terça-feira, 28 de abril de 2015

Travessia da Serra do Paiol (Alagoa/Bocaina de Minas-MG) - abr/15

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Serra do Ouro Fala, Mitra do Bispo e Serra Verde

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaDaSerraDoPaiolAlagoaBocainaDeMinasMGAbr15.

A Serra do Paiol é uma continuação natural das serras dos Borges e do Condado, formando uma longa crista de cerca de 18km de extensão que abriga nascentes de diversos rios. Parte dessa longa crista está no município de Alagoa (Serra dos Borges, a oeste), outra parte em Bocaina de Minas (caso da Serra do Paiol, mais a leste) e uma parte intermediária faz o limite entre esses municípios (Serra do Condado). E este relato é uma continuação do anterior, sobre a primeira investida a essa região (http://trekkingnamontanha.blogspot.com.br/2015/03/travessia-itamonte-alagoa-via-pedra-do.html), quando tentei cruzar a serra toda no sentido oeste-leste mas a mata densa da Serra do Condado colocou por terra os meus planos. Não satisfeito, voltei à serra num ponto em que a mata parecia terminar e continuei minhas explorações a partir dali. Desta vez encontrei terreno mais favorável e atingi a minha meta, ou seja, alcancei a extremidade leste da extensa serra.

Nota: as informações de nomes de rios e montanhas usadas aqui, bem como de limites municipais, foram todas tiradas da carta topográfica do IBGE, cujo endereço está nas informações adicionais abaixo. Por ser uma região praticamente desabitada não pude conferir esses dados.

1º DIA: DO BAIRRO RIO ACIMA À EXTREMIDADE OESTE DA SERRA DO PAIOL

O dia estava amanhecendo quando saltei do táxi que me trouxe de Itanhandu. O pequeno bairro do Rio Acima (município de Alagoa) lentamente acordava sob a espessa neblina. Rapidamente me preparei e coloquei o pé na estrada às 6h09. Meu objetivo nesse dia era subir a Pedra do Bispo e averiguar ali alguma ligação por trilha com a crista vinda da Serra do Condado, e depois partir para a exploração da Serra do Paiol, da qual não tinha nenhuma informação ou relato. Mas antes de tudo isso uma passadinha na Cachoeira do Zé Pena para começar e depois uma subida à Pedra do Juquinha, que é avistada dali mesmo do bairro.

Da bifurcação onde eu estava (em frente à igreja Assembléia de Deus) poderia ter continuado em frente como sugeria a placa que indicava a cachoeira, mas preferi entrar à direita. Em 7 minutos outra bifurcação, onde fui à direita seguindo outra placa (da esquerda vem o caminho sugerido pela primeira placa). A essa altura o bairro já terminou e agora dá-lhe estrada de terra.

Às 6h27 mais uma placa da cachoeira apontando para a direita e na descida cruzo a ponte sobre o Córrego do Condado. Mais 11 minutos e a última placa da cachoeira aponta para a esquerda, descendo e contornando um casarão com um curral. Após uma porteira, entro numa trilha à direita antes da ponte e vou na direção do som da queda-d'água. Uma placa dá as boas-vindas em inglês! A cachoeira é singela para os padrões mineiros mas é um recanto agradável, oculta numa matinha ciliar do Córrego do Condado. Permaneço pouco tempo pois tinha muito a caminhar ainda e resolvo voltar à estrada por um caminho mais curto, uma trilha que atravessa o curral. Às 6h53 tomo a direita na bifurcação da última placa e subo pelo vale com o Córrego do Condado à minha esquerda. Nas duas bifurcações seguintes fui para a direita, sempre subindo. Às 8h10, depois de subir 444m, cruzo pela segunda e última vez o Córrego do Condado, com água límpida, boa para abastecer os cantis pois a próxima demorará muitas horas para aparecer. As casas todas ficaram para trás mas surge um chalé abandonado à esquerda da estradinha, que já está mais precária e inicia um ziguezague rumo ao topo da serra. A insistente neblina atrapalha um pouco a localização, mas a Pedra do Juquinha (ou Pedra do Segredo) está à esquerda na subida e a Pedra do Bispo à direita, já bem próximas. Apesar da ausência quase total de movimento nessa estrada, encontrei um filhote de quati morto, provavelmente atropelado.

Às 8h37 alcanço uma porteira no ponto mais alto (onde imediatamente inicia a descida). Noto uma trilha entrando na mata à esquerda da porteira e só pode ser o caminho para a Pedra do Juquinha. Entro nela a fim de subir a pedra. Porém ela contorna a base da pedra por pouco tempo e começa a se afastar para nordeste, larga quase como um aceiro. Explorei-a um pouco e na volta entrei numa tronqueira tosca à direita que entra na mata, mas sem botar nenhuma fé. Segui uma trilha mal marcada e saí da mata numa encosta propícia para a subida, sem trilha definida mas com capim baixo. Mirei numa pequena torre de antenas no alto e cheguei a elas às 9h. Essas antenas ficam num primeiro cume do Juquinha, mas depois não há qualquer vestígio de trilha pela crista. Caminhei ainda um pouco mais, mas pela ausência de trilha e a presença de mata cerrada no colo entre os cumes desisti de ir ao cume da outra extremidade, que devia ter uma esplêndida visão dos vales em várias direções. Ali eu já estava a 1837m e a neblina só me deixava ver o vale do Corguinho, logo abaixo, bem extenso, correndo para oeste. A Mitra do Bispo estava bem próxima, ao norte, mas não podia vê-la. Após um descanso e um lanche, comecei a descer às 10h43.

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Pedra do Juquinha e macelas da Pedra do Bispo

Durante o retorno à porteira da estrada estudei de que forma faria o ataque à Pedra do Bispo, que agora saía de trás das brumas e se mostrava por inteiro. O caminho mais tranquilo parecia ser sua crista leste, porém ainda teria um pouco de estrada até lá. Resolvi arriscar a crista oeste mesmo, bem mais próxima, e entrei numa discreta trilha do outro lado da estradinha, ainda junto à porteira do topo. Ela subiu por alguns metros em outra direção e sumiu, mas foi o suficiente para me lançar ao campo mais acima, onde avistei uma cerca na crista ascendente da montanha. Colei junto a ela e assim fui subindo na direção sudeste rumo ao cume. Quando a cerca virou para a direita atravessei-a e mais acima encontrei uma trilha. Após algumas lajes bem expostas à altura alcancei o topo às 11h53. Altitude de 1998m. Muitas fotos do vale do Córrego do Condado a oeste, do vale do Ribeirão do Paiol e as cristas da Serra do Paiol a leste, da Pedra do Juquinha a noroeste, da Mitra do Bispo, Serra do Ouro Fala e Serra Verde ao norte, do Pico do Papagaio mais além ao norte, da Pedra Negra e da Pedra Selada de Visconde de Mauá a sudeste. O panorama de montanhas é realmente impressionante, só não identifiquei outras mais por causa da neblina na direção da cidade de Alagoa.

