sábado, 24 de setembro de 2016

Grande circuito no Cânion do Colca (Peru) - ago/16

ImageRio Colca

O Cânion do Rio Colca é o segundo mais profundo do mundo, atrás apenas do Cânion do Cotahuasi, localizado também no Peru. O Grand Canyon perde feio para o Colca já que este tem mais que o dobro da profundidade do cânion americano. Segundo o guia Lonely Planet o Rio Colca corre 3191m abaixo dos picos adjacentes mais altos. Pelo que eu pude apurar o pico adjacente mais alto é o Nevado Sepregina, com 5432m, enquanto o Rio Colca nas proximidades dele está a 2380m.

Quando se fala em trekking no Cânion do Colca todos pensam no Oásis de Sangalle e na interminável descida pelas trilhas de Cabanaconde até ele. E pior, na infindável subida de volta com um sol de rachar. Mas o Cânion do Colca é muito mais do que isso. Há roteiros muito mais interessantes e pouco explorados que levam a um maior contato com a natureza bruta do lugar e seus simpáticos e receptivos moradores.

No roteiro que descrevo a seguir deixei de lado Sangalle e suas hordas de trilheiros guiados e parti para esse lado mais aventureiro e menos divulgado do Cânion do Colca. Se a idéia lhe agradou e seduziu, venha comigo!

Porém antes algumas informações sobre o trekking:

A cidade base para os roteiros no Vale do Colca é Cabanaconde, de apenas 2842 habitantes (2007). De Arequipa a Cabanaconde foram 6h30 de viagem na ida (com 40min de parada em Chivay) e 7h20 na volta. A estrada tem longos trechos de terra e atravessa áreas de desmoronamento e algumas beiradas de abismo. Eu evitaria essa viagem à noite.

Cabanaconde está a 3290m de altitude e o trekking que descrevo quase não passa dessa cota, portanto não é preciso se preocupar com os efeitos do mal de altitude nessa região.

O que mata mesmo nessa época do ano (agosto) é o calor e o ar seco. Esses dois fatores juntos tornam a caminhada bastante penosa. À tarde registrava temperaturas por volta de 37ºC com apenas 20% de umidade do ar. Quase um deserto do Saara! Por isso é importante começar a caminhar bem cedo, coisa que eu só fiz no último dia (e mesmo assim podia ter saído mais cedo) e sofri as consequências.

A água durante o percurso que descrevo é irregular, quer dizer, em alguns dias há várias fontes pelo caminho e em outros não há nada. E ao encontrar água é fundamental tratá-la para poder bebê-la. Muito importante então levar um filtro ou purificador de água pois a sede vai ser constante e carregar tanta água mineral nas costas não é a melhor saída. Eu esqueci de comprar o purificador, não faça a mesma bobagem.



ImagePovoados de Paclla e Belen

1º DIA - 21/08/16 - DE CABANACONDE A LLAHUAR

As fotos estão em https://goo.gl/photos/4mjpszqk1D3dtnWx7.

Deixei Cabanaconde às 8h56 tomando o sentido noroeste, no qual eu me manteria até o início da descida do cânion. Para isso, na Plaza de Armas tomei a Rua Presbítero (à direita da loja Luvil, no lado oposto à igreja) e virei na primeira à esquerda, Rua Simon Bolivar, onde há um placa azul apontando o Mirador Achachihua a 500m. Em apenas 300m terminam as casas. Às 9h11 alcanço uma placa maior apontando o mirador à direita e a Muralha La Trinchera à esquerda. Na verdade essa placa causa uma certa confusão. Para o Mirador Achachihua pode-se ir para a direita sim, mas imediatamente deve-se quebrar para a esquerda, contornando a arena de touros bem atrás da placa. Quem procura o mirador para a direita (sempre à direita) se depara com a trilha fechada por um muro de pedra. Mas na placa também pode-se ir para a esquerda, sem problema, e depois quebrar para a direita, contornando a arena também. Ou seja, tanto faz, o que se deve fazer é contornar a arena e seguir pelo caminho mais largo, sem tentar se aproximar da borda do cânion nessa hora. Continuando portanto pelo caminho mais largo, encontro a primeira sinalização para Llahuar (pronuncia-se iahuar), meu primeiro destino nesse dia: o nome escrito numa pedra com tinta branca e uma seta. Essa forma de orientação seria constante em todos os dias do trekking. 

Após a arena a cidade acaba de vez e passo a caminhar pela zona rural, já com alguma plantação. À minha direita, ao fundo, as montanhas que acompanham o curso do profundo Rio Colca. Passei por um campo de futebol à esquerda e às 9h33 cheguei ao Mirador Achachihua, onde vi pela primeira vez o Rio Colca e Sangalle, além dos povoados de Turuna, Paclla, Belen, Malata, Cosñirhua e Tapay (da esquerda para a direita). Iria passar por alguns desses lugares nos próximos dias e foi bom ter uma visão geral de sua localização e distância.

A recepção ao famoso cânion dos condores não poderia ter sido melhor: um enorme condor que estava voando próximo deu um rasante sobre o teto do mirante e pude vê-lo de perto pela primeira vez. Antes só os tinha visto nas alturas, bem pequenos lá em cima. 

Ao sair do mirante às 9h45 não peguei o melhor caminho. Não percebi que havia uma trilha seguindo pela borda, na qual continuaria tendo ampla visão do cânion. Em lugar dela, continuei pela trilha mais larga por onde cheguei ao mirante, mas que não me dava essa vista. Às 10h05 passei pela primeira placa (de madeira) que indicava Llahuar e Fure, e às 10h46 chego enfim ao início da longa descida em direção ao Rio Colca. Altitude de 3070. Mas em poucos minutos já começo a sentir os efeitos do calor e do ar seco... precisava parar numa sombra, mas não havia sombra! Uma milagrosa grutinha apareceu ao lado da trilha e mais que depressa me abriguei ali do sol forte às 11h. Às 11h22 continuei a descida, inicialmente por um ziguezague e depois pela encosta oposta cruzando uma pontezinha de madeira sobre um leito seco de rio, onde às 11h51 mudo o sentido geral da caminhada de noroeste para norte. Outra rara sombra apareceu e parei por mais 17 minutos. A descida se acentuou, com pedras soltas, novamente em ziguezagues, e a visão do cânion foi mudando de ângulo. Mas às 13h22 tive de fazer uma parada maior, não me sentia bem. Além do forte calor acho que não estava totalmente recuperado da infecção que tive uma semana antes. Questionei se conseguiria cumprir um roteiro de quatro dias naquelas condições, as subidas que avistava dali me pareciam exaustivas demais. Aproveitei para admirar a larga e bonita paisagem enquanto pensava no que fazer. Sombra não havia, então só me restava descansar embaixo daquele sol de fritar. Depois de 1h30 resolvi continuar, a teimosia foi maior.


ImageRio Colca

Desci muito ainda e às 15h30 cheguei à estrada de terra já avistada de cima, onde uma placa indicava o nome de todos os povoados que citei acima e mais alguns, todos para a direita. Essa estrada vem de Cabanaconde e vai para Tapay. Ela é toda em ziguezagues também e se dirige para as pontes sobre o Rio Colca. Fiz a primeira curva caminhando pela estrada mas em seguida tomei as trilhas que servem de atalho. Alcancei a ponte de concreto às 15h57. Altitude de 2137m, com desnível de 1153m desde Cabanaconde. Uns 80m rio acima está a ponte suspensa de piso de madeira. E onde estão os gêiseres que constam dos mapas? Olhando na direção da ponte suspensa vi um vaporzinho saindo do meio das pedras em dois pontos na beira do rio - só podia ser lá. Mas não visualizei desse lado do rio um caminho seguro para chegar até eles. Cruzei a ponte e na parede de uma casinha vi escrito "gueyser" e uma seta apontando uma trilha à direita. Peguei essa trilha, que passou pela ponte suspensa e continuou, mas hesitei um pouco na hora de descer ao rio pois era bem fácil escorregar e cair. Desci com cuidado. Uma vez nas pedras da margem do rio cheguei facilmente a um dos gêiseres, que ficam apenas borbulhando, não há nenhum jato forte. O cheiro de enxofre é bem forte. O outro gêiser fica na outra margem do rio. A volta à estrada foi mais fácil que a ida. Subi, passei pela ponte suspensa e retornei à estrada de terra junto à ponte de concreto às 16h27. 

