Pico Agudo e Rio Tibagi
As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/SerraGrandeDeOrtigueiraEPicoAgudoDeSapopemaPRMar13.
Assim como o oeste paulista, grande parte do território do estado do Paraná é um extenso planalto em que despontam bem poucas elevações significativas. Ao contrário da paisagem da Serra do Mar, onde as montanhas chegam facilmente à cota dos 1800/1900m de altitude, no interior paranaense o relevo é mais uniforme e as serras que alcançam os 1100m chamam muito a atenção na paisagem. E uma delas em especial atrai os olhos dos montanhistas da região norte do estado, o Pico Agudo, em Sapopema (1180m segundo o IBGE), veneravelmente chamada por eles de "O Templo". A bela montanha coroada por um rochoso e escarpado cume ergue-se às margens do Rio Tibagi, outro local de grande beleza natural, formando assim um conjunto muito atraente. A Serra Grande (em Ortigueira), bem próxima desse pico mas na margem oposta do Tibagi, torna o local ainda mais interessante e o quadro é complementado pelos morros e serrinhas que orbitam esse conjunto, como o Morro do Meio, o Pico do Portal, a Serra Chata e o Morro do Taff, todos com sua particular e sedutora beleza.
Pois esse foi o fascinante cenário escolhido para uma pequena aventura de três dias do feriado de Páscoa junto com os amigos da AMC (Associação Montanhistas de Cristo), com direito a muitas estradas poeirentas, fazendas e vilas no meio do nada, mirantes espetaculares e a habitual hospitalidade do povo do meio rural.
1º DIA - DE SÃO PAULO A ORTIGUEIRA E A SUBIDA DA SERRA GRANDE
Tomando o Cometa das 21h15 em São Paulo cheguei com considerável atraso à estação rodoferroviária de Curitiba, exatamente às 5h05. Uma fria garoa caía sobre a capital paranaense e um termômetro de rua marcava 13ºC, confirmando que a escolha do norte do estado como destino da nossa expedição, em lugar da Serra do Mar, foi bastante acertada. Esperei no ponto de ônibus mais próximo e cerca de 10 minutos depois o Rinoceronte Verde estacionava do outro lado da Avenida Prof Affonso Camargo. Esse é o nome de guerra do jipe JPX casca-grossa-sistema-bruto do Getúlio. A bordo estavam o próprio ao volante, o Serginho e o Otávio, que tive o prazer de enfim conhecer pessoalmente. Seguimos ao encontro dos outros três expedicionários, Cover (Gian), Soraia (sua esposa) e Maicon, que nos aguardavam no TR4 preto do casal, de codinome Tigre Preto. Distribuímos os integrantes nos dois carros (o Otávio passou para o TR4) e partimos sem demora pois o trânsito em direção ao interior causava alguma apreensão por ser feriado prolongado.
A viagem, ao contrário do que se previa, foi bastante tranquila. O uso do Via Fácil agilizou muito a passagem pelos pedágios tomados por longas filas de carros. Eu aproveitei para repor a noite muito maldormida no ônibus e tirei alguns cochilos, mesmo depois de uma pausa para um rápido café na Parada do Pão de Queijo, na BR-376. A chuvinha ainda nos perseguiu por mais alguns quilômetros, mas logo foi deixada para trás e substituída por um céu encoberto que não demorou a se escancarar num delicioso sol que tomou conta da paisagem e iluminou as campinas ao redor.
Face leste da Serra Grande
Chegando enfim ao trevo de Ortigueira às 9h15, rápida pausa no posto de combustível São Cristóvão e tocamos na direção nordeste, atravessando a pequena cidade de 23 mil habitantes. Passado o centrinho, logo o asfalto deu lugar à estrada de terra que seria nosso chão por muitos e muitos quilômetros. Cerca de 6km depois da vila de Lajeado Bonito, a primeira das várias pausas para fotos: a ponte sobre o lago recém-formado pelo represamento do Rio Barra Grande, afluente da margem esquerda do Rio Tibagi. A tranquilidade da paisagem rural tinha como destaque no horizonte a Serra Grande, nosso destino nesse dia, adornada pelas escarpas do Pico Agudo, ao fundo desta, mas do outro lado do Rio Tibagi. Nosso objetivo já estava ao alcance dos olhos e a empolgação e desejo de alcançar a serra e conquistar seu topo só cresciam. Não obstante, uma parada na pequena vila de Natingui às 11h30 veio a calhar para saciar a sede com uma gasosa (para os paulistas, tubaína) e porções de pastel e coxinhas da Dona Aurora.
Zarpamos às 12h25 e 6,8km depois surge uma bifurcação importante pois marca dois objetivos distintos na direção da Serra Grande: à direita o destino é a Fazenda Serra Grande, base para a subida ao topo, enquanto a esquerda leva a estradinhas precárias que contornam toda a serra pelo norte, mas somente para veículos 4x4. Tomamos a direita e logo a paisagem se abriu descortinando toda a face oeste da Serra Grande diante de nossos olhos. Paisagem magnífica complementada pelo Morro do Taff à esquerda.
Descemos a um vale e a seguir iniciamos a subida da encosta de um serrote paralelo à Serra Grande. Até esse vale, onde se encontram algumas casas, um veículo comum chegaria sem muitos problemas, mas a subida do serrote já não é para qualquer carro em vista das condições ruins da estradinha. Vencida a subida, passamos a percorrer a crista desse serrote no sentido sudeste, agora com visão de uma outra montanha no horizonte, bem longe, o Perau Vermelho, de formato quase retangular e uma torre na extremidade mais alta. Ao atravessar o selado entre a extremidade sudeste da Serra Grande e o Morro do Meio chegamos às 13h40 à sede da Fazenda Serra Grande, que se resume a três casas bem simples. Altitude de 829m. O dono das terras, sr Ney, estava em casa nessa hora e pudemos conversar com ele e pedir autorização para subir a serra e pernoitar lá, no que não houve objeção.
