sábado, 18 de agosto de 2012

Travessia Diamantina-Mendanha pelo Caminho dos Escravos (Serra do Espinhaço-MG) - jun/12

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Vale do Córrego Palmital, na descida da serra para Mendanha

Aviso importante: ao tentar refazer o trecho inicial dessa travessia em 1/maio/2015, fui alertado pelos moradores da periferia de Diamantina de que estão ocorrendo assaltos no início da trilha, logo depois das últimas casas do bairro. Um assalto a mão armada a um grupo havia ocorrido naquela mesma manhã. Com isso, fui obrigado a dar uma grande volta e retomar a travessia no km 585 da rodovia BR-367, já depois do Calçamento dos Escravos, ponto turístico da cidade.

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaDiamantinaMendanhaPeloCaminhoDosEscravosMGJun12.

O Caminho dos Escravos foi construído no século 18 para escoar a produção de diamantes de Mendanha para Diamantina. No começo do século 19, Mendanha possuía um dos maiores serviços de extração de diamantes da região. Além das pedras, as mercadorias que também eram trazidas pelos tropeiros eram comercializadas no mercado de Diamantina. Mendanha é ainda hoje um distrito de Diamantina.

O Caminho dos Escravos inicia oficialmente no Mercado dos Tropeiros de Diamantina, onde uma placa informa que o percurso tem 20km e o tempo médio de caminhada é de 8 horas, com nível de dificuldade médio. Ele atravessa a porção leste do Parque Estadual do Biribiri, criado em 1998 e administrado pelo IEF (www.ief.mg.gov.br/areas-protegidas/200).

Essa placa com informações sobre o trajeto está colocada justamente no topo da ladeira que se deve descer, a Rua Burgalhau, para começar a travessia até Mendanha. Dei início à caminhada às 7h37 descendo essa rua, que entronca na Rua Espírito Santo e continua com o nome de Rua do Areião. Pegando a direita na bifurcação seguinte é só seguir até o fim da rua, subir à direita a Rua São Vicente e entrar na primeira à esquerda, Rua do Areião de novo. Há placas em quase todo esse trajeto.

Essa última rua vai se estreitando entre as casas bem pobres até virar uma trilha (7h55) que sobe com algumas variantes, enquanto a vista panorâmica da cidade vai se ampliando atrás de mim. Às 8h25 alcanço o início do trecho mais famoso do caminho, o calçamento largo de pedras com muro de sustentação em degraus que sobe a Serra dos Cristais. Passado o primeiro ponto de água, às 8h42 atravesso a rodovia BR-367 e continuo em frente (norte), caminhando por trilha larga, onde uma placa me diz que a partir daquele ponto eu estava entrando no Parque Estadual do Biribiri. Em 10 minutos um mirante proporciona a última vista de Diamantina. Daí em diante o caminho tem a forma ora de trilha ora de estradinha de terra e o calçamento de pedras só voltará na descida da serra próxima a Mendanha.

Às 9h16 uma placa ordena que eu abandone a estradinha deserta em favor de uma trilha à esquerda, cruzando outra estrada de terra logo em seguida. À direita surge o campus JK da UFVJM (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri), que será visível durante boa parte da caminhada (o que contribui para quebrar o clima "selvagem" da travessia, na minha opinião). Às 9h47 mais um ponto de água e oito minutos depois cruzo outra estrada de terra. Às 10h33 fiquei em dúvida numa bifurcação por causa de uma placa com os dizeres "não use atalhos". O ramo da direita (nordeste) me pareceu um atalho, então segui para a esquerda (norte). Andei cerca de 600m e, como sempre acontece comigo, um anjo da guarda surge do nada para ajudar. Quando já estava descendo encontrei um senhor, morador local, subindo, e ele me informou que eu havia pegado o lado errado na bifurcação, era para a direita mesmo. Sanado o erro, volto a caminhar para nordeste e descer (depois, observando melhor o gps, notei que aquela trilha para o norte me levaria à vila de Biribiri, o que também seria um passeio bem interessante). Às 10h50 cruzo o Córrego Soberbo e entro à direita na placa para conhecer o Pocinho.