Ali fui atrás de uma das tarefas do dia, averiguar uma possível ligação por trilha com a crista vinda da Serra do Condado, ainda na esperança de estabelecer uma travessia completa dessa serra. Mas foi em vão. Não encontrei sequer uma abertura na mata do cume que pudesse me levar para sua crista ao sul e sudoeste.

Às 13h13 iniciei a descida pela crista do lado leste, que na verdade tomou o rumo nordeste pelo capim baixo sem trilha e me levou de volta à estradinha num ponto além de uma fazenda avistada lá de cima.

Na estrada às 14h02 (mais deserta ainda, sem nenhum sinal de pneu ou pegadas) fui para a direita e desci mais um pouco. Parei para visualizar o caminho que deveria seguir e sabia que deveria alcançar uma trilha bem marcada que subia o primeiro morro a sudeste, porém ainda não sabia como chegar lá. Primeiro tentei por uma trilha larga que saía dessa estradinha apenas 50m após a curva onde havia chegado a ela. Essa trilha tomou o rumo leste (e não sudeste), mas poderia haver uma ligação entre as duas que eu não podia visualizar dali. Mas isso foi pura perda de tempo pois a tal ligação não existia e uma faixa muito larga de mata engoliu a trilha mais à frente, me obrigando a voltar.

De volta à estrada às 16h continuei descendo até o seu final, onde encontrei duas porteiras. A última tinha uma placa alertando para "não entre - retiro - silêncio" e a outra imediatamente antes (à esquerda) não tinha placa nenhuma. Resolvi entrar nesta sem placa e pedir licença para passar se encontrasse alguém. Mas encontrei uma casa fechada apenas. Na torneira ao lado abasteci os cantis. Procurei do outro lado da casa e achei uma trilha que foi na direção do Ribeirão do Paiol, o qual atravessei por uma pequena ponte com uma tronqueira em seguida (atenção: última água dessa travessia!). Ganhando o campo já estou na encosta do morro pretendido e procuro a picada que suba mais rápido. Às 16h43 atinjo enfim "a trilha bem marcada que subia o morro a sudeste", na verdade um caminho largo e bem erodido ali naquele ponto. Subo para a direita por 30 minutos. Ao atingir o topo, a trilha me leva para dentro de uma mata à esquerda (algumas outras trilhas variantes convergem nesse ponto, vindas da direita). Uns 100m depois saio da mata e sigo as trilhas paralelas para a esquerda. Caminhando mais 140m alcanço às 17h38 um pequeno selado que me abre um grande e novo horizonte à frente, com visão de diversas montanhas, como a Pedra Negra (bem mais próxima), Serra do Condado, Pedra do Bispo, Serra do Ouro Fala, Mitra do Bispo, Serra Verde, Pedra Selada de Mauá e o extenso vale do Rio Grande ao sul. Evito uma trilha que desce e prossigo para a esquerda por outra que em nível contorna o morrote. Estou no ponto mais alto da Serra do Paiol (1827m).

O horário de acampar nunca foi tão bem-vindo... o lugar era simplesmente espetacular. A visão panorâmica e os campos floridos ao redor embalariam meu merecido sono após uma cansativa viagem e um dia inteiro de caminhada. À noite avistei apenas algumas luzes isoladas lá embaixo no vale do Rio Grande.

Altitude de 1827m.
Nesse dia caminhei 15,6km (descontados os erros e explorações)

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Vale do Rio Grande ao amanhecer

2º DIA: CRUZANDO DE OESTE A LESTE TODA A SERRA DO PAIOL

Levantei acampamento às 7h52. Percorri o restante do cume no sentido nordeste e iniciei a descida acompanhando uma cerca, até que encontrei uma trilha que tomou o rumo leste, na direção do próximo cume. Ao se aproximar da mata do lado direito a trilha adentrou-a e começou a descer. Desconfiei... mas era tão larga que quis ver onde me levaria. Encontrei muita árvore cortada e a trilha foi sumindo até que encontrei vegetação cerrada para todos os lados (parecia haver uma trilha no chão mas o mato impedia o avanço). Voltei, saí da mata às 9h03, acompanhei-a ainda um pouco para nordeste, mas não encontrei passagem. Resolvi contorná-la toda por baixo. Desci a encosta com cuidado por causa das pedrinhas soltas e acabei encontrando uma trilha que me tirou daquela situação. Ela bordejou a encosta por cerca de 100m e logo entrou na mata, porém desta vez por um caminho batido usado pelo gado. Subi um bocado e às 9h53 ela nivelou aos 1793m numa clareira com uma tronqueira (e trilha) à esquerda e uma trilha larga à direita. Hora da decisão.

A Serra do Paiol tem uma crista mais "externa" (um pouco mais ao sul) que despenca num paredão para o vale do Rio Grande e diversas cristas "internas" (acompanhando o Ribeirão do Paiol) que chegam a altitudes maiores até do que a "externa". Meu objetivo não era caminhar necessariamente pela crista mais alta e sim pela mais extensa, terminando se possível num mirante acima de Santo Antônio do Rio Grande, bairro de Bocaina de Minas, mirante ao qual se chega de carro 4x4.

Dessa forma, minha opção era a trilha da direita na bifurcação da clareira, mas antes fui explorar rapidamente a da esquerda, cruzando a tronqueira, só para constatar que sairia logo da mata e prosseguiria por uma das cristas internas. Voltando à bifurcação tomei o ramo da direita e logo cruzei outra tronqueira, começando a descer. A mata foi se transformando num corredor de arbustos, mas as benditas samambaias começaram a atravessar o caminho. Logo me vejo numa crista estreita com bonita visão do vale do Rio Grande (com o bairro Santo Antônio do Rio Grande bem distante) e da enorme Pedra Negra à direita. À minha frente (nordeste) o próximo cume da Serra do Paiol, porém entre nós, bem no selado, um vara-mato de samambaias sem trilha que apesar de curto (uns 40m) deu um pouco de trabalho. Por sorte, peguei a direção certa e reencontrei a trilha na subida da encosta às 11h28. Quando ela sumiu mirei no cume e continuei, pulando uma cerca enferrujada no caminho. Cume de 1778m. Belíssima visão da Pedra Negra, Serra do Condado, Pedra do Bispo, Mitra do Bispo e Serra Verde.