Pico do Portal, Morro do Meio e encostas da Serra Grande
Aproveitando o belíssimo dia de sol, corremos até a beirada do pasto para uma visão estonteante do profundo vale do Rio Tibagi guardado pela imensa sentinela do Pico Agudo ao norte, do outro lado do rio, já no município de Sapopema. Após muitas fotos, voltamos aos carros pois tentaríamos ainda subir boa parte da Serra Grande por uma precária e estreita estradinha. Mas antes abastecemos todos os cantis com água da torneira do tanque da casa e nos esbaldamos no pé de mexerica carregado.
Cruzamos uma porteira com os dois jipes, atravessamos uma parte do pasto e alcançamos a tal estradinha, porém na primeira curva a coisa ficou feia. O Rinoceronte Verde enroscou nas pedras soltas e resolvemos saltar todos para o Getúlio tentar subir mais leve. Com alguma insistência e atirando pedras para todos os lados, lá foi ele morro acima. O Cover não quis arriscar meter o Tigre Preto naquele terreno casca-grossa e resolveu deixá-lo para pernoitar ali mesmo, ao pé da curva. Carregamos todas as mochilas no Rinoceronte e a Soraia subiu com o Getúlio até o fim da estradinha, onde há um cocho que antecede um curral. O restante do grupo foi subindo a pé e aproveitando para muitas fotos da paisagem que se alargava cada vez mais. Foram cerca de 50 minutos da fazenda até o topo da Serra Grande, alcançando a altitude de 1189m. A visão se estende até cidades como Londrina ao norte e Telêmaco Borba ao sul (além de diversas outras que ficariam mais visíveis com o cair da noite).
O passatempo do restante do dia foi tirar fotos na beira dos precipícios e explorar as beiradas da escarpa oriental da serra, a mais abrupta, forrada de gravatás, e que dá a espetacular visão do Rio Tibagi e do Pico Agudo. O silêncio das montanhas era quebrado apenas pela fúria das Corredeiras do Inferno do Rio Tibagi, perfeitamente audíveis lá no alto, nos fazendo lembrar a todo momento que ele é um dos protagonistas desse belo conjunto cênico.
Rio Tibagi
O pôr-do-sol fechou com muitos tons dourados esse magnífico dia. Depois a tarefa de montar o acampamento e preparar o jantar. Para esse último, tivemos de sair à procura de um lugar mais abrigado pois um vento forte e constante varria o topo da serra, impossibilitando o uso dos fogareiros. Eu tive que me apartar do restante das barracas pois o vento me incomodava muito e já me causava dor de ouvido. Acabei montando a minha perto da nossa cozinha, num local mais baixo e protegido.
Depois do jantar demos início à série de fotos com a lua, que estava de cheia para minguante, e a criatividade crescia a cada resultado bem sucedido: fotos com as barracas iluminadas, com as silhuetas das pessoas, com riscos produzidos pela luz das lanternas em movimento, até que chegamos ao requinte de escrever as iniciais AMC com as lanternas vermelhas e iluminação extra das lanternas brancas em forma de círculo. Foi uma brincadeira bem divertida! Mas se alguém viu isso, deve ter achado que era algum ritual bem estranho ou que alguma nave extraterrestre havia pousado no alto da montanha.
Distância do trevo de Ortigueira até a Fazenda Serra Grande: 70,7km
Desnível da Fazenda Serra Grande ao topo da Serra Grande: 360m
Cume rochoso do Pico Agudo
2º DIA - DA SERRA GRANDE DE ORTIGUEIRA AO PICO AGUDO DE SAPOPEMA
Logo cedo, o Getúlio foi explorar a cumeeira da serra no sentido noroeste até onde o campo dá lugar à mata fechada. Eu havia explorado na tarde anterior quase todo esse trecho de campo e tive a ilusão de ter me aproximado do final da crista, mas depois olhando a Serra Grande a partir do Pico Agudo é que vi que mal cheguei à metade dela.
Café tomado, acampamento desmontado, iniciamos a descida. De novo o Rinoceronte levou as mochilas e todos descemos a pé até a sede da fazenda. Nos despedimos do sr Ney e começamos a longa jornada em direção ao Pico Agudo, distante apenas 3,2km de nós em linha reta, porém na outra margem do Rio Tibagi e sem opção de travessia próxima. Saímos pouco antes do meio-dia e retornamos pela mesma estradinha até um local chamado Alto Café, 7,5km depois de Natingui. Em Alto Café, tomamos a esquerda numa placa que apontava a Usina Mauá. Algumas bifurcações surgiram e íamos perguntando até que, após duas porteiras seguidas, alcançamos às 13h30 a barragem da UHE (usina hidroelétrica) Mauá, onde não é permitido parar para fotos, conforme alertou o segurança. Pela pista sobre a barragem cruzamos então o Rio Tibagi. Essa passagem foi liberada recentemente para carros, antes disso era preciso fazer uma volta muito maior por Telêmaco Borba. Transposto o rio, rodamos por um curto trecho de asfalto que logo abandonamos em favor de uma estrada de terra à direita que adentrou uma imensa área de reflorestamento entrecortada por um verdadeiro labirinto de estradinhas correndo em meio a pinus e eucaliptos. Depois de engolir mais alguns quilos de poeira, às 14h15 desembocamos no asfalto da rodovia PR-160, na altura do km 202, onde continuamos para a esquerda (sentido nordeste).