Agora que ganhei a margem direita do Rio Colca era hora de enfrentar um bom trecho de estrada, não tinha opção. Mas a subida foi suave e felizmente não passou nenhum carro ou caminhão para me deixar dentro de uma nuvem de poeira. Às 16h55 surge uma bifurcação na estrada e uma placa apontando Llahuar e Llatica para a esquerda, para onde fui. Não havia informação do que havia para a direita, mas seriam os povoados de Paclla e Belen, bem acima. Para a esquerda desci um pouco e logo cruzei a minúscula vila de Turuna, onde um morador me ensinou o caminho para Llahuar, porém me ensinou o pior caminho. Ao final da vila a estrada desaparece, ou melhor, transforma-se num grande ziguezague de pedras grandes reviradas, um lugar bem ruim de caminhar. E foi esse caminho que ele me indicou, acho que por ser o mais antigo. Para piorar, ao final de tudo isso a ponte sobre o Rio Huaruro estava semidestruída, com uma das pilastras no chão e todo o lado direito do piso tombado. Olha, foi uma aventura passar naquela ponte se equilibrando e se segurando no cabo de aço do lado esquerdo! Cruzei-a às 17h44 e tomei a trilha para a esquerda, chegando em 4 minutos a Llahuar. Altitude de 2132m.

Para passar a noite quis evitar o Lodge Llahuar pois esse nome me sugeria um lugar caro. Mas fui convidado com toda simpatia a entrar no bar/restaurante deles e vi que o lugar não tinha nada de luxo. A garota da recepção me recebeu com toda a atenção e me deu todas as informações que eu precisava para continuar a caminhada. Com tudo isso e o preço muito camarada do camping (10 soles) nem fui à casa da Dona Virgínia conhecer sua área de camping e seus sedutores pés de fruta. 

A garota também me disse que eu deveria ter seguido as setas brancas após a vila de Turuna para chegar ali por uma trilha mais fácil, tendo apenas de atravessar o rio por algumas tábuas improvisadas nas pedras (melhor do que uma ponte semidesabada). A curiosidade é que essa travessia (a das tábuas) se dá a poucos metros do encontro dos rios Colca e Huaruro (tenho certo fascínio por encontros de rios, não sei por quê). Outra coisa interessante é que Llahuar não é um povoado, como eu supunha. O lugar se resume praticamente ao lodge, que foi construído por causa das fontes termais junto ao Rio Colca. Segundo ela, antes só havia o lodge nesse local, depois é que a Dona Virgínia foi morar ali e criou a sua própria pousada. O lodge conta portanto com piscinas de água termal, porém não cheguei a tirar proveito dessa mordomia, ficou para uma outra oportunidade.

O restaurante estava funcionando mas eu tinha bastante comida na mochila e precisava aliviar o peso para a longuíssima subida do dia seguinte. Havia poucas pessoas hospedadas, algumas nas cabanas e outras em duas barracas.

Nesse dia caminhei 12,4km. Não encontrei nenhuma fonte de água limpa.


ImageCânion do Rio Huaruro

2º DIA - 22/08/16 - DE LLAHUAR À CASCATA HUARURO

As fotos estão em https://goo.gl/photos/Abq96yrKvu94GrLo9.

Saí pouco depois das 7h da barraca pensando que estava acordando cedo porém todos já haviam partido. Eles fizeram a coisa certa, escaparam do terrível calor que eu peguei mais tarde. Além de acordar tarde, ainda fiquei tirando fotos e curtindo um pouco o lugar, já que cheguei no dia anterior quando já caía a noite. Com tudo isso, deixei o Lodge Llahuar às 9h38, com o sol já cozinhando. O dia seria de subida constante até a vila de Fure e a Cascata Huaruro, acompanhando sempre o vertiginoso vale do Rio Huaruro e seus altos paredões, no sentido geral norte. Por sorte, o início da subida se dá com um pouco de sombra, mas só o início... No começo também se cruza várias vezes um canal de água cristalina, porém sem um filtro ou purificador tive receio de bebê-la. Foi um grande erro não ter levado. 

Caminhar pelo vale do Rio Huaruro foi realmente impressionante. Os paredões são imensos, o rio corre lá no fundo, numa conformação diferente do Colca já que aqui a característica de cânion é mais marcante por ser muito mais estreito. Para minha sorte aquele mal-estar e indisposição do dia anterior haviam passado, me sentia bem melhor e pronto para enfrentar toda aquela subida.

Às 11h alcancei um grupo de casas que pensei ser Llatica (pronuncia-se iatíca), mas depois descobri que não era. Aliás não fiquei sabendo o nome desse lugar, mas parei 17 minutos para descansar numa sombrinha por ali. Na continuação desci bastante e ao retornar às margens do verde Rio Huaruro, às 11h52, é que encontro o povoado de Llatica, que fica à esquerda do caminho para Fure, ou seja, não cheguei a entrar nele. A continuação do caminho está na outra margem do rio, com a travessia feita por uma ponte suspensa. Altitude de 2492m. Apenas 60m depois da ponte uma bifurcação: à esquerda o meu caminho para Fure e Huaruro, e à direita uma trilha que sobe a encosta para encontrar uma outra que corre lá no alto e vai de Fure a Malata (ou seja, essa do alto seria a minha trilha do dia seguinte). 

Fui para a esquerda, atravessei algumas plantações, uma fonte de água e logo parei numa rara sombra para comer alguma coisa às 12h12. Em 18 minutos retomei a caminhada pela margem esquerda do Rio Huaruro. Aos poucos começo a subir e me afastar do rio. A trilha ali é visivelmente menos usada do que as anteriores, sendo mais estreita e com mais pedras. À medida que subo vou tendo uma visão melhor da vila de Llatica, do outro lado do rio. Logo avisto bem no alto alguns eucaliptos e adivinho ser ali a vila de Fure. Às 12h48 cruzo outro canal de água. Depois de muita subida sob o sol escaldante cheguei às 14h05 a uma bifurcação com uma placa. Para a esquerda a continuação do caminho para Fure e Huaruro, para a direita a tal trilha do alto que mencionei, a que vai para Malata. Fui para a esquerda, cruzei uma ponte suspensa e cheguei às 14h15 à vila semifantasma de Fure (altitude de 2770m). Explico: pelo alto risco de desmoronamentos na época das chuvas a vila de Fure teve de ser evacuada, com a população se transferindo para o novo povoado de Belen. As casas ficaram trancadas e o lugar ficou deserto. Porém ainda há cultivo de frutas nos terraços abaixo das casas, o que faz com que alguns moradores venham cuidar das plantas e outros inclusive (bem poucos) tenham voltado a morar ali, na vila semifantasma. Um lugar singular!


ImagePoção no Rio Huaruro

Sentei um pouco no quintal de uma das casas trancadas para descansar numa sombrinha rala e pensar no que iria fazer. Dali até a Cascata Huaruro seriam ainda 1h20, ou seja, 2h40 para ir e voltar, e já eram 14h50, não daria tempo de voltar antes do anoitecer. Se eu acampasse ali em Fure e fosse conhecer a cachoeira no dia seguinte iria atrasar todo o meu cronograma. Resolvi ir até a cachoeira nesse dia mesmo e torcer para encontrar um lugarzinho para montar a barraca, nem que fosse no caminho ou no meio da trilha.

Deixei Fure às 14h58 (na saída mais dois pontos de água) continuando o caminho que acompanha o Rio Huaruro pela encosta da sua margem esquerda. E logo notei que a trilha dali em diante passa a ser ainda mais "selvagem", com algumas passagens estreitas à beira do abismo. A paisagem ao redor é de tirar o fôlego mas é preciso olhar sempre para o chão pois um passo fora da trilha pode significar uma queda muito perigosa. Esse trecho é realmente o mais impressionante de toda a caminhada, com a trilha correndo pelo alto e adentrando paredões cada vez mais estreitos. Cachoeiras imensas começam a aparecer despencando nas encostas do outro lado do rio, até que numa curva às 15h53 avisto bem no fundo do cânion a "Catarata de Huaruro". Para chegar até ela ainda passei por trechos de desmoronamento, com o chão forrado de pedras soltas. A chegada à cachoeira se dá ao término de uma subida em ziguezague. Finalmente cheguei a ela às 16h22. Maravilhosa, uma grande recompensa pelas horas que passei caminhando num calor implacável (e ainda iria caminhar). 

Lugar para acampar porém não havia. Toda a encosta é muito íngreme, na verdade um pasto (até com vacas a uma certa distância) todo em degraus, sem condições de armar a barraca. Tive de voltar pela trilha até encontrar um pequeno espaço plano, em plena trilha mesmo, para montar a barraca. Mais tarde, à noite, fiquei imaginando que tipos de animais silvestres poderia haver por ali, mas era melhor não pensar nisso e dormir. Altitude de 2998m, desnível de 866m desde Llahuar.

Como mencionei, encontrei diversos pontos de água nesse dia. Se tivesse levado um purificador não teria tido nenhum problema com relação a água. Como não levei tive de consumir a minha água mineral "com moderação"... rsrs

Nesse dia caminhei 9,3km. 

ImageCascata Huaruro

3º DIA - 23/08/16 - DA CASCATA HUARURO AO POVOADO DE MALATA

As fotos estão em https://goo.gl/photos/664h5jaBLZ8yEZf7A.

Nesse terceiro dia de caminhada levantei cedo, antes das 6h da manhã, na intenção de me poupar do calor excessivo da tarde, mas acabou não adiantando. Quando comecei a fotografar a cachoeira e percebi que o sol não demoraria a iluminá-la, não resisti à tentação de tirar fotos melhores e esperei pelo sol. Com isso acabei saindo dali somente às 10h25.

