus afluentes, o Estero Blanco Chico, sem dificuldade pelos troncos jogados. À frente já visualizo os nevados da Cordilheira Castillo. Às 15h37 passo por uma casa à esquerda e às 15h51 cruzo pelas pedras o próprio Estero La Lima, bastante largo. Daí em diante foram mais 6 rios e riachos, alguns um pouco mais chatos de atravessar pela largura. Não tirei as botas em nenhum deles mas numa bobeira minha entrou água na bota direita ao cruzar um mais fundo.

Às 18h o tempo fechou, nevou um pouquinho e a temperatura caiu muito. 

Às 18h17 uma bifurcação com uma seta apontando para a esquerda. O caminho da direita segundo o mapa é o Sendero Rio Turbio e segundo o gps leva a uma estrada entre os lagos La Paloma e Monreal, ao norte. Com apenas mais 80m para a esquerda alcanço enfim a entrada oficial do parque nacional, com um grande mapa, placa de bienvenido e uma porteira destruída por uma árvore caída. Cerca de 140m após a porteira encontrei a Guarderia Rio Turbio, uma cabana bastante revirada por dentro mas toda equipada com fogão, panelas e pia. Mas é sempre bom lembrar da recomendação quanto ao perigo do hantavírus.

Estero La Lima



O hantavírus é altamente mortal e há cartazes sobre o seu risco e prevenção por todo o sul do Chile. É transmitido pela urina e fezes dos roedores que se alojam em casas e galpões que ficam fechados por muito tempo. A recomendação é nunca dormir dentro de lugares fechados pelo risco de inalar o ar contaminado pelos dejetos com o vírus. Por isso não se deve trocar nunca a barraca por refúgios, casas e galpões fechados no meio da mata.

Ao lado da guarderia fica a área de camping, ambos protegidos pelo bosque de lengas e outras espécies. O chão é quase todo de terra (para sujar bastante a barraca) com um pouquinho de grama em algumas partes. Procurei um lugar gramado para acampar mais à frente. Até encontrei mas tinha receio de que algum guardaparque aparecesse e me mandasse para o acampamento demarcado. Mas até o final da travessia não vi guardaparque em nenhum lugar (só lá nas Horquetas mesmo). Não continuei até o acampamento do Rio Turbio (50 minutos adiante) porque devia estar mais cheio.

Nesse acampamento havia mesas de picnic e água podia ser coletada num riacho ao lado. O banheiro é uma casinha de madeira com porta e telhado. Dentro um assento de madeira com um grande buraco. Na cabana havia vaso sanitário mas a descarga não funcionava.

Nessa noite havia mais três barracas nesse camping e dois malucos dormiram dentro da cabana.

Altitude de 928m.

Vale do Rio Turbio com o Cerro Peñón ao fundo e o selado do Passo Peñón à esquerda



31/01/18 - 2º DIA - da entrada oficial do parque ao acampamento El Bosque

Duração: 5h30 (mais 1h20 ida e volta ao Glaciar Peñón)
Distância: 11,2km (mais 3,5km ida e volta ao Glaciar Peñón)
Maior altitude: 1453m
Menor altitude: 915m
Dificuldade: média se não houver muita neve no Passo Peñón

A temperatura mínima da noite foi 2,9ºC.

A direção geral desse segundo dia é sudoeste acompanhando principalmente as nascentes dos rios Turbio e El Bosque.

Levantei acampamento às 11h12 e continuei pelo caminho bem marcado, agora convertido em trilha mesmo. Às 11h30 a visão se ampliou com a chegada ao vale pedregoso do Rio Turbio, cercado de montanhas rochosas com os cumes cobertos de neve. A primeira de muitas paisagens espetaculares dessa travessia. A sudoeste, à esquerda do Cerro Peñón, já podia avistar ao longe o selado do Passo Peñón, que deveria cruzar ainda nesse dia. E notei que havia um pouco de neve nele (um pouco?...)