Na entrada da cidade de Curiúva paramos para almoço num restaurante chamado Parada Rústica (dia de feijoada, R$18 por pessoa). Ali aproveitamos para abastecer todos os cantis pois a água da base do Pico Agudo não é boa, nem a do sítio mais próximo a ele. Seguimos as placas de Sapopema nas bifurcações seguintes e passamos pelo trevo dessa pequena cidade, às margens da PR-090. Cerca de 8km depois de Sapopema entramos às 15h55 na estradinha de terra à esquerda sinalizada pela placa "bairro Lambari". O bairro surgiu em menos de 10 minutos e nós continuamos pela poeirenta estrada. Aos poucos vai despontando no horizonte o conjunto de montanhas do lado de lá do Rio Tibagi (Pico do Portal, Morro do Meio e Serra Grande) e depois o do lado de cá (Serra Chata e Pico Agudo). Passamos pela pequena vila do Assentamento São Luís e logo a seguir, às 16h25, topamos com a placa da RPPN Inho-ó. Em menos de 5 minutos paramos numa porteira com cadeado onde é cobrada a entrada: R$10 por veículo.
Pico Agudo visto do início da trilha de subida
A surpresa até aqui foi a quantidade de carros voltando, provando que o Pico Agudo é bastante conhecido e frequentado, muito mais que a Serra Grande, mesmo com a dificuldade da subida. Às 16h47 finalmente chegamos ao humilde sítio do sr Livercindo, onde estacionamos os jipes (altitude de 797m). Ali, bem de frente para o Pico Agudo e em meio a porcos, galinhas, perus e cachorros magriços, ajeitamos as mochilas rapidamente para empreender a subida e acampar no topo da pedra ainda nesta noite. A água ali, como disse, não é boa e já havíamos providenciado o suficiente. Por sorte não havia mais nenhum carro de visitante e o sr Livercindo confirmou que todos já haviam ido embora, inclusive as duas pessoas que pernoitaram no pico esta noite. Digo sorte pois o espaço para acampamento no topo é bem reduzido.
Saímos do sítio às 17h04 continuando pela estrada (à esquerda), mas 40 metros depois entramos numa trilha no gramado à direita. Subimos até ultrapassar um colchete, passamos por um laguinho com cavalos à direita e cruzamos outro colchete na cerca seguinte, esse muito justo e difícil de abrir. Pegamos a trilha para a direita que adentrou a mata e não demoramos a ouvir barulho de água, porém não é própria para consumo já que há animais pastando mais acima. Ao sair dessa mata, a trilha sobe forte e bem batida por um capinzal sempre acompanhando uma cerca que fica do lado direito. Olhando para trás, o sítio vai ficando pequeno diante da magnitude da Serra Chata, em cujos pés ele se encontra. Mais um trecho de mata alta (onde há até uma clareira boa para acampamento) e em seguida começa o contato muito próximo (até demais) com o chamado capim-colonhão, que eu chamaria de capim-navalha, e que deixa lembranças em forma de cortes ardidos nos braços.
Em seguida a trilha se afasta definitivamente da cerca e fica mais íngreme, com uma terra solta que dificulta um pouco a ascensão. Mais um pequeno trecho de capim-colonhão bem alto e a subida continua. Num local de bastante terra solta e uma pedra de mais de 1 metro de altura para trepar foi afixada uma corda preta de nylon para dar apoio. Logo depois uma corda igual auxilia na escalaminhada de um rochoso bastante inclinado. O Serginho e o Maicon, que iam logo à minha frente, ancoraram uma corda vermelha nossa bem comprida na parede mais acima para ajudar na subida desse rochoso e da trilha íngreme que vem em seguida. Vencida essa etapa, já se está em contato com as paredes do cume, bastando contornar pela trilha à direita. A vegetação muda com a altitude e surgem os primeiros gravatás. Chegamos nós três ao cume às 18h12, a tempo de fotografar o magnífico pôr-do-sol. Cover e Soraia chegaram logo em seguida, mas o Getúlio e o Otávio demoraram um bocadinho. Altitude de 1184m.
Pôr-do-sol
O panorama ao redor é de 360º e varre todos os morros e serras próximas: Morro do Taff, Serra Grande, Morro do Meio, Pico do Portal, Serra Chata, além de uma grande extensão do Rio Tibagi, suas curvas e corredeiras. A visão da Torre Menor (ou Agulha Reinhard Maack), logo ao lado mas separada do conjunto maior do Pico Agudo por um precipício, lembra o visual que se tem do topo da Pedra Selada de Visconde de Mauá (RJ).
Encontramos em péssimo estado o livro de cume instalado em setembro último pelo Getúlio, Serginho e Mageta. Infelizmente deixaram-no ao tempo e estava úmido e mofado, porém bastante recheado de assinaturas e mensagens, em quantidade surpreendente para apenas seis meses. Apenas nesse dia, 30 de março, contei 17 assinaturas.
O espaço para acampar no cume resume-se a duas pequenas clareiras para duas barracas, ou três pequenas no máximo. Montado o acampamento, a Soraia partiu para o preparo de um farto jantar que alimentou diversas pessoas, inclusive eu, que não sei fazer direito nem um sopão. O Getúlio foi de macarrão ao sugo Liofoods que estava difícil de engolir, mas com o reforço dos pratos e temperos da Soraia, acabou sendo digerido. Bem alimentados, fomos curtir a noite de lua na extremidade sul do pico e aproveitar para mais fotos noturnas. A longa viagem por cansativas estradas de terra já cobrava seu preço e nessa noite fomos dormir mais cedo. Apesar de estarmos num lugar bem mais exposto do que no acampamento da Serra Grande, tivemos uma noite muito tranquila já que não havia o menor sinal da ventania da noite anterior.