Ultrapassando-o às 12h22 encontrei uma trilha na descida que me levou na direção de uma ponta de mata, porém antes desviou para a esquerda e subiu a encosta. Por um momento pareceu sumir no capim baixo mas a reencontrei correndo em nível na vertente oposta do morrote, que era mais uma das cristas "internas' da serra. Mas a trilha se manteve firme e atravessou essa crista no sentido nordeste e depois sudeste para descer à mata. Nessa descida curta cruzei algumas outras trilhas (não fui verificar se seriam um atalho vindo da direita) e entrei na floresta, onde para minha surpresa não havia água. Apesar disso, parei às 13h35 para um lanche de 30 minutos antes de sair para o aberto. Ali a chuva me pegou. E foi tão forte que a subida da próxima encosta foi vencendo a minicachoeira que se formou na trilha. Às 14h22 mais um cume (1780m) e felizmente a chuva foi embora. Na continuação da crista a leste o arvoredo abre por um momento à direita e se tem um belo mirante para o sul. Atravesso um trecho de 120m de mata onde tem início a subida do último cume da Serra do Paiol (1756m). Assim, às 15h10, cheguei ao limite oriental da serra, para leste apenas o fundo vale do Rio Grande e depois montanhas até o horizonte. Já avisto próximo um final de estrada e o tal do mirante da extremidade da Serra do Paiol.

A saída agora é para o norte e depois nordeste. Do alto avistei caminhos nessa direção e comecei a descida, encontrando uma trilha na encosta que desceu até o pequeno vale, cruzou-o e... desapareceu. Apontei para uma matinha no alto a nordeste e subi sem trilha na sua direção. Outro belo mirante para fotos às 16h05. Logo após essa mata uma cerca antiga e o final de uma estrada de terra. Mas para cruzar a cerca procurei um local onde não havia uma vala do outro lado (com água empoçada por causa da chuva). Na estradinha deserta fui para a direita, mas ali ela forma um laço e logo entronca à esquerda. Já estava aos pés do morrote do citado mirante e aproveitei uma trilha na sua encosta como um atalho para alcançá-lo às 16h25. A visão se abre para nordeste, para um grande vale do Ribeirão do Paiol, e avisto uma cachoeira muito alta na parede de uma serra nessa direção, provavelmente a Cachoeira Brumado. E o bairro Santo Antônio do Rio Grande se mostra bem mais próximo. Pedra Negra, Serra do Condado, Pedra do Bispo, Pedra do Juquinha, Mitra do Bispo e Pedra Selada de Mauá completam a paisagem. Altitude de 1714m.

Importante dizer que nesse dia não encontrei água.

Daqui o ideal é ter um resgate para voltar a Alagoa pois são 17km de estrada, porém há trechos muito ruins de lama e subida inclinada com curvas fechadas, então o carro deve ser um 4x4. Ou deve-se descer a pé o 1,9km até a estrada Alagoa-Santo Antônio do Rio Grande para ter uma estrada um pouco melhor para carros comuns. Tentar uma carona é contar bastante com a sorte pois andei tudo isso a pé num feriado e não passou um único carro ou moto por mim (só mesmo quando já estava próximo da cidade).

Até o mirante caminhei 6,7km (descontados os erros e explorações).
Total da travessia: 22,3km.

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Pedra Negra com Pedra Selada ao fundo

Informações adicionais:

A linha São Paulo-Itanhandu é operada pela Cometa (http://www.viacaocometa.com.br).

O horário dos ônibus Itanhandu-Itamonte é:
. empresa Delfim: 6h45 (seg a sex), 9h, 10h30, 13h15, 14h45, 15h50 (seg a sáb), 17h (seg a sex), 17h20 (dom), 18h30
. empresa Cidade do Aço (http://www.cidadedoaco.com.br): 7h15, 11h30, 15h15, 17h45, 21h15, 22h10

O horário dos ônibus Itamonte-Itanhandu é:
. empresa Delfim: 6h (seg a sex), 7h35, 10h, 11h45, 13h50, 15h20 (seg a sáb), 16h20 (dom), 16h30 (seg a sex), 18h
. empresa Cidade do Aço (http://www.cidadedoaco.com.br): 5h50, 7h40, 9h10, 12h, 14h25, 16h20, 18h25, 22h10

O horário do ônibus de Alagoa é:
Itamonte-Alagoa:
seg a sáb - 14h
dom - 14h30
Alagoa-Itamonte:
seg a sáb - 6h
dom - 13h

O bairro Rio Acima fica a 3,3km do centro de Alagoa por estrada de terra.

Carta topográfica de Alagoa: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/mapas/GEBIS%20-%20RJ/SF-23-Z-A-I-2.jpg

Rafael Santiago
abril/2015
Percurso na carta topográfica - parte 1
Percurso na imagem do Google Earth - parte 1
Percurso na imagem do Google Earth - parte2
Percurso na carta topográfica - parte 2

terça-feira, 14 de abril de 2015

Travessia Alto do Palácio-Serra dos Alves (Serra do Cipó-MG) - mar/15

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Pico do Curral

Essa travessia foi mais um desafio solo a que me propus de desbravar (no sentido pessoal, já que outros já andaram por ali) os caminhos mais altos do ParNa Serra do Cipó, ao longo dos seus limites orientais, região onde nunca havia pisado antes. O caminho imaginado teria início no ponto mais alto da MG-010, no chamado Alto do Palácio (município de Santana do Riacho), e percorreria no sentido sul as cristas mais altas do parque até atingir o vilarejo de Serra dos Alves, distrito de Itabira. Esse caminho pelas alturas teria apenas uma interrupção natural que seria a passagem pelo vale profundo em que se encontra o Travessão.

Na tentativa de colocar essa idéia em prática, a primeira incursão, feita em maio de 2014, não obteve êxito devido à neblina que se estabeleceu por mais de dois dias nas cristas ao sul do Travessão, impedindo a navegação visual. Desta vez, em março de 2015, o tempo também não foi muito generoso comigo. Foram cinco dias de chuva e neblina, com poucas horas de sol, mas finalmente consegui completar o trajeto e chegar ao destino sem muitos percalços. Os períodos de sol e céu aberto me mostraram como é magnífica essa travessia.