A sinalização continua por estacas amarelas na margem direita do rio e reentra no bosque. Às 12h05 encontro o acampamento do Rio Turbio, bem maior que o anterior, dentro do bosque, com mesas de picnic e banheiro, porém com chão de terra também. 

Às 12h38 cruzei por uma ponte o rio que nasce nas alturas do passo. Uns 60m depois parei numa bifurcação onde havia uma seta apontando para a esquerda e galhos jogados na trilha à direita (técnica que a Conaf usa para sinalizar que não se deve passar por aquela trilha). É que à direita era o caminho para o Glaciar Peñón onde nasce o Rio Turbio, que estava nos meus planos visitar. Fui então à direita e com 170m saí do bosque diretamente para uma grande área de pedras que acompanha o rio de degelo do glaciar, o próprio Rio Turbio. Havia trilha marcada, totens e balizas vermelhas para orientar. Claro que caminhar pelas pedras soltas demanda mais cuidado e o avanço é mais lento (pelo menos para mim). Às 13h19 alcancei um lago mas a geleira estava distante, bem para dentro. Havia cachoeiras caindo do Cerro Peñón à esquerda. Vale a pena esse desvio de 3,5km (ida e volta)? Se você está com tempo e o dia está bonito para fotos penso que sim.

Lago formado pelo Glaciar Peñón



Às 14h41 estava de volta à trilha principal e na subida comecei a notar os troncos inclinados das lengas, sinal de que estava atingindo o limite das árvores, onde a camada de terra é cada vez mais rasa. Às 15h17 saio do bosque e encaro de vez a subida do Passo Peñón, toda de pedras soltas. Esse passo se parece com um grande portal rochoso. A sinalização aqui foi feita com tinta vermelha e branca nas pedras. A neve, que inicialmente aparece nas laterais do caminho, começa a invadir tudo e logo estou subindo por ela. Felizmente a bota era impermeável, então sentia o frio mas os pés se mantinham secos. Atingi o ponto mais alto às 16h21. Altitude de 1453m. Do passo se vê o Morro Rojo à frente (sudoeste) com a Laguna Cerro Castillo à sua direita. Felizmente não havia vento forte. A descida pela neve era mais preocupante pois tinha receio de pisar em alguma parte com gelo duro e escorregar. Caminhei cerca de 20 minutos pela neve... muito mais do que eu imaginava... isso em pleno janeiro!

Voltei a caminhar pelas pedras soltas mas não pude desviar de outra grande mancha de neve, felizmente menor. Caminhei mais 5 minutos por ela.

De volta às pedras soltas a descida se tornou muito inclinada, exigindo muito cuidado para não rolar moraina abaixo. Cascatas despencam da face leste do Cerro Peñón à minha direita.

Terminada a ladeira íngreme passei a caminhar pelo vale de pedras de um afluente do Estero El Bosque. Ali encontrei duas americanas que estavam fazendo o percurso ao contrário e me perguntaram sobre a subida ao passo. Elas eram precavidas e levavam crampons. Parei para descansar e observá-las naquela subida difícil. Mas enfrentaram numa boa, eram bem fortes. Cruzei todo o vale de pedras, reentrei na mata às 18h e 15 minutos depois atravesso o afluente do Estero El Bosque por uma ponte. Depois de cruzar mais dois riachos chego às 18h40 ao acampamento El Bosque, bem protegido do vento em meio ao bosque de lengas. Acampamento bastante espaçoso porém inclinado, com poucos lugares planos, e todo de terra, nada de grama. Mesmo padrão de mesas de picnic e banheiros. Água abundante do Estero El Bosque ao lado.

Aliás água não foi preocupação nesse dia também, assim como no primeiro dia. Mesmo no passo havia várias fontes de água.

Nessa noite havia mais seis barracas nesse camping.

Altitude de 940m.

Do Passo Peñón se vê o Morro Rojo com a Laguna Cerro Castillo à direita



01/02/18 - 3º DIA - do acampamento El Bosque ao acampamento Neozelandês

Duração: 8h40
Distância: 13,1km
Maior altitude: 1694m
Menor altitude: 866m
Dificuldade: média pois há bastante subida e descida por pedras soltas

A temperatura mínima da noite foi 6,9ºC.