Distância da rodovia PR-090 até o sítio do sr Livercindo: 22,3km
Desnível do sítio do sr Livercindo até o topo do Pico Agudo: 387m
Serra Grande, Morro do Taff e Rio Tibagi
3º DIA - O PICO AGUDO DE SAPOPEMA E O LONGO RETORNO A CURITIBA
Dessa vez dormi bem perto dos outros e acordei bem cedo com o famoso brado do Serginho: bom dia, Vietnããããããã! A intenção era ver o nascer do sol porém o nevoeiro não permitiu. Com isso, cada um foi saindo de seu casulo quando deu vontade, preguiçosamente (que o diga o Cover!). À medida que a névoa que cobria o vale do Rio Tibagi ia se dissipando, melhoravam as condições para boas fotos tanto dele quanto da Serra Grande. Tomamos café e desmontamos acampamento sem pressa, só deixando o cume às 11h, quando o sol já começava a castigar. A descida obviamente foi pelo mesmo caminho, passando pelas duas cordas, pelos trechos de capim-colonhão (cortante) e de mata. Aliás é bom deixar registrado que o nosso grupo deixou lá afixada a corda vermelha que colocamos durante a subida logo acima da segunda corda preta de nylon. O uso das cordas ajuda a preservar a frágil vegetação ao lado da trilha já que na falta de melhor apoio essa vegetação é utilizada como tal, começando a se desprender do solo, o que piora o quadro de erosão.
Descer por aquela terra solta e com poucos apoios laterais deu mais trabalho do que subir, a tensão de ir freando e se equilibrando cansa bastante. Passada a mata com água, ao chegar ao colchete difícil de abrir passei direto e dei uma pequena volta à esquerda, pelo pasto, para alcançar o outro colchete e dali descer para a casa do sr Livercindo, aonde cheguei às 12h23, praticamente junto com o restante do grupo. Ele não estava em casa nesse momento (mas depois o encontramos na estrada junto com sua esposa, a cavalo).
O pessoal não perdeu tempo e tratou logo de se refrescar numa mangueira ali no quintal, alguns colocaram roupa "de cidade" e às 13h10 voltamos a chacoalhar na estradinha de terra, agora iniciando o retorno a Curitiba. Às 14h03 alcançamos o asfalto da PR-090, que tomamos à direita. Passamos de novo pela entrada de Sapopema e paramos na Churrascaria Caetê para o almoço (R$34 o rodízio de carne e R$18 o bufê de saladas e pratos quentes).
Torre Menor ou Agulha Reinhard Maack
Seguimos pela PR-090 até Piraí do Sul, depois pela PR-151 até Castro, onde abandonamos as rodovias maiores e buscamos uma alternativa aos prováveis congestionamentos de Ponta Grossa e Campo Largo pela volta do feriadão. Pegamos a PR-340, passamos pela imensa usina da Castrolanda e 9,5km depois (da usina) mergulhamos numa estrada de terra à esquerda que era uma verdadeira nuvem de poeira branca. É que caminhões carregados de calcário trafegam por ali e espalham pedaços da carga por todo o caminho, formando um tapete branco que se transforma em poeira espessa à passagem dos carros.
Nessa estradinha assistimos ao belo pôr-do-sol atrás de nós e continuamos na escuridão a aventura pela estreito caminho repleto de bifurcações sem placa alguma, guiados pelos conhecimentos da área pelo Getúlio (apoiado pelo gps, claro, pois no escuro aquilo parecia mais um grande labirinto). Sacolejamos 78km nos buracos, pedras e valetas da tal estrada, passando sobre o Rio Ribeira (de Iguape) e pela remota vila de Açungui, e já contávamos apenas 1,7km para alcançar o tão almejado asfalto quando uma curva pregou uma peça no nosso hábil piloto. A estradinha continuava em frente mas deveríamos quebrar para a esquerda, porém a traiçoeira curva tinha lá seus 90º de inclinação (ou mais) e a velocidade não permitiu uma manobra adequada, nos lançando na valeta da margem direita, o que tirou a estabilidade do Rinoceronte e o fez tombar. Felizmente todos os três usávamos o cinto de segurança e não houve nenhum ferimento sério. Além dos nossos amigos, algumas outras pessoas pararam para ajudar e o trabalho em equipe foi rápido e objetivo. Em poucos minutos voltamos o jipe a sua posição com a ajuda de um caminhão, foram checadas suas "funções vitais" (óleo, freios, combustível) e pusemos de novo pé na estrada. Além do retrovisor direito estilhaçado, a sequela mais evidente foi a buzina que disparava ao girar o volante para a esquerda. Chegamos ao asfalto da PR-092 às 20h45.
Como eu tinha que estar na rodoviária de Curitiba às 22h para embarcar de volta a Sampa e o Rinoceronte, por precaução, não deveria correr muito, em Rio Branco do Sul fizemos uma troca de passageiros. Assim, passei para o Tigre Preto e o Cover acelerou o quanto pôde pela periferia da Grande Curitiba e depois pelas longas avenidas do centro, até que largamos o carro na mão da Soraia no meio do congestionamento em frente à rodoviária e saímos correndo, ele na frente e eu de mochilão mais atrás, atravessando canteiros do jardim e plataformas para tentar encontrar a da Cometa naquela confusão total por conta das obras da reforma. O Cover encontrou o ônibus primeiro, pediu alguns instantes para o motorista, eu cheguei, joguei a mochila no bagageiro e o ônibus partiu, exatamente às 22h05. Ufa!
Depois de horas de tensão, veio o momento de relaxar. Todos chegaram bem em casa e a minha viagem correu tranquila, sem nenhum congestionamento de retorno de feriado. Às 3h45 eu já desembarcava no terminal Tietê, em São Paulo.
Foto oficial
Informações adicionais:
. Carta topográfica de Terra Nova: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/mapas/GEBIS%20-%20RJ/SF-22-Z-C-IV-3.jpg.
. As medições de altitude de 1189m para a Serra Grande e 1184m para o Pico Agudo estão bem longe de ser definitivas já que foram feitas por um gps de mão (Garmin Vista HCX) e podem sofrer influência de vários fatores, como pressão atmosférica e falta de calibragem precisa. Esses números portanto não se prestam a afirmar categoricamente que a primeira montanha é mais alta que a segunda. Na carta do IBGE, que também tem suas imprecisões, o Pico Agudo (1180m) aparece com 10 metros a mais que a Serra Grande (1170m).