Descrever com detalhes as trilhas e caminhos do Cipó para que outros sigam os mesmos passos é algo bastante difícil pois é preciso se ater a poucos pontos de referência confiáveis. No caso dessa travessia não há uma trilha bem definida o tempo todo, principalmente nos dois ou três primeiros dias. Assim, esse relato serve como orientação geral de direção, tempo de caminhada e pontos de água, devendo ser complementado pelo uso experiente de carta topográfica, bússola e navegação visual, habilidades que todo trilheiro/montanhista deve desenvolver. Para os fãs de tecnologia, recursos como Google Earth, Bird's Eye e mapas topográficos inseridos no GPS ajudam muito também.

1º DIA: DO JUQUINHA AO TRAVESSÃO

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaAltoDoPalacioSerraDosAlvesSerraDoCipoMGMar151Dia

Tomando o ônibus da viação Serro às 8h em Belo Horizonte saltei próximo à estátua do Juquinha, km 117,5 da MG-010, às 10h55. Podia muito bem ter descido mais próximo do início da trilha mas preferi não dar muito na vista... Terminei de subir os 1000m que faltavam para o portão de ferro da Fazenda Capivara (à esquerda) e continuei mais 220m até a primeira porteira de arame à direita, onde entrei às 11h22. Altitude de 1339m. Segui pelo caminho largo de terra e logo ao final da primeira curva à esquerda abandonei-o para tomar um caminho de pedras brancas à direita. Na bifurcação que se segue tanto faz pegar a direita ou a esquerda (à esquerda ficamos mais visíveis a partir da rodovia, o que pode não ser muito bom). A trilha sobe suave até uma antena e uma estação meteorológica instaladas no topo de um morrote, onde passei às 11h48, e em seguida desce um pouco após cruzar uma cerca de arame liso à esquerda. Daí em diante a trilha aparece e desaparece diversas vezes, mas a orientação é acompanhar essa cerca, ora mais perto ora mais afastada, mantendo o sentido geral sul. A carta topográfica me diz que estou no alto da Serra do Palácio.

Às 12h30 cruzo o primeiro riacho, que abastece meus cantis. Mais 6 minutos me deparo com outra cerca (ou será a mesma?), não a cruzo e sim a acompanho para a esquerda (sudeste), o que me leva mais à frente a descer fundo a um vale sem água (onde cruzo a cerca para a direita) e subir novamente a encosta do outro lado sem trilha. Estou nas proximidades da Pedra do Elefante, paredão rochoso que se avista da rodovia. Às 13h novamente desço um fundo vale e subo de novo. O morrote de pedras seguinte me sugere passar para o lado esquerdo da cerca novamente pois o caminho é mais fácil. A chuva que me pegara poucos minutos antes fez uma pequena pausa mas voltou trazendo consigo a neblina, o que atrapalhou um pouco a visão dos grandes vales que se abriam à minha frente. Até aqui vinha caminhando exatamente sobre o limite do parque nacional, mas a partir desse ponto adentro a sua área e devo permanecer até a tarde do quarto dia de caminhada, no vale do Córrego Mutuca.

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Vale do Rio do Peixe (foto de maio/2014)

Às 13h25 cheguei a um mirante com larga visão do vale e das nascentes mais altas do Córrego Capão da Mata, e bem mais distante ao sul e sudeste os campos e serras que ainda iria percorrer. Mas ainda não é hora de descer ao Travessão, pelo contrário, é hora de subir até uma crista ainda mais alta que me levará o mais próximo possível e acima dele. Para isso tomo a direção nordeste a partir do mirante e subo apenas 6 minutos. Às 13h37 estava nessa crista, onde encontrei (mesmo sem trilha) um caminho fácil e desimpedido para sudeste (ao contrário da encosta oeste dessa crista, onde já me arrependi de ter me metido numa outra ocasião). A visão a partir dessa crista é espetacular, 360º, com os paredões dos cânions do Rio do Peixe e Capão da Mata cada vez mais próximos até que podemos avistar o primeiro correndo para leste (esquerda) e o segundo para oeste (direita), já com as águas vindas do Rio Bocaina. Para quem não sabe, o Travessão funciona como uma ponte ou selado ligando os dois lados desses cânions e ostenta a função de divisor de águas entre duas grandes bacias, sendo que o Rio do Peixe corre para leste e deságua no Rio Santo Antônio e depois no Rio Doce, encontrando o mar no Espírito Santo, enquanto o Córrego Capão da Mata segue para oeste, juntando-se ao Rio Bocaina e depois ao Mascate para formar o Rio Cipó, que deságua no Rio das Velhas e depois no Rio São Francisco.

Do alto da crista onde estou, aos 1407m de altitude, vejo esses dois grandes cânions e muitos campos, morros e serras para o sul, inclusive a continuação natural da crista, interrompida pelos profundos paredões. Aproveito para estudar (quando a neblina permite) a melhor forma de atingir a continuação da crista do outro lado, em terreno ainda desconhecido para mim.

Após um bom tempo de contemplação e estudo do caminho do dia seguinte, iniciei a descida às 15h40 pela encosta oeste, sem trilha mas sem dificuldade. Mirei numa trilha bem marcada visível lá do alto (a cerca de 900m), desci cruzando alguns pequenos córregos e segui na sua direção. Essa trilha vem de um local na MG-010 chamado Duas Pontes, junto à pousada de mesmo nome, e é conhecida há muitos anos. Cheguei a ela às 16h18, logo após cruzar uma cerca caída, e tomei-a à esquerda (sudeste), iniciando a descida direta ao Travessão. Os riachos que cruzei na descida da crista formaram um ribeirão que agora murmura à minha esquerda (e irá engrossar as águas do Córrego Capão da Mata). Atravesso-o mas logo o reencontro, e dessa vez não devo cruzá-lo. Em vez disso desço pelas lajes inclinadas típicas do Cipó até encontrar bem abaixo à esquerda a discreta continuação da trilha, que alcança em poucos minutos o Travessão. Assim, às 17h05 já apontava a câmera para os magníficos vales do Rio do Peixe e Córrego Capão da Mata em lados opostos do grande selado. A crista onde estivera hora e meia antes agora era uma alta parede acima da minha cabeça e na encosta oposta a chuva havia produzido um espetáculo de extensas cachoeiras.

Pelo horário hesitei entre dormir ali mesmo ou alcançar um local de acampamento mais acima, adiantando o percurso do dia seguinte, porém o estrondo de um trovão me fez decidir rapidamente por me estabelecer ali mesmo. Mal terminei de montar a barraca e veio o aguaceiro, com direito a muitos relâmpagos.