A direção geral desse terceiro dia é sudoeste até o mirante da Laguna Cerro Castillo, depois oeste e sudoeste até o acampamento Los Porteadores e por fim norte até o acampamento Neozelandês.

Aproveitei o dia ensolarado para fotos das montanhas ao redor do acampamento, como a face leste do Cerro Castillo e outros belos nevados da Cordilheira Castillo.

Saí do acampamento às 12h subindo pelo bosque e tendo o Estero El Bosque à minha esquerda, porém em apenas 6 minutos atravesso um de seus formadores através de troncos para reentrar na mata na outra margem. A subida pela trilha me proporciona uma linda visão quando saio do bosque: para a frente o Cerro Castillo e para trás o Passo Peñón. Às 13h28 surge uma espetacular cachoeira à direita, diretamente da geleira do Cerro Castillo. As duas americanas que conheci no dia anterior me alcançaram pois estavam retornando (!?). É que foram até o acampamento Rio Turbio, acamparam e voltaram... Às 13h44 cruzo o rio formado pela cachoeira num ponto mais acima onde não precisei tirar as botas por serem impermeáveis (as americanas tiraram os tênis). Continuo subindo por caminho de pedra (e um pouco de capim) pela margem esquerda do rio que verte da Laguna Cerro Castillo e a vista do Passo Peñón para trás é cada vez mais bonita. Isso e mais a cachoeira foram as primeiras visões impressionantes de um dia repleto de paisagens incríveis.

Cachoeira formada pela geleira do Cerro Castillo



Parei para lanchar às 14h07 perto de um riachinho e voltei a caminhar às 14h22. Essa seria a última água corrente até o acampamento Los Porteadores. A visão para trás do Passo Peñón fica cada vez mais nítida e posso observar toda a extensão de neve que tive de atravessar no dia anterior. 

Às 14h33 alcancei o acampamento La Tetera (chaleira ou bule, em espanhol), este sim com um gramadão porém mais "rústico" que os outros, não cheguei a ver se havia banheiro. Já caminhando acima da linha das árvores, a subida continua pelo caminho de pedras e às 14h48 uma linda surpresa: a Laguna Cerro Castillo, de um azul maravilhoso e adornada por diversas cachoeiras que despencam diretamente do Cerro Castillo.

Após um tempo de contemplação e muitas fotos encarei a subida de pedras soltas (moraina) ao sul da laguna. Isso após cruzar pelas pedras o riacho que é seu vertedouro. Alcancei o alto às 15h45 e havia mais de 30 pessoas num mirante admirando o lugar. Altitude de 1422m. É que há uma trilha que sobe diretamente de Vila Cerro Castillo a esse lugar, as pessoas fazem isso como um passeio de um dia. E serve como uma rota de fuga em caso de necessidade ou de não haver disponibilidade de mais um dia.

Ali no alto portanto a trilha mais marcada era a que vinha da cidade. A trilha da travessia não era tão visível, mas algumas estacas amarelas davam a direção, que era oeste. Antes de continuar, larguei a mochila e caminhei 300m até a borda da montanha para tirar fotos do imenso vale do Rio Ibáñez com a Vila Cerro Castillo abaixo e no horizonte ao sul o Lago General Carrera.

Voltei ao mirante, peguei a mochila e segui às 16h08 orientado pelas estacas amarelas. Desci e caminhei pela borda mais próxima à laguna mas depois encontrei a trilha bem marcada e segui por ela morro acima, no rumo oeste. Caminho todo de pedras ainda, neve apenas em pequenas manchas a uma certa distância. As americanas vinham um pouco atrás. Atingi o ponto mais alto às 17h05 e esperei as meninas para descermos juntos. Altitude de 1694m. A visão, além do Rio Ibáñez, Vila Cerro Castillo e Lago General Carrera, agora começa a se abrir para o vale do Estero Parada.