Rafael Santiago
março/2013
As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/SerraGrandeDeOrtigueiraEPicoAgudoDeSapopemaPRMar13.
Assim como o oeste paulista, grande parte do território do estado do Paraná é um extenso planalto em que despontam bem poucas elevações significativas. Ao contrário da paisagem da Serra do Mar, onde as montanhas chegam facilmente à cota dos 1800/1900m de altitude, no interior paranaense o relevo é mais uniforme e as serras que alcançam os 1100m chamam muito a atenção na paisagem. E uma delas em especial atrai os olhos dos montanhistas da região norte do estado, o Pico Agudo, em Sapopema (1180m segundo o IBGE), veneravelmente chamada por eles de "O Templo". A bela montanha coroada por um rochoso e escarpado cume ergue-se às margens do Rio Tibagi, outro local de grande beleza natural, formando assim um conjunto muito atraente. A Serra Grande (em Ortigueira), bem próxima desse pico mas na margem oposta do Tibagi, torna o local ainda mais interessante e o quadro é complementado pelos morros e serrinhas que orbitam esse conjunto, como o Morro do Meio, o Pico do Portal, a Serra Chata e o Morro do Taff, todos com sua particular e sedutora beleza.
Pois esse foi o fascinante cenário escolhido para uma pequena aventura de três dias do feriado de Páscoa junto com os amigos da AMC (Associação Montanhistas de Cristo), com direito a muitas estradas poeirentas, fazendas e vilas no meio do nada, mirantes espetaculares e a habitual hospitalidade do povo do meio rural.
1º DIA - DE SÃO PAULO A ORTIGUEIRA E A SUBIDA DA SERRA GRANDE
Tomando o Cometa das 21h15 em São Paulo cheguei com considerável atraso à estação rodoferroviária de Curitiba, exatamente às 5h05. Uma fria garoa caía sobre a capital paranaense e um termômetro de rua marcava 13ºC, confirmando que a escolha do norte do estado como destino da nossa expedição, em lugar da Serra do Mar, foi bastante acertada. Esperei no ponto de ônibus mais próximo e cerca de 10 minutos depois o Rinoceronte Verde estacionava do outro lado da Avenida Prof Affonso Camargo. Esse é o nome de guerra do jipe JPX casca-grossa-sistema-bruto do Getúlio. A bordo estavam o próprio ao volante, o Serginho e o Otávio, que tive o prazer de enfim conhecer pessoalmente. Seguimos ao encontro dos outros três expedicionários, Cover (Gian), Soraia (sua esposa) e Maicon, que nos aguardavam no TR4 preto do casal, de codinome Tigre Preto. Distribuímos os integrantes nos dois carros (o Otávio passou para o TR4) e partimos sem demora pois o trânsito em direção ao interior causava alguma apreensão por ser feriado prolongado.
A viagem, ao contrário do que se previa, foi bastante tranquila. O uso do Via Fácil agilizou muito a passagem pelos pedágios tomados por longas filas de carros. Eu aproveitei para repor a noite muito maldormida no ônibus e tirei alguns cochilos, mesmo depois de uma pausa para um rápido café na Parada do Pão de Queijo, na BR-376. A chuvinha ainda nos perseguiu por mais alguns quilômetros, mas logo foi deixada para trás e substituída por um céu encoberto que não demorou a se escancarar num delicioso sol que tomou conta da paisagem e iluminou as campinas ao redor.
Face leste da Serra Grande
Chegando enfim ao trevo de Ortigueira às 9h15, rápida pausa no posto de combustível São Cristóvão e tocamos na direção nordeste, atravessando a pequena cidade de 23 mil habitantes. Passado o centrinho, logo o asfalto deu lugar à estrada de terra que seria nosso chão por muitos e muitos quilômetros. Cerca de 6km depois da vila de Lajeado Bonito, a primeira das várias pausas para fotos: a ponte sobre o lago recém-formado pelo represamento do Rio Barra Grande, afluente da margem esquerda do Rio Tibagi. A tranquilidade da paisagem rural tinha como destaque no horizonte a Serra Grande, nosso destino nesse dia, adornada pelas escarpas do Pico Agudo, ao fundo desta, mas do outro lado do Rio Tibagi. Nosso objetivo já estava ao alcance dos olhos e a empolgação e desejo de alcançar a serra e conquistar seu topo só cresciam. Não obstante, uma parada na pequena vila de Natingui às 11h30 veio a calhar para saciar a sede com uma gasosa (para os paulistas, tubaína) e porções de pastel e coxinhas da Dona Aurora.
Zarpamos às 12h25 e 6,8km depois surge uma bifurcação importante pois marca dois objetivos distintos na direção da Serra Grande: à direita o destino é a Fazenda Serra Grande, base para a subida ao topo, enquanto a esquerda leva a estradinhas precárias que contornam toda a serra pelo norte, mas somente para veículos 4x4. Tomamos a direita e logo a paisagem se abriu descortinando toda a face oeste da Serra Grande diante de nossos olhos. Paisagem magnífica complementada pelo Morro do Taff à esquerda.
Descemos a um vale e a seguir iniciamos a subida da encosta de um serrote paralelo à Serra Grande. Até esse vale, onde se encontram algumas casas, um veículo comum chegaria sem muitos problemas, mas a subida do serrote já não é para qualquer carro em vista das condições ruins da estradinha. Vencida a subida, passamos a percorrer a crista desse serrote no sentido sudeste, agora com visão de uma outra montanha no horizonte, bem longe, o Perau Vermelho, de formato quase retangular e uma torre na extremidade mais alta. Ao atravessar o selado entre a extremidade sudeste da Serra Grande e o Morro do Meio chegamos às 13h40 à sede da Fazenda Serra Grande, que se resume a três casas bem simples. Altitude de 829m. O dono das terras, sr Ney, estava em casa nessa hora e pudemos conversar com ele e pedir autorização para subir a serra e pernoitar lá, no que não houve objeção.