Altitude de 1057m.
Nesse dia caminhei 14,1km.

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Vista do Travessão para o Cânion do Rio do Peixe

2º DIA: DO TRAVESSÃO AO PICO DO CURRAL

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaAltoDoPalacioSerraDosAlvesSerraDoCipoMGMar152Dia

Depois da chuvarada de ontem, amanheci dentro de uma nuvem. Abri o zíper da barraca logo que amanheceu e não enxergava nada lá fora, justamente nesse dia em que a navegação visual seria fundamental. Isso me segurou algum tempo a mais ali, mas felizmente a neblina logo começou a dissipar.

Parti do acampamento às 8h43 seguindo a trilha bem marcada e logo comecei a subir a encosta sul acima do Travessão. Na primeira bifurcação tanto faz o lado que se escolha pois ambos se encontrarão mais acima, mas a trilha da esquerda passa por outro belo mirante. Após passar por mais um local de acampamento, o impulso será de cruzar o riacho seguinte e seguir a trilha para a esquerda, mas eu preferi subir à direita antes dele e reencontrar a trilha acima (a trilha da esquerda some no riacho seguinte). Mais um pequeno córrego e depois cruzo pelas lajes inclinadas o próprio Rio do Peixe (com uma cachoeira à direita) já que ele nasce nos campos altos ao sul do Travessão. A trilha segue por mais 270m e desaparece no capim, sem sinal de continuação. A partir daqui devo me orientar pela visualização feita no dia anterior a partir da crista acima do Travessão, quando estudei com atenção as terras ao sul e sudeste buscando a opção mais direta e menos problemática em termos de relevo, vegetação e até quantidade de blocos de pedra. Esses fatores tornariam a caminhada muito desgastante, mas já havia avistado lá de cima um segmento de campo que seria agora o meu objetivo.

A partir do sumiço da trilha poderia tomar várias direções para alcançar meu objetivo, inclusive buscar de imediato as cristas mais próximas à minha esquerda (leste), porém nessa subida poderia enfrentar terreno difícil e optei por caminhar pelo grande campo à minha frente e subir às nascentes do Rio do Peixe a leste. Havia nesse momento a necessidade de alcançar caminhos mais a leste para só depois tomar o rumo sul de vez pelas cristas mais altas do parque pois se eu tomasse o rumo sul de imediato caminharia pelos vales dos rios Bocaina e Gavião. Chegaria a Serra dos Alves também, porém não pelas maiores altitudes da serra.

Para alcançar o grande campo à minha frente e subir às nascentes do Rio do Peixe cruzei pelas lajes novamente o próprio rio e tomei a direção leste pelo capim baixo (e dourado) às 9h52. Logo cruzei uma vala um pouco funda com água, mais dois riachos e me dirigi a um morrote de pedras que subi e atravessei sem dificuldades. Além dele, mais campos. No riacho seguinte abasteci os cantis pois estava próximo das cristas e poderia haver menos água de acesso fácil. No córrego seguinte (uma das nascentes do Rio do Peixe) mudei a direção leste para nordeste para subir ao alto de uma crista à minha esquerda já que à frente um morro se interpunha. A subida durou apenas 7 minutos. No alto, às 10h49, tive larga visão dos arredores e, ainda melhor que isso, encontrei vestígios de trilha já que o local é frequentado pelo gado (embora seja área do parque nacional...). Dali avistei boa parte do trajeto do dia anterior, com a confirmação de que havia voltado à continuação das cristas percorridas após ultrapassar o profundo vale em que se encontra o Travessão.

Esse ponto (23K 656906 7860338) foi o local em que definitivamente mudei minha direção para sul e sudeste para a minha meta de atingir Serra dos Alves visitando os cumes da Serra do Cipó. Se continuasse na direção nordeste alcançaria uma crista ainda mais alta, porém o custo disso seria descer ao vale de um afluente do Rio do Peixe, cruzá-lo e subir tudo de novo e ainda mais, sem nenhuma trilha avistada.

A trilha que encontrei serviria muito bem ao meu propósito porém era uma trilha de vacas, não de tropeiros ou moradores, portanto não me fiaria nela por muito tempo. E foi o que aconteceu. Após dois riachos (afluentes do Rio do Peixe) ela desapareceu por algum tempo, ressurgiu, veio mais um riacho e finalmente no alto às 12h02 uma nova visão para o sul ampla, espetacular e totalmente desconhecida para mim (daquelas que a gente pensa: onde eu vim parar? para onde eu vou nessa imensidão? rsrs). Nem preciso dizer que a tal trilha sumiu aí. Hora da navegação visual de novo, felizmente com tempo ótimo e visão total. Altitude de 1459m.

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Serra do Lobo ao fundo

A carta me diz que o enorme vale à minha frente pertence ao Rio Bocaina e suas nascentes. Visualmente fica evidente que devo tomar a direção sudeste para alcançar as cristas à minha esquerda e retomar a direção sul sem descer ao vale. Naquela direção já avisto uma cadeia montanhosa com paredões e encostas íngremes de pedra que o Sérgio Beck chamou de montanha dos três penhascos.

O lugar é tão amplo e bonito que inspirou uma parada para contemplação e um lanchinho. Retomei a caminhada às 12h48 descendo ao riacho a sudeste, também um afluente do Rio Bocaina, o qual cruzei num salto para subir a encosta oposta e encontrar por sorte uma trilha na direção desejada (sudeste). Pouco tempo depois que essa trilha sumiu encontrei outra que ia diretamente para o sul e tomei-a, cruzando logo uma linha de árvores que servia de galeria para um córrego. Essa trilha fez um desvio para a direita para subir uma encosta de pedras, mas em seguida foi retomando a direção sul e me mantive nela, pegando a esquerda na primeira bifurcação. Estava caminhando por um divisor de águas tendo o Bocaina à minha direita. Ao passar por um gramado bom para acampamento às 13h34, a visão para a esquerda (leste) se abriu completamente e a beleza dessa travessia começou a ficar ainda mais evidente. Lindas montanhas e serras a perder de vista, com destaque para a incrível Serra do Lobo e seus cumes de formas variadas, e um enorme maciço em primeiro plano com uma agulha rochosa surpreendente. Tive sorte de pegar tempo bom nesse dia para admirar tanta beleza!