Voltei pelo mesmo caminho da ida e às 11h19 tive a última visão da cachoeira para trás. Dou alguns passos e já avisto Fure novamente. Só então me dei conta do risco real de viver nesse vilarejo, com a montanha muito alta bem atrás. Poucas pedras que rolassem daquela altura destruiriam tudo mesmo. 

O sentido geral desse dia seria sul até a estrada para Malata e depois leste. Como a minha água mineral já estava no fim, tive de encher os cantis com a água que considerei a mais limpa no caminho. Bebi o mínimo possível até o fim do dia e não tive problemas.

Passei por Fure novamente às 12h07 e parei à sombra de um pé de lúcuma para descansar pois o sol já fritava. Um raro morador apareceu e conversamos um pouco. Deixei a vila às 12h30, cruzei a ponte suspensa e peguei a trilha em frente na bifurcação (à direita é por onde cheguei no dia anterior vindo de baixo, de Llatica). Essa trilha também merece cuidado pois tem partes bem estreitas com o abismo ao lado. Meu maior medo era uma pedra rolar lá de cima quando eu estivesse passando, como chegou a acontecer no primeiro dia, quando uma pedra caiu bem na minha frente de repente. Era uma pedra pequena mas se me atingisse causaria algo sério. 

Às 12h57 passei por um canal de água que abastecia um tanque bem à esquerda da trilha. Ao ver aquela água abundante e fresca não resisti e bebi um pouco. Em seguida comecei a avistar a vila de Llatica bem abaixo, à direita, e a trilha que sobe a partir da ponte sobre o Rio Huaruro. Olhando dali Llatica parece estar dentro da cratera de um vulcão. Às 13h24 chego à bifurcação da trilha que sobe da vila. Na sequência encarei um subida que foi curta mas ao final sentei para descansar, sem sombra mesmo. O calor parece que suga todas as forças. Liguei meu termômetro para saber que temperatura estava: "apenas" 37,2ºC com 20% de umidade, um verdadeiro deserto. O morador com quem falei em Fure me alcançou com seu burro carregado e parou para conversarmos um pouco mais. 


ImageRio Huaruro

Às 14h13 voltei a caminhar e às 14h47 a trilha se transforma em um final de estrada de terra. Apenas 80m depois uma discreta trilha sai para a direita, é um atalho para a vila de Belen, um pouco abaixo. Ali mesmo aproveitei a sombra de alguns cactos e parei 34 minutos para um descanso. Em pouco tempo ali várias tropas de animais passaram carregadas. Retomei a caminhada às 15h27 e em 10 minutos passei por uma fonte de água à esquerda da estradinha, mas nessa não confiei. Dali já avisto a vila de Belen abaixo. 

Às 15h52 a estradinha desemboca na estrada principal de terra, a mesma que eu percorri no primeiro dia num ponto bem mais abaixo entre a ponte do Rio Colca e a bifurcação para Llahuar. Ou seja, nesse momento estava deixando de vez o vale do Rio Huaruro e retornando ao vale do Rio Colca. Tomei a estrada principal para a esquerda e subi um bocado. Por sorte poucos carros passaram para não ter de comer muita poeira. Na encosta do outro lado do Rio Colca avisto a trilha por onde desci no primeiro dia. A subida termina logo após uma curva bem fechada para a esquerda que possui um mirante coberto no morrinho à esquerda. Esse deve ser o Mirante Apacheta. Não subi até ele mas da estrada mesmo já visualizo quase todo o caminho que faria para voltar a Cabanaconde, bem como o Oasis (Sangalle) abaixo e a longa e sinuosa trilha de subida dele para Cabanaconde. Nesse ponto minha direção geral muda de sul para leste, como já disse, e tenho uma visão do vale do Colca que é oposta à do primeiro dia.

Em seguida veio uma longa e suave descida até o povoado de Malata (pronuncia-se maláta), aonde cheguei às 17h30 para passar a noite. Caminhando pelas ruas do local, vi a placa de uma tal Pension Margarita e fui lá conferir. Expliquei ao senhor que gostaria de jantar mas que não precisava de um quarto pois tinha a minha barraca. Ele falou que eu poderia montá-la na frente da outra casa deles, em plena praça da igreja... Achei um pouco estranho mas não resisti a uma situação pitoresca como essa, acampar em plena praça central do vilarejo! Havia um grupo de trabalhadores de uma obra em andamento na vila e foi na companhia deles que eu jantei. O jantar, como é costume aqui, constava de uma sopa reforçada de entrada, prato principal com uma carne e por último uma xícara de chá. Comprei uma garrafa de água mineral ali pelo dobro do preço de Cabanaconde, dei boa-noite ao simpático casal e fui dormir na praça. Altitude de 2655m.

Nesse dia caminhei 13,7km. Novamente encontrei várias fontes de água corrente.


ImageParedões que devo subir para voltar a Cabanaconde

4º DIA - 24/08/16 - DO POVOADO DE MALATA DE VOLTA A CABANACONDE

As fotos estão em https://goo.gl/photos/NCt4jRjpz3FsccSF7.

Levantei antes das 6h da manhã para desmontar logo cedo a barraca. Estava 13,4ºC fora da barraca e a mínima da noite foi 12,7ºC. Tomei o desjejum com o que restava da comida que levei e deixei Malata às 6h48. Segui pela rua da praça da igreja no sentido leste e logo o vilarejo acabou. Mas em 7 minutos já chegava ao povoado de Cosñirhua (eta nominho chato de pronunciar!). Assim como em Malata, em Cosñirhua notei diversas casas fechadas e outras abandonadas e semidestruídas. Em ambos os povoados também se cultivam diversas frutas nos terraços que ficam abaixo das casas. Cruzei a praça central do lugar e continuei pela estrada, mas às 7h15 encontrei uma placa indicando San Juan de Chuccho e Cabanaconde à direita, numa trilha (em frente pela estrada eu subiria para Tapay). Abandonei então a estrada de terra e desci pela trilha, que cruzou algumas casas e em 60m trifurcou. Para a direita eu voltaria para a praça central de Cosñirhua, para a esquerda estava a descida para San Juan de Chuccho e em frente não havia informação. Na verdade podia ter pego essa trilha em algum ponto mais atrás na estrada mas não percebi onde. Vale comentar que ao passar por esse povoado vi muitos homens com uniforme de banda de música, alguns já preparando os instrumentos. Ao longo desse dia inteiro iria ouvir a distância o som do ensaio deles, a música ecoou por todo o vale do Colca durante todo o dia. 

Mas voltando à trifurcação, tomei a trilha da esquerda e imediatamente comecei a descida em ziguezagues curtos que me levou a um riacho, o qual cruzei pelas pedras para tomar a trilha pouco acima para a direita. Algumas pessoas trabalhavam numa obra ali no rio e a curiosidade foi ver as mulheres com roupas típicas carregando pedras e enxadas. Na trilha segui inicialmente um canal de água mas logo me afastei dele para caminhar um pouco acima. Comecei a descer e parei para fotografar e admirar alguns pés de figo gigantes na beira da trilha. Aliás os figos que comi em Arequipa foram os mais doces que já provei, quem sabe vieram desta região... 

Nessa descida comecei a cruzar com alguns trilheiros, primeiro um solitário, depois um grupinho, depois um grupão, e logo não parava mais de cruzar com gente, quase todos com um guia a tiracolo. Foi até estranho cruzar com tanto turista depois de três dias andando sozinho. Depois soube que o roteiro padrão das agências de Arequipa é Cabanaconde-San Juan de Chuccho no primeiro dia, San Juan-Sangalle no segundo e Sangalle-Cabanaconde no terceiro. Por isso tanta gente nesse trecho da caminhada. E ainda iria cruzar com muitos e muitos grupos na subida para Cabanaconde.


ImageRio Colca

Seguindo sempre em frente e desprezando descidas à direita, cheguei às 8h10 à vila de San Juan de Chuccho, cujo centro é um campinho de futebol (sem grama) em frente a uma escola. Ao contrário de todas as outras vilas por onde passei, San Juan tem muitas opções de hospedagem, é um lugar turístico. Mas aqui me confundi um pouco com os caminhos e acabei pegando o pior deles. Atenção para não fazer a bobagem que eu fiz. O melhor é continuar pelo mesmo caminho da chegada (não descer ao campinho de futebol), passar pelo "comedor popular", pela pousada Glória e seguir pelo caminho largo, que estranhamente vai subir um pouco mas depois vai descer com segurança à ponte do Rio Colca. Eu cheguei a tomar esse caminho mas estranhei quando começou a subir, então voltei à vila, desci ao campinho, passei à direita da escola, desci um pouquinho e tomei a trilha da esquerda, confirmando o caminho com um morador. Fui à direita numa pedra gigante, contornei um reservatório pela esquerda e comecei a seguir o curso do canal de água que provém dele. O caminho foi extremamente agradável, à sombra de muitas árvores e pés de fruta, muito verde ao redor. Me deparei até com uma linda plantação de trigo, de um verde estonteante. Mas em seguida a coisa apertou. A trilha estreitou e se aproximou muito do abismo à direita, o que me obrigava a caminhar devagar e com cuidado. Mas o pior foi a descida para o rio, com a trilha inclinada demais, com pedras soltas e uma queda grande bem ao lado. Tive de descer boa parte dela sentado para ter mais segurança. E ainda havia o medo de uma pedra rolar para cima de mim. Foi tenso! Ao chegar ao final me deparei com um caminho largo vindo da esquerda e seguindo para a ponte, então deduzi que seria a continuação daquele caminho inicial que tomei e abandonei. Uma inscrição na pedra ali dizia "zona de derrunbe" acima, quer dizer, me arrisquei bastante mesmo nessa descida. Se você for passar por ali, não se esqueça disso! Para quem faz no sentido contrário é tranquilo pois há sinalização pintada nas pedras. 