Pico do Portal, Morro do Meio e encostas da Serra Grande
Aproveitando o belíssimo dia de sol, corremos até a beirada do pasto para uma visão estonteante do profundo vale do Rio Tibagi guardado pela imensa sentinela do Pico Agudo ao norte, do outro lado do rio, já no município de Sapopema. Após muitas fotos, voltamos aos carros pois tentaríamos ainda subir boa parte da Serra Grande por uma precária e estreita estradinha. Mas antes abastecemos todos os cantis com água da torneira do tanque da casa e nos esbaldamos no pé de mexerica carregado.
Cruzamos uma porteira com os dois jipes, atravessamos uma parte do pasto e alcançamos a tal estradinha, porém na primeira curva a coisa ficou feia. O Rinoceronte Verde enroscou nas pedras soltas e resolvemos saltar todos para o Getúlio tentar subir mais leve. Com alguma insistência e atirando pedras para todos os lados, lá foi ele morro acima. O Cover não quis arriscar meter o Tigre Preto naquele terreno casca-grossa e resolveu deixá-lo para pernoitar ali mesmo, ao pé da curva. Carregamos todas as mochilas no Rinoceronte e a Soraia subiu com o Getúlio até o fim da estradinha, onde há um cocho que antecede um curral. O restante do grupo foi subindo a pé e aproveitando para muitas fotos da paisagem que se alargava cada vez mais. Foram cerca de 50 minutos da fazenda até o topo da Serra Grande, alcançando a altitude de 1189m. A visão se estende até cidades como Londrina ao norte e Telêmaco Borba ao sul (além de diversas outras que ficariam mais visíveis com o cair da noite).
O passatempo do restante do dia foi tirar fotos na beira dos precipícios e explorar as beiradas da escarpa oriental da serra, a mais abrupta, forrada de gravatás, e que dá a espetacular visão do Rio Tibagi e do Pico Agudo. O silêncio das montanhas era quebrado apenas pela fúria das Corredeiras do Inferno do Rio Tibagi, perfeitamente audíveis lá no alto, nos fazendo lembrar a todo momento que ele é um dos protagonistas desse belo conjunto cênico.
Rio Tibagi
O pôr-do-sol fechou com muitos tons dourados esse magnífico dia. Depois a tarefa de montar o acampamento e preparar o jantar. Para esse último, tivemos de sair à procura de um lugar mais abrigado pois um vento forte e constante varria o topo da serra, impossibilitando o uso dos fogareiros. Eu tive que me apartar do restante das barracas pois o vento me incomodava muito e já me causava dor de ouvido. Acabei montando a minha perto da nossa cozinha, num local mais baixo e protegido.
Depois do jantar demos início à série de fotos com a lua, que estava de cheia para minguante, e a criatividade crescia a cada resultado bem sucedido: fotos com as barracas iluminadas, com as silhuetas das pessoas, com riscos produzidos pela luz das lanternas em movimento, até que chegamos ao requinte de escrever as iniciais AMC com as lanternas vermelhas e iluminação extra das lanternas brancas em forma de círculo. Foi uma brincadeira bem divertida! Mas se alguém viu isso, deve ter achado que era algum ritual bem estranho ou que alguma nave extraterrestre havia pousado no alto da montanha.
Distância do trevo de Ortigueira até a Fazenda Serra Grande: 70,7km
Desnível da Fazenda Serra Grande ao topo da Serra Grande: 360m
Cume rochoso do Pico Agudo
2º DIA - DA SERRA GRANDE DE ORTIGUEIRA AO PICO AGUDO DE SAPOPEMA
Logo cedo, o Getúlio foi explorar a cumeeira da serra no sentido noroeste até onde o campo dá lugar à mata fechada. Eu havia explorado na tarde anterior quase todo esse trecho de campo e tive a ilusão de ter me aproximado do final da crista, mas depois olhando a Serra Grande a partir do Pico Agudo é que vi que mal cheguei à metade dela.
Café tomado, acampamento desmontado, iniciamos a descida. De novo o Rinoceronte levou as mochilas e todos descemos a pé até a sede da fazenda. Nos despedimos do sr Ney e começamos a longa jornada em direção ao Pico Agudo, distante apenas 3,2km de nós em linha reta, porém na outra margem do Rio Tibagi e sem opção de travessia próxima. Saímos pouco antes do meio-dia e retornamos pela mesma estradinha até um local chamado Alto Café, 7,5km depois de Natingui. Em Alto Café, tomamos a esquerda numa placa que apontava a Usina Mauá. Algumas bifurcações surgiram e íamos perguntando até que, após duas porteiras seguidas, alcançamos às 13h30 a barragem da UHE (usina hidroelétrica) Mauá, onde não é permitido parar para fotos, conforme alertou o segurança. Pela pista sobre a barragem cruzamos então o Rio Tibagi. Essa passagem foi liberada recentemente para carros, antes disso era preciso fazer uma volta muito maior por Telêmaco Borba. Transposto o rio, rodamos por um curto trecho de asfalto que logo abandonamos em favor de uma estrada de terra à direita que adentrou uma imensa área de reflorestamento entrecortada por um verdadeiro labirinto de estradinhas correndo em meio a pinus e eucaliptos. Depois de engolir mais alguns quilos de poeira, às 14h15 desembocamos no asfalto da rodovia PR-160, na altura do km 202, onde continuamos para a esquerda (sentido nordeste).