Continuando a caminhada pelas alturas (em que me pego sendo observado até pelo distante Pico da Lapinha!) tomo a esquerda na bifurcação para em seguida ver que nesse caso tanto faz, porém na bifurcação a seguir é melhor ir à direita (mesmo sendo menos marcada) e começar a descer suavemente a crista para alcançar mais facilmente a trilha batida que irá atravessar o campo seguinte na direção sudoeste e se aproximar da tal montanha dos penhascos.

Às 14h36 contorno um cinturão de mata pela direita e me surpreendo com o tamanho de alguns exemplares de canela-de-ema, os maiores que já vi, de quase 4 metros de altura. Espécimes raros que merecem ser preservados. A trilha desce bem marcada mas ao atingir o sopé da montanha desaparece em meio aos arbustos. Procurei um pouco abrindo o mato e a reencontrei subindo a encosta em forma de canaleta com galhos e plantas obstruindo o caminho. Ao sair desse enrosco o visual se abre novamente e cruzo uma tronqueira às 15h29. As várias trilhas erodidas que surgem denunciam que os campos a seguir já foram (ou continuam sendo) usados como pasto. O riacho seguinte, também formador do Rio Bocaina, serviu de pausa para lanche e preparação para a subida da importante montanha bem à minha frente, o ponto mais alto do parque nacional, com 1703m.

A partir do riacho a subida ao cume durou cerca de 40 minutos, sem trilha porém sem dificuldade. Cheguei às 17h08. Do alto se avistam lindos vales e montanhas que aos poucos vou identificando. Evidentes são a incrível e sedutora Serra do Lobo (a leste) e uma montanha de cume rochoso denominada Serra dos Alves, exatamente acima do povoado de mesmo nome, ou seja, meu destino final nessa travessia (ao sul-sudeste). Ao norte-noroeste vejo agora com alguma dificuldade a Serra do Breu, com o Pico da Lapinha e o Pico do Breu nas extremidades. Em todo o lado oeste tenho a área do parque, com as nascentes de dois importantes rios, o Bocaina (que corre para o norte) e o Mutuca (fluindo para o sul). As nascentes mais altas do Bocaina encontram-se justamente ao sopé dessa montanha. Também avisto pela primeira vez no horizonte uma grande montanha pontuda que o Sérgio Beck chamou de Pico Agudo, ao sul (depois descobri ser conhecida por outro nome).

O tempo bom que me acompanhara o dia todo mudou para chuva logo que cheguei ao cume. O céu escureceu e achei mais prudente procurar um abrigo por ali mesmo pois não sabia o que teria à frente. O cume é plano porém muito exposto e sem um local conveniente para a barraca. Na encosta leste há um platô com restos de um cercado de arame farpado que serve bem para um pernoite. Pela presença desse cercado é que o Beck batizou essa montanha de Pico do Curral.

Altitude de 1703m.
Nesse dia caminhei 12,3km.

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Serra do Bongue e Serra dos Linhares

3º DIA: DO PICO DO CURRAL À CASA DOS CURRAIS (OU QUASE)

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaAltoDoPalacioSerraDosAlvesSerraDoCipoMGMar153Dia

Nesse terceiro dia de travessia caminharia por cristas que dividem as bacias dos rios Bocaina e Mutuca a oeste e diversos rios, entre eles o Rio Tanque (que passa em Serra dos Alves), a leste, sendo esses divisores de águas os limites da área do parque (sempre à minha direita). Cheguei a tentar uma descida da serra para o lado leste seguindo uma trilha desenhada na carta topográfica mas me deparei com abismos e retornei.

Depois da chuva passageira do dia anterior, estava torcendo para um dia de céu limpo para avistar ainda mais e melhor a paisagem. Não foi tão ruim... amanheceu com neblina mas o vento logo levou embora.

Levantei acampamento às 8h27. Procurei na face sul do pico uma trilha e encontrei uma bem marcada que não poderia ser melhor pois percorreria toda a crista na direção sudeste, como eu desejava. Porém cautela ao seguir essa trilha pois ela logo desce a serra e desemboca numa estrada de terra em algum lugar ao norte da Cachoeira dos Borges, pelo que pude apurar. Não era isso o que eu queria. Planejava me manter nas trilhas do parque e alcançar Serra dos Alves com o mínimo de estrada possível.

Segui a tal trilha, que sumiu, reapareceu, atravessou lajes, virou um caminho de pedrinhas brancas e bem ao lado do primeiro morrão após o Pico de 1703m, às 9h20, avistei uma cerca no valezinho abaixo à direita. Meu caminho seria por aí, abandonando essa trilha bem marcada e mudando por algum tempo meu rumo para sudoeste. Mas quis fazer uma exploração rápida e continuei por ela por alguns minutos na direção sudeste. Após um pequeno vale à esquerda depois do morrão, foi-se abrindo um grande e fundo vale à direita que constatei ser das nascentes do Rio Tanque. À frente, distante, podia ver um caminho largo que deveria ser alguma estradinha abandonada descendo a serra.

Exploração feita, voltei ao sopé do morrão e desci sem trilha pelo capim baixo na direção da cerca (oeste) às 10h37. Passei por uma nascente que é uma das tantas que correm para o Rio Bocaina. Aliás esse curto trecho de desvio para sudoeste também é um divisor de águas, com as nascentes do Bocaina a noroeste e as do Rio Tanque a sudeste. Atravessei a cerca por baixo, subi o morrote seguinte e estudei o caminho pois um morro de pedra não muito amigável impedia meu caminho direto para o sul. Ao contorná-lo pela direita cheguei a encontrar uma trilha, mas ela seguia para oeste e a abandonei logo. Apontei para o sul e enfrentei trechos de capim alto para subir o morrote seguinte sem nenhuma trilha. Caminhei pela crista baixa até o seu final, onde subi num aglomerado de lajes às 11h45 para verificar que à frente (sul) ela despencava para um vale muito fundo (de outras nascentes do Rio Tanque). Voltei cerca de 300m e novamente tomei a direção sudoeste, descendo um pouco, para buscar a continuação natural da crista, só que mais baixa.