Cruzei a ponte suspensa sobre o Rio Colca às 9h50 e respirei fundo pois dali em diante seria uma subida sem fim com o calor aumentando a cada minuto. Altitude de 2380m. E assim foi, tentei não parar ou só fazer paradas bem curtinhas para não perder o ritmo. O que consolava era a paisagem ficando cada vez mais ampla e mais impressionante. Como disse, foram inúmeros os grupos com que cruzei, todos com mochilinha de ataque pois não precisavam de barraca ou comida, iam dormir nos povoados mais turísticos do cânion. 

Essa subida atravessa mais de um trecho de desmoronamento em que se caminha sobre pedras soltas e rezando para uma outra pedra não despencar bem naquela hora na sua cabeça. Tentei fazer a subida toda sem uma parada mais longa, mas às 12h55 já não aguentava mais o calor e aproveitei uma raríssima sombra que apareceu, a do mirante San Juan de Chuccho, com um pequeno quiosque. Saquei o meu termômetro e de novo estava 37ºC com 20% de umidade! Um calor que me deixava exausto. 

Retomei a caminhada às 13h54 e às 14h21 avisto Sangalle no fundo do vale. Às 14h50 chego finalmente ao alto. Aleluia! Altitude de 3400m, desnível de 1020m desde a ponte do Rio Colca e ponto mais alto de toda a caminhada. Mas ainda não estou em Cabanaconde, aliás a cidade ainda estava um pouco longe... Caminhei 500m até o asfalto e fui para a direita, descendo. Passei pela placa indicando o Mirador San Miguel e logo avisto Cabanaconde mais abaixo, aonde chego às 15h24. Deixei a mochila no hostal, descansei um minuto e ainda tive disposição para voltar ao Mirador Achachihua para ver o pôr-do-sol. Para minha surpresa encontrei um casal de São Paulo lá e foi até estranho falar português depois de 19 dias de viagem. O sol se pôs às 17h20 e voltamos juntos para a cidade.

Nesse dia caminhei 13,2km. Não encontrei nenhuma fonte de água limpa.

Total do circuito no Cânion do Colca: 48,6km.


ImageOlha o abismo!

Informações adicionais:

. Horários de ônibus Arequipa-Cabanaconde:
empresa Andalucía - 9h30, 15h30, 0h
empresa Reyna - 1h, 11h
empresa Señor de los Milagros - 3h30, 14h (seg a sáb) e 15h (domingo)
Preço da passagem: 17 soles

. Horários de ônibus Cabanaconde-Arequipa (segundo o folheto do hostal Villa Pastor):
empresa Andalucía - 8h30, 9h45
empresa Reyna - 7h, 14h
empresa Señor de los Milagros - 11h30, 22h

. Em Cabanaconde me hospedei no Hostal Villa Pastor por 20 soles o quarto com banheiro privativo e sem café da manhã. A ducha quente foi a melhor de toda a viagem ao Peru. Eles cobram 3 soles por dia para guardar a bagagem durante o trekking. Fica na Plaza de Armas. Site: www.villapastorcolca.com.

. O próprio hostal tem um restaurante com preços razoáveis e comida muito boa. Fora isso, há vários restaurantes baratos na Plaza de Armas com comida boa também, mais frequentados pelos nativos do que por turistas.

. O rapaz do hostal conseguiu para mim um cajado que usei durante toda a caminhada e foi muito útil, principalmente nas descidas intermináveis e para caminhar nas pedras soltas. Também é possível alugar bastões de caminhada numa pequena mercearia da Plaza de Armas por 5 soles por dia cada um.

. O camping no Lodge Llahuar custa 10 soles com direito a uso livre das piscinas termais. Não perguntei o preço das cabanas.

. O quarto na Pension Margarita, em Malata, custa 15 soles (não sei se o banheiro é compartilhado) e o café da manhã por volta de 5 soles, dependendo do que for pedido. O jantar custa 10 soles.

. A cotação do nuevo sol frente ao dólar (3,31 soles por US$) estava muito próxima da cotação do real frente ao dólar (3,33 reais por US$), portanto os valores em soles que coloquei aqui podem ser convertidos para real na base 1 para 1.

. Para caminhar eu usava uma camiseta de dryfit de manga curta e calça de tactel. E muito protetor solar fator 50!

. Para não carregar muito peso em comida é possível comer em Llahuar, Malata e San Juan de Chuccho, lugares bem estratégicos para o trekking. Para a compra de mantimentos Cabanaconde tem algumas mercearias com uma boa variedade, mas eu preferi levar o queijo e o pão integral comprados no Mercado San Camilo, em Arequipa.

. A temperatura mínima que registrei durante a madrugada foi de 11ºC. Ao sair da barraca de manhã costumava estar por volta de 13ºC.

. Toda a região de Arequipa é sujeita a frequentes tremores e alguns terremotos mais fortes. No dia 14/08, quatro dias antes de eu chegar à cidade, houve um terremoto de intensidade 5,2 que matou quatro pessoas na região, com epicentro próximo a Chivay, no Vale do Colca. Eu senti dois tremores rápidos mas que assustaram um pouco. Por isso, ao sair para uma caminhada pelas trilhas do Colca deve-se ter esse risco em mente, evitando sempre fazer paradas para descanso (ou acampar) em lugares próximos a encostas sujeitas a desmoronamento. Isso foi dica de um morador.

Rafael Santiago
agosto/2016

Percurso no Google Maps
 
Percurso em perspectiva no Google Earth

sábado, 17 de setembro de 2016

Caminhada pelas ruínas de Cusco: de Tambomachay à Plaza de Armas (Peru) - ago/16

ImageCusco vista do Cristo Blanco

As fotos estão em https://goo.gl/photos/yLRe6zoPwb1n6JkS6.

A caminhada que relato a seguir dura um dia e tem como recompensa a visita aos oito principais sítios arqueológicos da cidade de Cusco ao longo do caminho. Serve até como um trekking de aclimatação para quem está se preparando para uma caminhada maior, como Salkantay, já que inicia nos 3824m de altitude. Porém se você perguntar sobre essa caminhada por lá as pessoas tentarão dissuadi-lo da idéia dizendo ser perigoso fazê-la sozinho. Guias como Lonely Planet dizem ser perigoso inclusive visitar as ruínas do Templo da Lua, aonde muita gente chega de carro ou ônibus. Eu li e ouvi todos esses alertas e, estando sozinho, encontrei uma saída, que descreverei abaixo.

Saí do Hostal Resbalosa, onde me hospedei nos primeiros dias em Cusco, às 8h52 e subi o restante da Rua Resbalosa até chegar à igreja de San Cristobal. Tomei a estradinha de asfalto à direita, sempre subindo. Numa das curvas mais acima me deparei com a portaria das ruínas de Sacsayhuamán, onde comprei o Boleto Turístico (se você não sabe o que é o Boleto Turístico de Cusco leia abaixo nas informações adicionais). Comprei o boleto integral pois pretendia visitar muitas outras ruínas e museus durante a estada na cidade. Passei pelo portão e subi o calçamento até o início dos altos muros de pedra do sítio arqueológico. Mas parei na placa que indica o Cristo Blanco pois pretendia deixar Sacsayhuamán para o final da caminhada. Peguei então a trilha à direita, desci um pouco e subi até o Cristo Blanco, que naquele horário, 9h30, estava vazio e tranquilo. A vista de Cusco e das colinas ao redor é espetacular. A altitude é de 3561m, 182m acima da Plaza de Armas.