Ponto mais alto da travessia



Iniciamos a descida às 17h35 e foi com cuidado pois é um caminho todo de pedras soltas também. Uma delas caminhava mais lentamente. Nos orientávamos pelas estacas. Finalmente às 18h33 terminou a ladeira de pedras mas a descida, agora menos inclinada, continua em meio aos arbustos. A visão para o fundo do vale do Estero Parada permite apreciar o majestoso Cerro Palo. Numa bifurcação não sinalizada às 19h tomamos a direita pois a esquerda nos afastaria do acampamento. Em mais 7 minutos reentramos na mata. Numa bifurcação sinalizada às 19h16 tomamos a direita, cruzamos um riacho e chegamos ao acampamento Los Porteadores, pequeno e bastante cheio (contei 11 barracas). Altitude de 872m. As meninas resolveram ficar ali mesmo pois caminharam muito nesse dia, praticamente fizeram dois dias da travessia em um (e com o Passo Peñón nevado no meio). Mesmo esquema de acampamento com mesa de picnic, rio ao lado e banheiro com assento de madeira. Como havia mais 2h de luz natural, descansei um pouco e continuei para o acampamento Neozelandês. 

Me despedi delas às 19h34 e enfrentei a subida no rumo norte. Mata um pouco mais fechada e a visão de algumas montanhas da Cordilheira Castillo ao fundo. Muitas fontes de água pelo caminho. Cheguei ao Neozelandês às 20h42 e era o oposto do anterior: muito espaço e poucas barracas. Pude escolher um lugar à vontade. Igual aos outros: água bem próxima, mesa de picnic e banheiro. Tudo protegido dentro do bosque de lengas.

Nessa noite havia mais seis barracas nesse camping.

Altitude de 1146m.

Cerro Castillo



02/02/18 - 4º DIA - do acampamento Neozelandês a Vila Cerro Castillo com subida à Laguna Duff

Duração: 4h45 (mais 2h ida e volta à Laguna Duff)
Distância: 14,3km (mais 4,9km ida e volta à Laguna Duff)
Maior altitude: 1445m
Menor altitude: 311m
Dificuldade: média pois a subida à Laguna Duff é pela moraina (pedras soltas)

A temperatura mínima da noite foi 9,5ºC.

A direção geral desse terceiro dia é sul até a estrada de rípio e em seguida leste até Vila Cerro Castillo.

Deixei a barraca montada e às 9h10 fui conhecer a Laguna Duff. Continuei subindo pela trilha por onde cheguei no dia anterior, que logo sai do bosque, se aproxima do Estero Parada e reentra em outro bosque. Ao sair definitivamente do limite das árvores às 9h32 é hora de enfrentar a longa subida de pedras soltas na direção nordeste. À esquerda (norte) despenca o Estero Parada, que brota da própria Laguna Duff. Do outro lado do vale é possível avistar outras lagunas aos pés do Cerro Punta El Olvido, mas parece não haver trilha marcada até lá. Às 10h13 alcancei a Laguna Duff, na cota dos 1445m. E o queixo caiu de novo. A laguna tem uma cor azul linda e diversos blocos de gelo flutuando. Mesmo assim havia alguns doidos ali com coragem para entrar naquela água congelante. As montanhas de pedra nevadas por todos os lados da laguna também impressionam, formando um cenário magnífico. Foi pra fechar com chave de ouro essa travessia.

Cerro Palo e Vale do Estero Parada


Às 12h35 estava de volta ao acampamento, almocei, desmontei a barraca e às 13h51 iniciei a descida para Vila Cerro Castillo. Sentido sul sempre até a estradinha de rípio. Voltei pelo mesmo caminho até o acampamento Los Porteadores, onde passei às 15h03, cruzei o riacho ao lado (última água fácil do dia) e tomei na bifurcação a trilha da direita, descendo. O caminho percorre o alto da encosta esquerda do Estero Parada. Às 15h43 passei por uma cerca com placa de bienvenido à reserva, ou seja, estava saindo dela mas ainda faltava muito chão para caminhar. 