Retomei a direção sul e à minha direita (oeste) abriu-se o vale do Córrego Mutuca. À esquerda as nascentes do Rio Tanque. Encontrei uma trilha, mas quando ela sumiu subi a encosta do morro à esquerda para ter melhor visão. Ao final do morro novamente um vale fundo à frente, mas entrevi um ponto branco (um telhado?) um pouco distante à direita e fui na sua direção. Alcancei o tal ponto às 13h40 e era uma placa do parque nacional alertando para o acesso somente com autorização. Ali uma cerca e uma trilha bem marcada cruzavam o meu caminho no sentido leste-oeste. Eu tinha duas opções: pegar essa trilha para a direita (oeste), provavelmente chegar à casa dos currais e de lá retomar o rumo sul ou continuar na direção sul em que já vinha e seguir uma trilha desenhada na carta topográfica que poderia me levar mais diretamente a Serra dos Alves. Arrisquei a segunda alternativa e me dei mal pois a trilha me levou para o alto de paredões e desapareceu. A neblina e a chuva atrapalharam a visualização da baixada e de uma possível continuação da trilha. Resolvi subir tudo de volta e partir para a segunda opção. Depois descobri que estivera bem próximo do Cânion do Bongue, mas sem acesso a ele aparentemente. Voltei à placa do parque e às 17h16 tomei a trilha bem marcada para a esquerda (oeste) na esperança de chegar à casa dos currais e de lá ter caminhos marcados até os Alves.

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Jardim nos campos rupestres

Caminhei 300m junto à cerca até um foco de mata e quebrei para a esquerda por uma tronqueira aberta no fim da cerca. A trilha desceu no sentido sudoeste a um ribeirão (afluente do Córrego Mutuca) e pareceu sumir nele. Imaginei que fosse apenas uma trilha de gado que vai beber água e voltei até a mata. Contornei-a pela direita à procura de trilhas para oeste mas não encontrei nada. O avanço nessa direção parecia não ser fácil pois visualizava uma grande mata que se estendia de norte a sul. Com a proximidade da noite procurei um lugar para montar acampamento, e foi ali mesmo, num gramadinho ao lado da matinha que contornei. A chuva voltou tão logo entrei na barraca e choveu mais durante a madrugada.

Altitude de 1469m.
Nesse dia caminhei 6,6km (descontados 7km de caminho errado - ida e volta)

4º DIA: DA (QUASE) CASA DOS CURRAIS AO CÂNION BOCA DA SERRA

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaAltoDoPalacioSerraDosAlvesSerraDoCipoMGMar154Dia

Amanheceu com chuva e neblina tão forte que só conseguia ver as árvores mais próximas. A chuva deu uma trégua (embora a neblina continuasse) mas depois voltou forte, me segurando mais algum tempo na barraca. Quando ela passou, desmontei acampamento e saí às 11h com sol muito forte. Mas isso durou pouco e quando cheguei ao ribeirão voltou a chover... e choveu sem parar até as 14h!

Eu continuava sem acreditar na continuidade da trilha após o ribeirão e voltei ali só para ganhar o campo além dele no sentido sul e procurar uma forma de ultrapassar a extensa mata a oeste por campos abertos que podia ver ao longe. Mas a minha surpresa é que a trilha continuava sim, acompanhando o ribeirão pela sua margem esquerda! Cruzei uma antiquíssima porteira de vara, uma ponte rústica de troncos e entrei na mata às 11h32. Essa mata foi uma grande surpresa pois é um autêntico exemplar de mata atlântica em meio aos campos rupestres, exuberante, com direito a árvores de grande porte e muita umidade (ainda mais com aquela chuva...). Na bifurcação fui para a esquerda pois era mais batida, cruzei um riacho e ao final da mata notei um rio largo e de correnteza forte abaixo à direita: era o próprio Córrego Mutuca, engrossado por diversos pequenos afluentes e pela água que vinha do céu! Notei também uma cerca no alto à esquerda e num instante cheguei à casa dos currais (11h46). É uma casa de antigo morador da região que foi convertida em base para os brigadistas que atuam no parque. Não havia ninguém, estava trancada, mas pude ver por uma fresta a cozinha arrumada e com todos os utensílios. Observei os pés de fruta no quintal enquanto o Mutuca rugia logo abaixo.

Da casa partem diversas outras trilhas. Explorei primeiro a que sai do gramadão em frente e se dirige ao Mutuca. Essa vai para o norte e levaria de volta ao Travessão. Dos fundos da casa, junto à latrina de folhas de zinco, saem outras duas. Uma vai para oeste e parece morrer num riacho. A outra parte exatamente da latrina e acompanha a cerca que observei na chegada para o sul, e era essa que me interessava nesse dia.

Parti às 12h20 e subi suaves campinas pela trilha bem marcada até o alto para em seguida descer a um vale e subir novamente para ter visão de um outro vale que se estende à direita com um rio bastante cheio. Segundo a carta é um grande afluente da margem esquerda do Mutuca. E felizmente eu não precisei atravessá-lo. Já bastava o aquatrekking que eu estava fazendo pois a trilha virou literalmente um córrego. Numa parada para observação que fiz ouvi o barulho de algo chicoteando a água aos meus pés e era uma cobra marrom que procurava se livrar daquele aguaceiro todo.

Nesse percurso a partir da casa retomei o divisor de águas, com a grande bacia do Mutuca à direita (oeste) e diversos rios à esquerda (Queixada, Cocho, Córrego da Serra) que deságuam no Rio Tanque.

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Cânion Boca da Serra

Num instante em que a neblina abriu um pouco notei que estava caminhando exatamente na direção do tal Pico Agudo. Me disseram depois que seu nome mesmo é Pico da Dalina (por causa de uma moradora que se perdeu ali e não resistiu ao frio da noite). Subi uma pequena colina em direção aos típicos afloramentos rochosos inclinados do Cipó e no alto, com o tempo abrindo, dei de cara com o tal pico. Com a trégua da chuva parei às 13h55 para um descanso, um lanche e admirar a bela paisagem que ia se abrindo bem lentamente com a dissipação das nuvens. Para o norte já consigo visualizar grande parte do caminho percorrido, inclusive o maciço do Pico do Curral (a apenas 9km em linha reta, parecia tão distante) e a nordeste a Serra do Lobo e a Serra dos Linhares, cujo cume é recoberto por uma densa mata.

Saí desse ponto privilegiado de observação às 15h53 e desci até um riacho (afluente do Córrego da Serra), primeiras águas que cruzo (desde o Rio do Peixe) que correm para leste, todas as outras desaguam em rios do parque, a oeste. Logo antes desse riacho, que atravessei saltando as pedras, há uma porteira de arame (estava aberta) e logo depois uma outra placa do parque nacional restringindo o acesso. Essa placa está no limite entre a área do parque e a da APA Morro da Pedreira, ou seja, eu estava saindo definitivamente do parque. E também estava mudando a minha direção geral de sul para leste uma vez que Serra dos Alves já estava bem próxima.