Desci na direção oposta e fui até a estrada de asfalto esperar o ônibus ou a van-lotação para Tambomachay, que veio em questão de minutos. Há um ônibus que vai só até a portaria de Tambomachay chamado Señor del Huerto e a van que vai para Pisac. Eu peguei essa última e paguei 1 sol. Viagem de apenas 6 minutos. Tambomachay está a 3824m de altitude e é o ponto mais alto dessa caminhada. Mostrei o boleto turístico, que foi devidamente perfurado. Às 10h subi pela alameda até as três fontes de água onde os incas praticavam seus banhos sagrados. Esse é o principal atrativo desse sítio, além dos muros de pedra com nichos. O lugar é interessante mas não há mais o que ver. Dei um tempo ali e vi um grupo caminhando por uma trilha acima dos muros de pedra, onde pensei que fosse proibido ir. Resolvi segui-los. Assim às 10h57 deixei as ruínas de Tambomachay por um caminho que acabou me levando à vila de mesmo nome, um pouco acima das ruínas. Do meio das casas encontrei a rua que me levou de volta à estrada de asfalto e já à entrada do segundo sítio arqueológico, Puca Pucara, bem maior que o primeiro e numa posição mais interessante, com ampla vista dos vales e colinas a leste. Boleto perfurado na entrada. Alguns painéis ali explicam um pouco sobre o lugar. 


ImageTambomachay

Nos dois sítios perguntei aos guardas sobre a caminhada dali a Cusco por trilha e todos me desencorajaram dizendo que era perigoso ir sozinho, com risco de assalto. Saí das ruínas de Puca Pucara às 11h58 e resolvi caminhar até o início da trilha para Cusco, a apenas 200m dali, e esperar que aparecesse alguém para companhia ou algum grupo. Sentei ali na beira da estrada e esperei. Duas garotas apareceram, conversei com elas, porém ao saberem do risco resolveram seguir para Cusco pelo asfalto, numa caminhada bem longa e sem graça. Esperei mais um pouco e aquele grupo que vi inicialmente em Tambomachay se aproximou. Era uma família americana (pai, mãe e um casal de adolescentes) e estavam decididos a chegar a Cusco pela trilha conhecendo todas as ruínas do caminho. Perfeito! 

Passamos a caminhar juntos às 12h29 e eles eram ótima companhia. A trilha passou atrás do primeiro povoado que fica à beira da estrada, Huayllarcocha, com um lago e um campo de futebol. Depois acompanhamos uma plantação de eucaliptos à esquerda em descida suave. Logo após uma área arada para plantio, a trilha bifurcou. Seguimos pela encosta da direita mas o Paul (o pai) desconfiou que devíamos descer, mesmo sem trilha aparente. Porém não descemos. Da encosta, uns 300m após a bifurcação, avistamos lá embaixo umas ruínas que pareciam interessantes. Aí não teve jeito, descemos, sem trilha mas sem nenhuma dificuldade. Às 13h15 estávamos nas ruínas. Encontramos muros de pedra com nichos, canais de água, terraços, escadarias de pedra e um enorme e alto bloco rochoso com um recorte na base. Depois de algum tempo ali apareceram umas pessoas que vieram a cavalo e uma delas disse que o chamariz do local era a cara de um inca no perfil do grande bloco de pedra. Só descobrimos o nome do local na saída, ao ver a placa: Chuspiyoq.

Às 13h51 passamos por outro grande bloco rochoso à direita e fomos averiguar só por curiosidade. Havia uma pequena gruta com um nicho, mas esse local não tem nome. Às 14h06 chegamos a um sítio mais visitado: Salapunco (ou Laqo, ou ainda Templo da Lua). Bem interessante por ser uma colina rochosa cercada por muros de pedra, escadarias e diversos recortes na rocha. Não exploramos mais por falta de tempo e de informação à mão. Descemos em seguida em direção a outras ruínas já visíveis dali através do largo Caminho Andino Antisuyu (que por sinal se estende para o norte). Essas outras ruínas chamam-se Kusilluchayoq ou Templo do Macaco, mas não descobrimos onde estava o macaco. Na verdade, nessa caminhada não há tempo para explorar cada pedra e cada parede das ruínas, é uma visita meio rápida. Nesses três últimos sítios não foi necessário apresentar o boleto.

Às 14h50 continuamos descendo pelo Caminho Andino, descemos bastante, tanto que chegamos a uma rua com calçamento e tivemos que subir um pouco por ela (à direita) para chegar aos fundos do sítio arqueológico de Qenqo, à nossa esquerda. À direita as casas da Villa San Blas. Saindo da citada rua calçada, pegamos uma trilha que encontramos à esquerda e chegamos a Qenqo às 15h07 pela "porta dos fundos", mas imediatamente os guardas vieram pedir nossos boletos. 


ImageChuspiyoq

Qenqo está dividido em Qenqo Grande e Qenqo Chico, e foi no Grande que chegamos. Num corredor sob o enorme bloco de pedra principal há uma mesa esculpida na pedra que provavelmente era usada para embalsamamento ou sacrifícios. Visita finalizada, saímos para a rua de asfalto e descemos 90m até a entrada para Qenqo Chico, onde não há guarda para pedir o boleto. Ali uma colina cercada por um extenso muro de pedras reserva uma surpresa: um blocão de pedra com cerca de vinte ângulos! Sobre a colina há muitas outras pedras esculpidas. A vista de Cusco é bem bonita também. 

Saímos de Qenqo Chico às 15h58 e em 12 minutos estávamos no Cristo Blanco, caminhando pela estrada de asfalto mesmo. A essa hora o Cristo estava bem movimentado. A partir daqui refizemos o meu caminho da manhã, porém dessa vez visitando o sítio arqueológico de Sacsayhuamán, ou melhor, parte dele pois é muito grande e o dia já findava. Os muros de pedra aqui são fantásticos, colossais, com intrigantes e perfeitos encaixes. As pedras mais recortadas que encontramos têm 11 ângulos. O local merece algumas horas de exploração, é muito bonito. Necessário o boleto para a visita.

Às 17h25, com o sol quase se pondo, descemos o calçamento por onde subi de manhã, passamos pelo portão onde comprei o boleto e pegamos a estradinha de asfalto. Na passagem pela igreja de San Cristobal fomos atraídos pelas barraquinhas de festa. Na entrada da igreja uma bandinha tocava para alguns casais com roupas típicas dançarem. Mas a curiosidade mesmo foi ver o banheiro masculino instalado ali, uma calha comprida fixada na parede da escadaria da igreja para os cavalheiros se aliviarem sem sujar o recinto, mas a céu aberto e à vista do mundo todo...

Descemos a Rua Resbalosa e chegamos à Plaza de Armas às 18h. Dali levei meus companheiros americanos para jantar num restaurante bom e barato que havia conhecido na Rua Cuesta San Blas, no centro de Cusco.

Conclusão: com todos os alertas sobre o risco dessa caminhada eu fiz todo o trajeto bastante atento (ao contrário dos americanos, que pareciam bem despreocupados). Em nenhum momento me senti inseguro ou vi algo suspeito. A trilha segue grande parte em área rural, com plantações e reflorestamento, lugar bem tranquilo porém deserto. A proximidade com a cidade de Cusco e sua periferia deixa sempre uma preocupação... assim como temos aqui no Brasil.

Total da caminhada: 11,5km, incluindo a visita a todas as ruínas.


ImageMuralhas em Sacsayhuamán

Informações adicionais:

O Boleto Turístico de Cusco é um passe necessário para visitar as ruínas mais famosas da cidade (como Sacsayhuamán e Tambomachay) e das redondezas (como Pisac e Ollantaytambo), além de alguns museus. Só pode ser comprado em determinados locais (veja abaixo), ele não está à venda na portaria de todos os sítios arqueológicos. 

Há quatro versões:
1. Integral, 130 soles (estudante 70 soles), com validade de 10 dias, dá direito a visitar uma vez os seguintes locais:
Museu Municipal de Arte Contemporânea
Museu Histórico Regional
Monumento Pachacuteq
Museu do Sítio de Qoricancha
Tipón
Pikillacta
Sacsayhuamán
Qenqo
Puca Pucara
Tambomachay
Moray
Chinchero
Ollantaytambo
Pisac

2. Parcial Circuito 1, 70 soles, com validade de 1 dia, dá direito a visitar uma vez os seguintes locais:
Sacsayhuamán
Qenqo
Puca Pucara
Tambomachay

3. Parcial Circuito 2, 70 soles, com validade de 2 dias, dá direito a visitar uma vez os seguintes locais:
Museu do Sítio de Qoricancha
Museu Histórico Regional
Museu Municipal de Arte Contemporânea
Monumento Pachacuteq
Tipón

4. Parcial Circuito 3 (Vale Sagrado), 70 soles, com validade de 2 dias, dá direito a visitar uma vez os seguintes locais:
Chinchero
Ollantaytambo
Pisac
Moray

Obs. Desde 01/06/16 o boleto não está sendo mais aceito no Museu de Arte Popular e no Centro Qosqo de Arte Nativo.

Onde comprar:
O site oficial (www.cosituc.gob.pe) não informa onde comprar o boleto, mas eu posso dizer com certeza que é vendido na Municipalidad del Cusco (Av. El Sol, 103) e no portão inferior das ruínas de Sacsayhuamán (no bairro San Cristobal).