Na entrada da cidade de Curiúva paramos para almoço num restaurante chamado Parada Rústica (dia de feijoada, R$18 por pessoa). Ali aproveitamos para abastecer todos os cantis pois a água da base do Pico Agudo não é boa, nem a do sítio mais próximo a ele. Seguimos as placas de Sapopema nas bifurcações seguintes e passamos pelo trevo dessa pequena cidade, às margens da PR-090. Cerca de 8km depois de Sapopema entramos às 15h55 na estradinha de terra à esquerda sinalizada pela placa "bairro Lambari". O bairro surgiu em menos de 10 minutos e nós continuamos pela poeirenta estrada. Aos poucos vai despontando no horizonte o conjunto de montanhas do lado de lá do Rio Tibagi (Pico do Portal, Morro do Meio e Serra Grande) e depois o do lado de cá (Serra Chata e Pico Agudo). Passamos pela pequena vila do Assentamento São Luís e logo a seguir, às 16h25, topamos com a placa da RPPN Inho-ó. Em menos de 5 minutos paramos numa porteira com cadeado onde é cobrada a entrada: R$10 por veículo.
Pico Agudo visto do início da trilha de subida
A surpresa até aqui foi a quantidade de carros voltando, provando que o Pico Agudo é bastante conhecido e frequentado, muito mais que a Serra Grande, mesmo com a dificuldade da subida. Às 16h47 finalmente chegamos ao humilde sítio do sr Livercindo, onde estacionamos os jipes (altitude de 797m). Ali, bem de frente para o Pico Agudo e em meio a porcos, galinhas, perus e cachorros magriços, ajeitamos as mochilas rapidamente para empreender a subida e acampar no topo da pedra ainda nesta noite. A água ali, como disse, não é boa e já havíamos providenciado o suficiente. Por sorte não havia mais nenhum carro de visitante e o sr Livercindo confirmou que todos já haviam ido embora, inclusive as duas pessoas que pernoitaram no pico esta noite. Digo sorte pois o espaço para acampamento no topo é bem reduzido.
Saímos do sítio às 17h04 continuando pela estrada (à esquerda), mas 40 metros depois entramos numa trilha no gramado à direita. Subimos até ultrapassar um colchete, passamos por um laguinho com cavalos à direita e cruzamos outro colchete na cerca seguinte, esse muito justo e difícil de abrir. Pegamos a trilha para a direita que adentrou a mata e não demoramos a ouvir barulho de água, porém não é própria para consumo já que há animais pastando mais acima. Ao sair dessa mata, a trilha sobe forte e bem batida por um capinzal sempre acompanhando uma cerca que fica do lado direito. Olhando para trás, o sítio vai ficando pequeno diante da magnitude da Serra Chata, em cujos pés ele se encontra. Mais um trecho de mata alta (onde há até uma clareira boa para acampamento) e em seguida começa o contato muito próximo (até demais) com o chamado capim-colonhão, que eu chamaria de capim-navalha, e que deixa lembranças em forma de cortes ardidos nos braços.
Em seguida a trilha se afasta definitivamente da cerca e fica mais íngreme, com uma terra solta que dificulta um pouco a ascensão. Mais um pequeno trecho de capim-colonhão bem alto e a subida continua. Num local de bastante terra solta e uma pedra de mais de 1 metro de altura para trepar foi afixada uma corda preta de nylon para dar apoio. Logo depois uma corda igual auxilia na escalaminhada de um rochoso bastante inclinado. O Serginho e o Maicon, que iam logo à minha frente, ancoraram uma corda vermelha nossa bem comprida na parede mais acima para ajudar na subida desse rochoso e da trilha íngreme que vem em seguida. Vencida essa etapa, já se está em contato com as paredes do cume, bastando contornar pela trilha à direita. A vegetação muda com a altitude e surgem os primeiros gravatás. Chegamos nós três ao cume às 18h12, a tempo de fotografar o magnífico pôr-do-sol. Cover e Soraia chegaram logo em seguida, mas o Getúlio e o Otávio demoraram um bocadinho. Altitude de 1184m.
Pôr-do-sol
O panorama ao redor é de 360º e varre todos os morros e serras próximas: Morro do Taff, Serra Grande, Morro do Meio, Pico do Portal, Serra Chata, além de uma grande extensão do Rio Tibagi, suas curvas e corredeiras. A visão da Torre Menor (ou Agulha Reinhard Maack), logo ao lado mas separada do conjunto maior do Pico Agudo por um precipício, lembra o visual que se tem do topo da Pedra Selada de Visconde de Mauá (RJ).
Encontramos em péssimo estado o livro de cume instalado em setembro último pelo Getúlio, Serginho e Mageta. Infelizmente deixaram-no ao tempo e estava úmido e mofado, porém bastante recheado de assinaturas e mensagens, em quantidade surpreendente para apenas seis meses. Apenas nesse dia, 30 de março, contei 17 assinaturas.
O espaço para acampar no cume resume-se a duas pequenas clareiras para duas barracas, ou três pequenas no máximo. Montado o acampamento, a Soraia partiu para o preparo de um farto jantar que alimentou diversas pessoas, inclusive eu, que não sei fazer direito nem um sopão. O Getúlio foi de macarrão ao sugo Liofoods que estava difícil de engolir, mas com o reforço dos pratos e temperos da Soraia, acabou sendo digerido. Bem alimentados, fomos curtir a noite de lua na extremidade sul do pico e aproveitar para mais fotos noturnas. A longa viagem por cansativas estradas de terra já cobrava seu preço e nessa noite fomos dormir mais cedo. Apesar de estarmos num lugar bem mais exposto do que no acampamento da Serra Grande, tivemos uma noite muito tranquila já que não havia o menor sinal da ventania da noite anterior.