A descida continua e às 16h tenho vista para o Rio Ibáñez à direita. Às 16h09 passo por uma tronqueira e 4 minutos depois me aproximo do Estero Parada. Logo a visão se amplia para a esquerda (nordeste), com o Cerro Castillo e a montanha por onde sobe a trilha que vai da cidade ao mirante da Laguna Cerro Castillo. A trilha continua bem marcada pelo capim, sigo os caminhos mais à direita até que às 16h35 alcanço uma cerca e uma estrada de rípio. Curiosamente há uma placa "recinto privado - no entrar". A cerca tem arame farpado, exceto num ponto onde há arame sem farpa, por onde se deve passar. Na estradinha fui para a esquerda. 

Essa estradinha de 6,4km corre pelo vale do Rio Ibáñez e é um final inglório para uma caminhada tão empolgante. Não fosse pelos calafates que comi ao longo do caminho teria sido um tédio só. Não passou um carro sequer para eu tentar uma carona. Parei uma vez para descanso e cheguei à entrada da trilha para o mirante da Laguna Cerro Castillo às 18h15. A casinha do guardaparque estava fechada mas o letreiro informava que o desnível é de 1000m. Continuei pela estrada e cruzei a ponte sobre o Arroyo El Bosque (o mesmo do acampamento da segunda noite). Há uma parede de escalada ali e alguns estavam praticando. Às 18h35 estava de volta a Vila Cerro Castillo, encerrando essa maravilhosa caminhada.

Altitude de 337m.

Laguna Duff
Informações adicionais:

Ônibus de Vila Cerro Castillo a Las Horquetas Grandes (segundo a tabela do posto de informações turísticas de Vila Cerro Castillo):

seg, qua, qui, sex: 7h15, 8h, 11h30, 12h30, 14h30, 16h, 18h, 18h30
ter: 7h15, 11h30, 12h30, 14h30, 18h, 18h30
sáb: 8h30, 11h30, 12h30, 14h30, 17h, 18h30
dom: 11h30, 12h30, 14h30, 18h30

Preço da passagem: CLP 2000 (R$10,70)

A entrada no parque custa CLP 5000 (R$27) mas os campings são todos gratuitos. Há guardaparque apenas na casinha em Las Horquetas Grandes e no início da trilha que sobe da cidade para o mirante da Laguna Cerro Castillo.

Em Vila Cerro Castillo há pelo menos cinco mercadinhos para compra dos mantimentos para a caminhada. Cartucho de gás não procurei mas acho melhor comprar em uma cidade maior como Coyhaique. Há diversos hostais e também camping.

O grau de dificuldade que coloco nos relatos é uma avaliação pessoal e considera que o trilheiro esteja acostumado a caminhadas de vários dias com mochila cargueira. Para um iniciante considere todas as trilhas como difíceis. Para um iniciante que não esteja em boa forma física é melhor procurar trilhas fáceis de um dia para ganhar experiência e condicionamento.

Rafael Santiago
fevereiro/2018

4 comentários:

  1. Olá Rafael! Muito grato por seu relato. Gostaria de entender se é possível fazer essa travessia sem a condução de um guia ou gps. Agradeço

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    1. Olá, desculpe a falta de resposta mas é que não estou recebendo notificações do blog. Encontrei o seu comentário esses dias. Mas vou responder mesmo assim pois se não servir mais pra você pode servir pra outros trilheiros.
      Para fazer essa travessia (ou qualquer outra) é sempre bom ter experiência em orientação na montanha (saber usar mapa e bússola, por exemplo). Se você não tiver tente se juntar a outras pessoas no início da trilha e acompanhá-las. Os chilenos costumam ser bastante receptivos. Ou pelo menos tenha algumas pessoas por perto. O caminho não é difícil, o único ponto crítico é mesmo o Passo Peñón, que pode ter bastante neve ainda no verão.
      O primeiro dia da travessia do Cerro Castillo é por um caminho largo, difícil se perder ali. O segundo dia já é por trilha, mas tem alguma sinalização (pouca, na verdade). O terceiro dia é por um vale sem chance de se perder também e chega ao mirante da Laguna Cerro Castillo. Ali a trilha mais batida desce direto para a vila de Cerro Castillo. A continuação para o Camping Los Porteadores já não é tão óbvia e tem pouca sinalização. Numa bifurcação não sinalizada na descida é fácil perder o caminho do camping (direita) e ir direto para a vila (esquerda).
      Qualquer outra dúvida é só falar.
      Boas trilhas!