Rafael Santiago
agosto/2016

domingo, 11 de setembro de 2016

Trekking Ausangate (Peru) - ago/16




ImagemNevados Santa Catalina e Ausangate vistos da vila de Pacchanta

O trekking Ausangate (em espanhol se pronuncia aussangáte), em sua forma clássica, contorna os nevados Ausangate e Santa Catalina, picos pertencentes à Cordilheira Vilcanota, a leste de Cusco, nas imediações da cidade de Tinke. Dura normalmente cinco dias, com quatro acampamentos, sendo três nas montanhas e o último na vila de Pacchanta. O sentido mais comum é o anti-horário, com início na cidade de Tinke ou no povoado de Upis e o final na própria cidade de Tinke. Com a "descoberta" recente da superbadalada Rainbow Mountain (ou Cerro de Colores ou ainda Vinicunca) o percurso pode ser estendido no segundo dia até esse atrativo, o qual a grande massa de turistas conhece num bate-volta desde Cusco em um dia. O Nevado Ausangate (6372m) é o pico mais alto da região sudeste do Peru e também o mais alto da extensa Cordilheira Vilcanota.

Encontrar grupos para fazer Ausangate não é tão fácil quanto eu imaginava, mesmo na alta temporada. Cusco tem uma quantidade enorme de agências de trekking e muitas anunciam Ausangate nos cartazes na porta, porém ao perguntar dizem que não têm grupo e não têm previsão de quando haverá saída para esse trekking. Por isso optei por contatar diretamente o guia Cirilo, morador de Upis e grande conhecedor dos caminhos e montanhas da região de Ausangate. Por esse motivo e também para valorizar o trabalho do guia nativo e sua equipe, sem a intermediação de agências que exploram essas pessoas e obtêm lucro sem fazer nada. Nas informações adicionais, ao final do relato, seguem os contatos do guia Cirilo.

No serviços do Cirilo estavam incluídos o cozinheiro e dois arrieiros (condutores da tropa de animais). Havia três refeições quentes por dia, mais lanche da tarde e lanche de trilha (entregue num saquinho todas as manhãs). Também as barracas, colchonetes (não havia isolantes), a tenda cozinha/refeitório e equipamento completo de cozinha, tudo carregado por uma tropa de cinco cavalos. O deslocamento de/para Cusco também estava incluído.

A grande dificuldade desse trekking está na sua altitude, com quatro passos entre 4700m e 5200m, e acampamentos a 4600m, o que talvez explique a sua baixa procura. 

Ao contrário do trekking Huayhuash feito também em agosto (do ano passado), nesta caminhada não tivemos tanta sorte com o tempo. E Cirilo disse que agosto realmente é um mês de tempo muito instável naquela região, melhor seria junho ou julho. Fica a dica!


ImagemNevado Callangate

FAZ MUITO FRIO? QUE ROUPAS LEVAR?

Nos cinco dias de trekking tivemos muitas mudanças de tempo. O sol (quando aparecia) era muito forte, portanto um protetor solar era indispensável, porém o ar era sempre frio. Durante o dia eu caminhava sempre com calça de tactel e segunda-pele de manga longa de lã de merino lightweight da Smartwool mais um fleece mais fino da Quechua. Os colegas caminhavam bem mais agasalhados, ainda com jaqueta impermeável, luvas e gorro. Eu usava chapéu. Os dias de céu encoberto eram obviamente ainda mais frios e no dia em que caminhamos com neve a roupa impermeável teve de ser usada.

No fim do dia, a temperatura despencava e era hora de vestir uma jaqueta de pluma de ganso, abençoada invenção! Para as pernas levei uma calça de fleece Quechua que foi suficiente para a noite e para dormir. Gorro na cabeça e em algumas noites/manhãs usei as luvas de fleece também.

Durante a madrugada, a temperatura sempre caía abaixo de zero, com a mínima registrada pelo meu termômetro de -4,3ºC fora da barraca. Eu levei um saco de dormir Marmot Alpha, de pluma de ganso, de especificação: conforto 2,6ºC, limite -2,8ºC e extremo -19ºC. Em algumas noites ele não foi suficiente e tive de usar além dele um Deuter Orbit +5 de especificação: conforto 9ºC, limite 5ºC e extremo -9ºC. Um dentro do outro.

A roupa impermeável é item obrigatório e precisa ficar na mochila de ataque SEMPRE, pois nunca se sabe quando o tempo vai mudar, e ficar molhado num lugar frio como esse é um passo para a hipotermia. 

COMO SE ACLIMATAR À ALTITUDE EM CUSCO?

Cusco está a 3400m de altitude, o que já ajuda um pouco na aclimatação para um trekking de altitude. Porém Ausangate é um trekking que tem pelo menos dois passos acima de 5000m, ou seja, é preciso mais do que a altitude de Cusco para uma boa aclimatação. A minha saída foi fazer uma caminhada de um dia nos arredores de Cusco, a partir de Tambomachay, que está a 3838m de altitude (relato aqui) e visitar as ruínas de Chinchero, que está a 3766m. O Cirilo sugere um trekking na região de Lares para boa aclimatação, mas eu não queria fazer um trekking longo antes de Ausangate e essas caminhadas em Cusco foram melhor do que nada. E o mate de coca comecei a tomar tão logo cheguei ao Peru, bem como mascar as folhas. Se isso é eficiente não sei, mas sei que tive uma ótima aclimatação novamente.

Por recomendação médica, não utilizei os medicamentos Diamox e Decadron, que supostamente ajudam na aclimatação. Durante a caminhada continuei tomando o mate de coca duas vezes por dia, feito da infusão da própria folha, que eu mastigava depois.

DÁ PARA BEBER A ÁGUA DOS RIACHOS?

A água encontrada nos riachos ao longo do trajeto não deve ser bebida sem tratamento já que há ovelhas, alpacas, cavalos e outros animais pastando, além das pessoas que vivem em pontos isolados. Tratar ou ferver a água é imprescindível. Eu não levei produtos para filtrar/purificar a água então aproveitava a água fervida todos os dias para o chá e enchia as minhas garrafinhas de 500ml. Nenhum dos colegas levou filtro ou pastilha para purificar a água.


ImagemLaguna no primeiro dia

1º DIA - 09/08/16 - DE UPIS ÀS LAGUNAS PUCACOCHA

As fotos estão em https://goo.gl/photos/TYCKCeVbfJZ5eriu6.

Cirilo marcou de me apanhar no hostal às 4h30 e só apareceu às 5h30, o que já estava me deixando bem apreensivo. Na van fretada por ele já estavam todos os meus companheiros dos próximos cinco dias de pernada: Anna e Javier, espanhóis, Carolina, uruguaia (e amiga de longa data do casal espanhol), e Remi, francês de 29 anos que estava se esforçando ao máximo para aprender a falar espanhol. Todos nocauteados pelo horário, só começamos a conversar um pouco mais tarde, quando o dia clareou, já na estrada.

E que estrada! Durante o percurso, após a cidade de Urcos e a ponte sobre o Rio Vilcanota, sobe-se uma serra muito alta e cheia de curvas, o que deixou o Javier mareado. O ponto mais alto chega aos 4185m de altitude, num mirante chamado Abra Cuyuni, mas logo começa a descer, com muitas curvas também. Desse mirante já se avista a Cordilheira Vilcanota no horizonte, a sudeste, com destaque para o Nevado Ausangate à direita e o Maciço Callangate à esquerda do conjunto de montanhas. E é para lá que vamos! Passamos direto pela cidade de Ocongate e paramos em Tinke às 8h15 para a equipe do Cirilo providenciar todos os mantimentos para o trekking no comércio local, onde aproveitamos para comprar frutas e guloseimas para os lanches de trilha. Ali tivemos o primeiro contato com um grupo de franceses (dois rapazes e uma garota) que iriam fazer o trekking de maneira independente, sem guia ou arrieiro. Até aí tudo bem, estavam já bem aclimatados, o problema é que não conheciam o caminho e não tinham gps, mapa ou bússola. Não sabiam para que lado tinham que caminhar. Resultado é que acabaram nos seguindo a maior parte do tempo...

Deixamos Tinke em direção a Upis em estrada de terra e na primeira ponte tivemos que pagar 10 soles cada um de pedágio. Cirilo achou melhor fazermos o trecho Tinke-Upis com a van pois seria uma caminhada de 7km em estrada de terra tediosa, poeirenta e ainda em subida. Os franceses fizeram tudo a pé, bem como um casal que depois não vi mais.

Às 9h20 a van nos deixou na estrada (que piorava a cada quilômetro) e caminhamos apenas 100m até a casa do Cirilo, onde ele e sua equipe arrumaram toda a tralha nos cinco cavalos e nós tomamos o café da manhã. Altitude de 4317m.

Numa apresentação rápida de cada integrante do grupo, conhecemos então o cozinheiro (Mercaedes, o mágico) e os dois arrieiros (Marsilino e Flabio), todos amigos do Cirilo.