Distância da rodovia PR-090 até o sítio do sr Livercindo: 22,3km
Desnível do sítio do sr Livercindo até o topo do Pico Agudo: 387m
Serra Grande, Morro do Taff e Rio Tibagi
3º DIA - O PICO AGUDO DE SAPOPEMA E O LONGO RETORNO A CURITIBA
Dessa vez dormi bem perto dos outros e acordei bem cedo com o famoso brado do Serginho: bom dia, Vietnããããããã! A intenção era ver o nascer do sol porém o nevoeiro não permitiu. Com isso, cada um foi saindo de seu casulo quando deu vontade, preguiçosamente (que o diga o Cover!). À medida que a névoa que cobria o vale do Rio Tibagi ia se dissipando, melhoravam as condições para boas fotos tanto dele quanto da Serra Grande. Tomamos café e desmontamos acampamento sem pressa, só deixando o cume às 11h, quando o sol já começava a castigar. A descida obviamente foi pelo mesmo caminho, passando pelas duas cordas, pelos trechos de capim-colonhão (cortante) e de mata. Aliás é bom deixar registrado que o nosso grupo deixou lá afixada a corda vermelha que colocamos durante a subida logo acima da segunda corda preta de nylon. O uso das cordas ajuda a preservar a frágil vegetação ao lado da trilha já que na falta de melhor apoio essa vegetação é utilizada como tal, começando a se desprender do solo, o que piora o quadro de erosão.
Descer por aquela terra solta e com poucos apoios laterais deu mais trabalho do que subir, a tensão de ir freando e se equilibrando cansa bastante. Passada a mata com água, ao chegar ao colchete difícil de abrir passei direto e dei uma pequena volta à esquerda, pelo pasto, para alcançar o outro colchete e dali descer para a casa do sr Livercindo, aonde cheguei às 12h23, praticamente junto com o restante do grupo. Ele não estava em casa nesse momento (mas depois o encontramos na estrada junto com sua esposa, a cavalo).
O pessoal não perdeu tempo e tratou logo de se refrescar numa mangueira ali no quintal, alguns colocaram roupa "de cidade" e às 13h10 voltamos a chacoalhar na estradinha de terra, agora iniciando o retorno a Curitiba. Às 14h03 alcançamos o asfalto da PR-090, que tomamos à direita. Passamos de novo pela entrada de Sapopema e paramos na Churrascaria Caetê para o almoço (R$34 o rodízio de carne e R$18 o bufê de saladas e pratos quentes).
Torre Menor ou Agulha Reinhard Maack
Seguimos pela PR-090 até Piraí do Sul, depois pela PR-151 até Castro, onde abandonamos as rodovias maiores e buscamos uma alternativa aos prováveis congestionamentos de Ponta Grossa e Campo Largo pela volta do feriadão. Pegamos a PR-340, passamos pela imensa usina da Castrolanda e 9,5km depois (da usina) mergulhamos numa estrada de terra à esquerda que era uma verdadeira nuvem de poeira branca. É que caminhões carregados de calcário trafegam por ali e espalham pedaços da carga por todo o caminho, formando um tapete branco que se transforma em poeira espessa à passagem dos carros.
Nessa estradinha assistimos ao belo pôr-do-sol atrás de nós e continuamos na escuridão a aventura pela estreito caminho repleto de bifurcações sem placa alguma, guiados pelos conhecimentos da área pelo Getúlio (apoiado pelo gps, claro, pois no escuro aquilo parecia mais um grande labirinto). Sacolejamos 78km nos buracos, pedras e valetas da tal estrada, passando sobre o Rio Ribeira (de Iguape) e pela remota vila de Açungui, e já contávamos apenas 1,7km para alcançar o tão almejado asfalto quando uma curva pregou uma peça no nosso hábil piloto. A estradinha continuava em frente mas deveríamos quebrar para a esquerda, porém a traiçoeira curva tinha lá seus 90º de inclinação (ou mais) e a velocidade não permitiu uma manobra adequada, nos lançando na valeta da margem direita, o que tirou a estabilidade do Rinoceronte e o fez tombar. Felizmente todos os três usávamos o cinto de segurança e não houve nenhum ferimento sério. Além dos nossos amigos, algumas outras pessoas pararam para ajudar e o trabalho em equipe foi rápido e objetivo. Em poucos minutos voltamos o jipe a sua posição com a ajuda de um caminhão, foram checadas suas "funções vitais" (óleo, freios, combustível) e pusemos de novo pé na estrada. Além do retrovisor direito estilhaçado, a sequela mais evidente foi a buzina que disparava ao girar o volante para a esquerda. Chegamos ao asfalto da PR-092 às 20h45.
Como eu tinha que estar na rodoviária de Curitiba às 22h para embarcar de volta a Sampa e o Rinoceronte, por precaução, não deveria correr muito, em Rio Branco do Sul fizemos uma troca de passageiros. Assim, passei para o Tigre Preto e o Cover acelerou o quanto pôde pela periferia da Grande Curitiba e depois pelas longas avenidas do centro, até que largamos o carro na mão da Soraia no meio do congestionamento em frente à rodoviária e saímos correndo, ele na frente e eu de mochilão mais atrás, atravessando canteiros do jardim e plataformas para tentar encontrar a da Cometa naquela confusão total por conta das obras da reforma. O Cover encontrou o ônibus primeiro, pediu alguns instantes para o motorista, eu cheguei, joguei a mochila no bagageiro e o ônibus partiu, exatamente às 22h05. Ufa!
Depois de horas de tensão, veio o momento de relaxar. Todos chegaram bem em casa e a minha viagem correu tranquila, sem nenhum congestionamento de retorno de feriado. Às 3h45 eu já desembarcava no terminal Tietê, em São Paulo.
Foto oficial
Informações adicionais:
. Carta topográfica de Terra Nova: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/mapas/GEBIS%20-%20RJ/SF-22-Z-C-IV-3.jpg.
. As medições de altitude de 1189m para a Serra Grande e 1184m para o Pico Agudo estão bem longe de ser definitivas já que foram feitas por um gps de mão (Garmin Vista HCX) e podem sofrer influência de vários fatores, como pressão atmosférica e falta de calibragem precisa. Esses números portanto não se prestam a afirmar categoricamente que a primeira montanha é mais alta que a segunda. Na carta do IBGE, que também tem suas imprecisões, o Pico Agudo (1180m) aparece com 10 metros a mais que a Serra Grande (1170m).
Rafael Santiago
março/2013