Continuei pela trilha bem marcada e logo após um cercado à esquerda começa a descida da serra, na presença constante do Pico da Dalina. Nas bifurcações me mantive à esquerda, mas tanto faz. As últimas nuvens vão dissipando para revelar o pico rochoso da Serra dos Alves e logo abaixo a garganta do Cânion Boca da Serra escoltado por um sentinela rochoso. Uma casa de cor verde destoa na paisagem e fico curioso em saber se há algum morador nestas alturas. Mas ao alcançá-la, às 16h54, vejo que está abandonada e desabando. A partir dela aproveito para conhecer a parte mais alta do cânion e me surpreendo com seu tamanho e profundidade.

Peguei água num riacho que corria em direção a ele e passei a noite próximo à casa abandonada. Foi a primeira noite dessa travessia que não montei a barraca pressionado pela iminência da chuva. Mas choveu fraco logo depois. À noite pude avistar as luzes de três lugares, um deles com certeza Serra dos Alves, os outros não saberia dizer. Nessa noite finalmente consegui ver algumas estrelas do céu do Cipó.

Altitude de 1255m.
Nesse dia caminhei 8,9km.

5º DIA: DO CÂNION BOCA DA SERRA AO POVOADO DE SERRA DOS ALVES

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaAltoDoPalacioSerraDosAlvesSerraDoCipoMGMar155Dia

Choveu forte durante a noite e amanheceu chovendo. A neblina era forte de novo e permaneceu mesmo com o fim da chuva e da garoa que permaneceu por um bom tempo. Por causa disso só deixei o acampamento às 12h20. Retomei a trilha em direção a Serra dos Alves mas fiz várias paradas para mais fotos do enorme Cânion Boca da Serra. Às 12h58 passei por uma placa que informa que aquele local se chama Sítio Serra da Rita e é necessário condutor local e autorização prévia. Depois soube que toda essa área foi comprada pela Vale para compensação ambiental, o que invalida todas essas placas de antigos proprietários.

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Serra dos Alves

Numa descida mais íngreme notei uma trilha saindo para a direita e fui explorar. Era mais um acesso ao cânion, com uma descida que se tornou cada vez mais inclinada e não proporcionou um visual tão interessante quanto os mirantes anteriores. Voltei à bifurcação e continuei em frente (ramo da esquerda). Atravessei um riacho e às 13h41 cruzei uma cerca à esquerda entrando no terreno de uma grande casa aberta e vazia que soube depois ser a antiga Pousada da Luci. A partir dela uma estrada bem precária (ruim até para 4x4) vai descendo a serra. Uns 15 minutos depois passo pela placa do antigo Sítio Bandeirinha ao lado de uma cerca sem porteira. Só 90m abaixo entro à esquerda numa placa quebrada indicando a Cachoeira dos Cristais, à qual chego em 5 minutos. A chegada se dá pela parte alta dela e na outra margem parece haver uma trilha para a parte baixa, mas não fui investigar pois precisaria tirar as botas ou saltar pedras lisas bem junto à sua garganta. Apenas descansei um pouco à sombra e comi alguma coisa.

Às 14h43 estava de volta à estradinha precária e logo visualizo o povoado de Serra dos Alves vigiado pelo alto pico de mesmo nome. Para trás estão as serras do Bongue e Linhares. Às 15h14 mais uma placa de propriedade particular, condutor local, etc, junto a uma porteira aberta. Após um riacho curiosamente a estrada vira uma trilha e chego ao Rio Tanque, largo e fundo. Na procura por uma ponte caminho até o final da trilha e me deparo com a passagem do rio a vau, mas não quis arriscar pois não sabia a profundidade. Por sorte um rapaz a cavalo passava e me indicou a saída. Voltei 400m e num local onde o caminho se alarga bastante há uma ponte, porém com várias tábuas caídas e que causa um certo frio na barriga. Depois dela uma trilha de 40m desemboca numa estrada de terra, que tomei para a direita. Passei uma porteira com alavanca (isso eu não conhecia), subi à direita na bifurcação e no alto fui para a esquerda onde há uma placa dos atrativos turísticos do povoado. Segui para a direita na próxima bifurcação e no final da rua tomei a esquerda, chegando às 16h18 à singela e graciosa Capela de São José, de 1860.

Altitude de 861m.
Nesse dia caminhei 6km.

Total da travessia: 47,9km

Informações adicionais:

As empresas que fazem São Paulo-Belo Horizonte são a Cometa (http://www.viacaocometa.com.br) e a Gontijo (http://www.gontijo.com.br).

Para chegar ao Alto do Palácio deve-se pegar em Belo Horizonte:
1. qualquer ônibus da viação Serro (http://www.serro.com.br) que vá para ou passe em Conceição do Mato Dentro:
seg e qua: 6h, 8h, 9h, 13h, 15h, 17h
ter e qui: 6h, 8h, 9h, 11h, 13h, 15h, 17h
sex: 6h, 9h, 13h, 15h, 17h, 19h, 20h
sáb: 6h, 8h, 10h, 13h, 15h, 17h
dom: 6h, 8h, 9h, 13h, 15h, 17h, 19h, 21h

2. as linhas da empresa Saritur (http://www.saritur.com.br) que vão para Carmésia e Morro do Pilar (não servem as de Santana do Riacho):
seg a qui: 6h30, 14h
sex: 6h30, 14h, 18h45
sáb: 6h30, 14h, 16h45
dom: 6h30, 20h

Horários de ônibus de Serra dos Alves para:
. Itabira: qua e sex às 6h30
. Senhora do Carmo: qua e sex às 17h30

Em Serra dos Alves há hospedagem na Pousada Portal da Serra (31-9645-2750) e quartos para alugar nos fundos da casa do Geraldo e Dona Fatinha.

Cartas topográficas:
. Baldim: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/mapas/GEBIS%20-%20RJ/SE-23-Z-C-III.jpg
. Conceição do Mato Dentro: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/mapas/GEBIS%20-%20RJ/SF-23-Z-D-I.jpg
. Itabira: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/mapas/GEBIS%20-%20RJ/SE-23-Z-D-IV.jpg

Rafael Santiago
março/2015

Percurso na imagem do Google Earth - parte 1
Percurso na carta topográfica - parte 1

Percurso na imagem do Google Earth - parte 2
Percurso na carta topográfica - parte 2

Percurso na imagem do Google Earth - parte 3
Percurso na carta topográfica - parte 3