ImagemSeñal Nevado Extremo Ausangate

Finalmente às 11h demos início à nossa jornada de cinco dias pelas montanhas, porém elas não nos deram as melhores boas vindas... em vista do tempo feio e fechado Cirilo disse para nos prepararmos para chuva e até neve. Saindo da sua casa voltamos a caminhar pela estrada de terra mas logo a abandonamos para tomar trilhas que nos levaram a contornar pela esquerda o extenso e plano vale do Rio Upis. Ao fundo o Nevado Ausangate estava parcialmente encoberto pelas nuvens. E logo começaram a aparecer os rebanhos de alpacas, curiosas pela nossa passagem. Às 12h38 paramos numa piscina de água termal para fazer um lanche e partimos às 13h03. Uns 500m depois já estávamos passando pelo acampamento Upis, onde havia apenas umas três barracas àquela hora.

Cruzamos ali o Rio Upis e passamos a caminhar pela encosta da sua margem esquerda (nossa direita). Até aqui a caminhada foi moleza, quase totalmente plana. Porém logo surge a subida para o primeiro passo do trekking, o Passo Arapa. Inevitavelmente os mais bem aclimatados (e bem condicionados) não sentiram muito o esforço da subida, ao passo que os "nem-tanto" sofreram um bocado. Javier chegou a vomitar o que havia comido. Eu mantive o meu passo devagar-e-sempre: devagar para não sentir falta de ar e chegar a uma respiração estável, e sempre - sem fazer paradas - para não ter de iniciar o trabalho de respiração de novo. E continuei a minha "ruminação" de folhas de coca para não sofrer tanto.

Abaixo íamos deixando o vale do Rio Upis, mas durante a subida o grandioso Nevado Ausangate (à nossa esquerda) insistia em permanecer atrás das nuvens. Eu, Remi e Cirilo chegamos ao Passo Arapa às 15h. Altitude de 4754m. Esperamos o restante do grupo e seguimos às 15h11. A descida foi suave até a aproximação de uma pequena lagoa. Dali em diante descemos mais fortemente e paramos um instante para fotos da Laguna Yanacocha, parte de um conjunto de cinco grandes lagunas aos pés do Señal Nevado Extremo Ausangate. Nessa hora o sol resolveu dar as caras, ainda tímido. Na continuação da descida um grande e bonito vale abriu-se à nossa direita. Cruzamos saltando as pedras o riacho que brota da Laguna Uchuy Pucacocha (outra do conjunto) e iniciamos a subida ao acampamento da primeira noite, num platô logo acima dessa laguna. Às nossas costas tínhamos o Nevado Sorimani (ou Tacusiri) e à nossa frente toda a imponência e toneladas de neve do Señal Nevado Extremo Ausangate, contraforte do grande maciço do Nevado Ausangate, com as lagunas Uchuy Pucacocha e Jatun Pucacocha logo abaixo. Chegamos a esse acampamento, chamado Pucacocha, às 17h07, com muito atraso segundo o Cirilo. Altitude de 4569m.

As barracas (fornecidas pela equipe e das marcas Doite e Vango) já estavam montadas. A tenda cozinha/refeitório também, o que seria sempre um ótimo abrigo para o frio e vento. E o cozinheiro já providenciava o lanche da tarde. Não vou descrever o cardápio de cada refeição aqui, porém posso afirmar que passamos muito bem, o cozinheiro mereceu nota máxima. Alguns pratos locais como rocoto relleno estavam melhores do que em muito restaurante de Cusco. Ele fazia milagres naquela tenda!

Esse acampamento não tinha banheiro e era até meio complicado encontrar um lugar discreto na hora do aperto.

Nesse dia caminhamos 14,2km.


ImagemLaguna Jatun Pucacocha

2º DIA - 10/08/16 - DAS LAGUNAS PUCACOCHA À LAGUNA AUSANGATECOCHA COM CERRO DE COLORES

As fotos estão em https://goo.gl/photos/yYivY4WWgBFVjsET8.

A temperatura mínima nesta noite foi de -1,3ºC fora da barraca, a menos fria do trekking.

Tendo em vista o desgaste físico sofrido pela Anna, Javier e Carolina no dia anterior, eles concordaram que nesse segundo dia nos dividíssemos em dois grupos. Como a esticada até o Cerro de Colores seria muito cansativa (com quatro passos acima dos 4900m), iríamos apenas eu e Remi com Cirilo. Nossos três amigos iriam com o restante da equipe (cozinheiro e arrieiros) diretamente para o acampamento Ausangatecocha, numa caminhada bem tranquila.

Assim, às 7h32 eu, Remi e Cirilo deixamos o acampamento e imediatamente iniciamos a subida do Passo Ausangate, de 4919m, que vencemos às 8h41. Da descida que se seguiu já foi possível avistar o Lodge Anantapata e o passo seguinte, o Surini, mas ainda não dava para ter idéia de como seria cansativo subi-lo. Descemos bastante e passamos pelo lodge às 9h45. Logo à frente paramos um pouco para descanso, lanche e para admirar o grande Nevado Sorimani (ou Tacusiri) à nossa direita. Nesse trajeto desde o acampamento contornamos pela esquerda esse nevado.

A etapa seguinte foi enfrentar o Passo Surini, que foi bem difícil, com uma subida mais íngreme que as anteriores. Alcançamos seus 4997m de altitude às 10h51 e tivemos a primeira visão do Cerro de Colores... porém muito distante ainda! E com um enorme vale no caminho. Até aqui os três franceses independentes nos seguiram, depois só os vimos no acampamento à noite. 

Descemos do passo por um caminho difícil, de pedras soltas, e no fundo contornamos a Laguna Surini pela esquerda. Dali iniciava uma nova e longa subida... pelo ritmo forte eu pensei até em parar e esperar pela volta deles dois, mas continuei. Subimos, passamos à esquerda da Laguna Quiullacocha, subimos mais, mais e o Cerro começava a se aproximar. Enfim às 12h26 alcançamos o mirante do Cerro de Colores e tiramos a foto clássica da montanha adornada por faixas de terra de várias cores e tons. Porém o lugar já entrou para o turismo de massa e há até "inscrição burrestre" numa das encostas. Vimos dezenas de turistas subindo e descendo por um caminho mais fácil, a partir de um acesso para carros mais abaixo.


ImagemCerro de Colores (ou Vinicunca) visto de um mirante a 5032m

Dá para dizer que esse mirante foi o terceiro passo do dia pois estávamos a 5032m! Fiquei menos de 10 minutos e comecei a descida de retorno pois ventava muito frio e já me sentia bem cansado. Descemos de volta à Laguna Surini e finalmente paramos para comer alguma coisa, às 13h20. Nessa hora caíram alguns floquinhos de neve mas logo parou. Recuperadas as energias iniciamos a subida de volta do Passo Surini, a ladeira das pedras soltas. Cirilo e Remi dispararam na frente e eu só cheguei ao topo às 14h24 (4997m de altitude). Esse foi o quarto passo acima dos 4900m desse dia! A descida foi rápida pela inclinação do terreno, passamos pelo lodge às 14h56 e 900m depois desviamos do caminho da ida indo mais para leste. Isso nos levou a um largo e extenso vale, no qual caminhamos pela encosta alta da esquerda, descendo suavemente. Bem abaixo casas de camponeses, grandes currais de pedra e rebanhos de alpacas.

Num desvio para a esquerda entramos num grande vale (Quebrada Surapampa) e começamos a subir lentamente em direção à Laguna Ausangatecocha. A distância já podíamos avistar o acampamento, o que foi uma visão maravilhosa depois de um dia tão cansativo. A laguna não era visível porém ao fundo o Nevado Ausangate fechava de forma espetacular o fundo do vale. Chegamos enfim ao acampamento Ausangatecocha às 16h48 e reencontramos nossos companheiros. Altitude de 4657m. 

Esse acampamento conta com uma construção dividida entre cozinha/refeitório e banheiro com três vasos sanitários com descarga, tudo funcionando. Pagam-se 10 soles por pessoa pela manutenção desse local. Além de nós havia mais um grupo com guia e os três franceses. 

Enquanto comíamos e colocávamos as conversas em dia, a neve voltou a cair. E dessa vez veio com toda força e cobriu toda a paisagem de branco. De vez em quando era prudente bater as barracas para não acumular muita neve e forçar as varetas. 

Nessa noite nosso chef fez um bolo como sobremesa, algo impensável num acampamento. Pelo cansaço do dia nessa noite dormi bem, ao contrário das noites seguintes.

Nesse dia caminhamos 20,6km.


ImagemVista do Passo Palomani

3º DIA - 11/08/16 - DA LAGUNA AUSANGATECOCHA AO ACAMPAMENTO JAMPA

As fotos estão em https://goo.gl/photos/FyphJCsSAEydU1sZA.

A temperatura mínima nesta noite foi de -3,5ºC fora da barraca. Ao sair da barraca de manhã estava -2,5ºC.

Por sorte amanheceu um dia ensolarado (pela primeira vez!) e logo começou a derreter a grossa camada de neve que se formou durante a noite. Finalmente tivemos um dia de sol e céu azul para tornar mais bonita a paisagem. E o dia de hoje foi um passeio comparado com a maratona de passos de quase 5000m de ontem.