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  2. Boa tarde Rafael, mandei uma mensagem para você por instagram, segue aqui algumas dúvidas à respeito da Travessia Cerro Castillo.

    A minha principal dúvida era se é possível realizar o trekking sozinho sem guias. Realizando outras leituras pelo que parece é tranquilo fazer sozinho, a trilha e bem demarcada e estruturada, mas peço aqui também a sua opinião.

    Eu sou acostumado a fazer trilhas de 01 dia, mountain bike, etc. Para caminhos que não conheço, eu utilizo aplicativo de trilha que lê arquivo kml, etc. Para a Travessia Cerro Castillo você utilizou algum dispositivo de localização? Há essa necessidade?

    A minha dúvida principal para essa travessia, é quanto os equipamentos que devo levar, como mencionei antes, sou acostumado a fazer atividades outdoor de 01 dia, trechos relativamente longos, MTB até 90km, corrida 40 km, mas travessia que têm a necessidade de acampar, etc, não tenho experiência, e também, equipamento. A minha principal dúvida é se devo adquirir parte desses equipamentos, ou, se consigo alugar no Chile, Coyhaique, e se eu for comprar, melhor comprar no Brasil ou no Chile.

    Qual a sua recomendação de equipamento para a travessia?

    E, algum outro passeio que você recomenda nas redondezas?

    Abraço.
    Carlos Eduardo A. Santos

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    1. Oi, Carlos

      Vamos por partes:

      1. se é possível realizar o trekking sozinho e sem guia: dá uma olhada na resposta que dei acima. Acrescento que você pode usar o aplicativo maps.me se quiser se sentir mais seguro. Creio que o trekking inteiro já esteja disponível nesse aplicativo. Eu nunca usei o maps.me porque uso um Garmin etrex 30.

      2. comprar ou alugar equipamentos: aí depende do seu interesse pelo trekking de longa distância. Se você acha que vai pegar gosto por essa atividade é melhor comprar. Se quiser comprar no Chile tem a marca Doite que é bastante popular lá. Se quiser comprar aqui sugiro que você leia os tópicos sobre equipamentos no fórum do mochileiros.com. Lá tem muita informação boa, quando eu quero comprar uma barraca nova, por exemplo, sempre leio tudo o que o pessoal escreve lá para avaliar e decidir. E depois sugiro comparar preços aqui e no Chile para ver o que é melhor. Uma loja famosa lá é a La Cumbre (www.lacumbreonline.cl). Se quiser alugar os equipamentos no Chile eu não saberia te dizer onde pois mesmo Coyhaique, a principal cidade da região de Aisén, não me pareceu ter loja de aluguel de equipamentos (vi lojas vendendo equipamentos e roupas, como Doite e The North Face).

      3. recomendação de equipamento para a travessia: a barraca não precisa ser a mais robusta do mercado pois os campings ficam dentro dos bosques, protegidos do vento. Uma barraca mais leve, de uma ou duas varetas, dá conta do recado. Quanto a roupas e saco de dormir depende da época em que você pretende ir e da sua resistência ou não ao frio. Vale a pena dar uma lida nos tópicos de roupas, como se vestir no frio, sacos de dormir, etc lá no mochileiros.com também. Aprendi muita coisa lendo o que o pessoal escreve lá.

      4. outras trilhas próximas: a caminhada mais próxima do Cerro Castillo que vale a pena é a da Reserva Nacional Coyhaique. Tenho um relato dela em http://trekkingnamontanha.blogspot.com/2018/05/reserva-nacional-coyhaique-chile-fev2018.html.

      Espero que tenha ajudado.
      Boas trilhas!

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