Começamos a caminhar às 8h27 na direção da Laguna Ausangatecocha, a qual contornamos pela direita. Já iniciamos o dia com a subida do Passo Palomani, o mais alto do circuito, de 5112m de altitude (455m acima do acampamento). Subimos lentamente pelo caminho pisado na neve pelos três franceses. Eu alcancei o passo às 10h11 e esperei o restante do grupo. Tiramos muitas fotos pois o dia estava realmente bonito, com o Nevado Ausangate bem ao nosso lado. Iniciamos a descida todos juntos às 11h12 e o Nevado Santa Catalina (ou Mariposa) foi se destacando na paisagem, tanto que descemos um pouco à esquerda para observá-lo juntamente com a trilha de sua aproximação pela imensa moraina. Também desse ponto contemplamos uma laguna que estava com coloração rosa e o lodge Machuracay, que serve como apoio para escalada do Santa Catalina.

Descemos só mais um pouco e às 11h57 encontramos a nossa tenda refeitório armada e a equipe preparando o nosso almoço. Achei até um pouco de exagero armar toda aquela estrutura e preparar um almoço completo enquanto podíamos apenas fazer um lanche reforçado, mas o tempo estava sobrando nesse dia e o Cirilo sabia administrar bem isso. O almoço demorou um bocado, enquanto isso curtíamos a paisagem finalmente iluminada pelo sol e jogávamos conversa fora.

Reiniciamos a pernada às 14h13 ainda descendo bastante e passamos por um pequeno conjunto de casas cobertas de palha com seus infalíveis currais de pedra. O que me chamou a atenção ali foi o uso de vidro nas janelas, apesar da simplicidade das casas. O lugar se chama Uchuy Finaya.

Ao final da descida chegamos a um enorme vale que se abria para a direita (Pampacancha), porém fomos em direção às nascentes, à esquerda. É o Rio Jampamayo, que ainda acompanharíamos até a subida do Passo Jampa no dia seguinte. Cruzamos um riacho e em seguida o acompanhamos por uma trilha ao longo de um muro de pedra. Passamos por uma área alagadiça e na subida que se seguiu algumas cachoeiras se destacavam. Às 16h20 tivemos a primeira visão do Nevado Três Picos, ao fundo do largo vale onde seria nosso terceiro acampamento.

O sol já se escondia atrás das montanhas desse vale e o frio chegava com tudo. Aceleramos um pouco e chegamos ao acampamento Jampa às 16h38. Altitude de 4598m.

Esse acampamento tem uma construção idêntica à do acampamento Ausangatecocha porém está abandonada. A cozinha e os três banheiros estão sem condições de uso. Dessa forma nossa tenda cozinha/refeitório foi montada para o jantar e o banheiro tinha que ser atrás das pedras maiores do entorno, onde grandes grupos de viscachas corriam de um lado a outro. O que assusta um pouco nesse local é a enorme moraina bem ao lado, que deve vir abaixo, pelo menos em parte, em épocas de chuva. Havia apenas mais um grupo nesse acampamento, que é bem grande. Os franceses haviam adiantado o passo e não dormiram ali.

À noite tive dificuldade para dormir, como costuma acontecer nessa altitude. Acabo passando grande parte da noite acordado. Mesmo com o nariz desobstruído tinha alguma dificuldade para respirar quando na posição horizontal.

Nesse dia caminhamos 11,1km.


ImagemNevado Três Picos visto do Passo Jampa

4º DIA - 12/08/16 - DO ACAMPAMENTO JAMPA ÀS ÁGUAS TERMAIS DE PACCHANTA

As fotos estão em https://goo.gl/photos/MkqVTLAsNXTyKEfM6.

A temperatura mínima nesta noite foi de -4,3ºC fora da barraca. Ao sair da barraca de manhã estava -1,5ºC.

De manhã a visão do Nevado Três Picos no fundo do vale era ainda mais impressionante, banhado de sol. Mas esse sol não nos acompanharia o dia todo, muito pelo contrário...

Deixamos o acampamento às 8h novamente com uma longa e difícil subida, a do Passo Jampa (ou Campa), de 5069m (471m acima do acampamento). Com 45 minutos de caminhada surge à esquerda dos Três Picos o Nevado Callangate e numa curva suave na encosta da montanha é para ele que vamos nos dirigir. A subida difícil exigiu uma parada para retomar o fôlego e reagrupar os integrantes. Anna e Javier sentiam bastante a subida. Ele e Carolina chegaram a usar o cavalo por um trecho. 

Depois a subida se torna mais branda e atravessa partes de desmoronamento, com pedras soltas. Às 10h40 começam a aparecer as apachetas (totens de pedra) e com mais 5 minutos chegamos ao mirante do Passo Jampa (ainda não é o ponto mais alto), de onde se tem uma visão espetacular do Nevado Callangate, com destaque para os picos Caracol e Puca Punta, bem de frente e do outro lado do vale. Surpreendentemente uma senhora solitária vende ali no meio do nada o seu artesanato.

Desse mirante também temos visão a oeste do enorme vale que nos levará à vila de Pacchanta, um pouco distante ainda. E a leste o Nevado Três Picos vai ficando para trás.

Deixamos o mirante às 11h18 e ainda subimos mais 300m de trilha para atingir os 5069m de altitude do Passo Jampa, logo iniciando a descida, na qual voltamos a visualizar o Nevado Ausangate, agora por sua face norte.

Na chegada ao acampamento Pachaspata (para aumentar a confusão de nomes, há uma placa ali em que se lê "área de camping Jhampa"), às 12h03, mais três mulheres tinham seu artesanato à venda em panos sobre a grama. Para o almoço dessa vez não foi montada a tenda, a equipe aproveitou o abrigo de algumas pedras para cozinhar. Porém ao final da refeição o tempo virou, o sol sumiu, vieram nuvens pesadas e começou a nevar. Vestimos as roupas de chuva e voltamos a caminhar às 13h. Foi uma longa e interminável descida em direção a Pacchanta com a neve batendo no rosto e no peito, algo nada agradável. Várias lagunas passaram à nossa direita mas não fotografei nenhuma para não prejudicar a câmera. Às 14h20 a neve deu uma trégua e a paisagem estava completamente mudada de novo. Tudo branco em volta, céu cinzento e as montanhas encobertas por neblina. 

Chegamos à vila de Pacchanta às 15h17 e fomos diretamente ao Hostal e Camping Ausangate. Altitude de 4336m. A garota que cuida nos mostrou os quartos e eu acabei optando por dormir na barraca mesmo. Mas ali comecei a não me sentir bem. Todo o grupo foi para as piscinas termais e eu só queria ter a barraca montada para deitar e me aquecer. Sentia inclusive calafrios, sinal de que alguma coisa estava errada. Dormi até a hora do jantar, não participei do lanche da tarde pois estava indisposto e não tinha fome.

À noite tive dificuldade para dormir de novo, sentia falta de ar ao deitar. 

Nesse dia caminhamos 16,3km.


ImagemÁguas termais em Pacchanta

5º DIA - 13/08/16 - DAS ÁGUAS TERMAIS DE PACCHANTA DE VOLTA A TINKE

As fotos estão em https://goo.gl/photos/BfoD9gV3jP5XbAAfA.

A temperatura mínima nesta noite foi de -3,2ºC fora da barraca. Ao sair da barraca de manhã estava -1ºC.

Deixamos a vila de Pacchanta às 8h felizmente com sol novamente nesse último dia de caminhada, que seria quase todo por estradas de terra e a maior parte em descida. Para trás, a linda visão das montanhas que percorremos deixou uma vontade de termos tido dias mais bonitos para curti-las melhor.

Ao passarmos por pequenos povoados muitas crianças vinham na nossa direção pedindo "caramelos", e assim nos livramos de balas e doces dos pacotinhos do lanche de trilha.

Em determinado ponto, às 10h30, deixamos a estrada de terra e pegamos uma trilha à direita que serviu de atalho para nos levar até a cidade de Tinke, aonde chegamos às 11h. Cirilo e sua equipe deixaram uma parte do equipamento numa casa ali e nossa bagagem foi carregada na van contratada para nos levar de volta a Cusco. Ali demos a Cirilo as propinas (gorjetas), que ele dividiu com a equipe. Partimos às 11h23, paramos em Ocongate para uso dos banheiros (e assistir a um casamento na praça principal) e refizemos o mesmo trajeto de volta a Cusco, aonde chegamos às 16h25.

Só para constar, aqueles calafrios e indisposição sentidos na última noite eram o princípio de uma infecção urinária que tive de tratar depois em Cusco com antibióticos, após uma consulta médica. Só quem já ficou doente numa viagem de férias em outro país sabe como isso é horrível.

Nesse dia caminhamos 11,1km.
Total do Trekking Ausangate com Cerro de Colores: 73,3km.

Informações adicionais:

contato do guia Cirilo:
cigohotrek@hotmail.com
cel: 984-495578
http://gonzalotrekausangate.blogspot.com

Rafael Santiago
agosto/2016

Vista desde o sul. Cada cor representa um dia do trekking.

Vista desde o leste

Vista desde o norte

Vista desde o oeste