Às 11h17 a trilha entronca numa estradinha vinda da direita. Na sequência uma bifurcação em que vou para a direita e passo ao lado da sede da Fazenda Duas Pontes (à minha direita). Atravesso uma cerca, um portão de ferro e sou observado por curiosos cavalos quando atravesso o pasto. Às 11h40 desço ao Córrego Palmital (que acompanharei, mesmo a distância, até a descida da serra de Mendanha) e na subida seguinte deparo com as ruínas dos muros de pedra da antiga Fazenda Duas Pontes, com placa explicando a sua importância como pouso para os viajantes do passado. Menos de 100m depois da placa, uma bifurcação imperceptível causou alguma confusão. O caminho bem batido vai para a direita, acompanha um riacho e simplesmente desaparece de repente. Fui e voltei procurando outra trilha até chegar à conclusão que havia uma bifurcação apagada e tentei caminhar para a esquerda (norte) em alguns pontos até que reencontrei a trilha mais marcada adiante. Depois de um colchete, parei no riachinho seguinte para um lanche. Estava bem no meio da travessia, com 13,8km andados.

Às 12h54 uma placa sinaliza à esquerda o Poço Verde a 700m e não abri mão de conhecer esse tranquilo e isolado recanto do Córrego Palmital, ficando algum tempo ali. Às 13h53, já de volta à trilha principal, tive algum trabalho para atravessar um charco sem afundar as botas, mas vencido esse obstáculo topei com uma interessante lapa que servia de abrigo aos tropeiros, segundo a placa explica. Continuando a marcha para o norte por larga trilha alcancei às 14h19 um local chamado Graças a Deus, onde os antigos viajantes agradeciam por ter atingido o alto da serra com segurança. Significava que a partir dali eu começaria a descida para Mendanha, novamente com calçamento de pedra, mas não tão caprichado quanto aquele da subida da serra em Diamantina. Com uns 200m de descida, ouvi vozes à esquerda junto com barulho alto de água e me aproximei do Córrego Palmital para apreciar as quedas d'água. É o mesmo rio que venho acompanhando desde a Fazenda Duas Pontes, só que agora todo encachoeirado pelos sucessivos patamares de seu leito rochoso despencando serra abaixo. Serra essa que proporciona amplas e bonitas vistas do vale do Palmital e da Serra de Santa Apolônia à esquerda. Depois de duas bicas de água e dois trechos de engenhosos ziguezagues de pedra, às 15h32 uma placa anuncia mais cachoeiras 500m à esquerda. Desci ao Palmital para conferir e as quedas mais altas estavam alguns metros rio acima. Retomada a descida, às 16h30 uma ponte de madeira caída obriga a descer ao leito do rio e subir do outro lado, mas nada complicado. Passei por dois cruzeiros que marcam locais de tragédias ou acidentes, conforme ensina uma das placas. Entre eles, às 16h39, o último riachinho para pegar água e 12 minutos depois alcancei a primeira casa desde a fazenda, porém bastante isolada. Pelo desenho do contorno do parque mostrado nas placas, acredito que já estava saindo de seus limites. Mais dois minutos e caio numa estradinha que vem pela direita, mas caminho por ela apenas 270m para entrar em outra trilha à esquerda. Na descida a primeira visão de Mendanha, bem pequena. Às 17h15 outro charco e em mais 4 minutos alcanço uma rua de terra depois de cruzar uma porteira ao lado de uma casa, final do Caminho dos Escravos. Uma placa ali indica 19,8km de caminhada. Peguei a rua à direita e cheguei em instantes à igreja do povoado, onde desci as escadarias e cruzei a longa ponte sobre o Rio Jequitinhonha com o sol se pondo, às 17h37. Segui o caminho natural da rua para a direita e alcancei a BR-367 e o posto de combustível Mendanha às 17h51, onde esperei pelo ônibus para retornar a Diamantina. Uma kombi-lotação passou primeiro e foi nela que embarquei (R$5).

No total, com desvios para ver cachoeiras e poços, caminhei 26,6km.

Observação: para fazer essa caminhada sozinho, perguntei a moradores sobre a segurança na periferia de Diamantina. O que me disseram é que o risco de assalto durante o dia é mínimo, porém para evitar andar por ali à noite (no caso de fazer a travessia ao contrário).

Informações adicionais:

Algumas altitudes:
. em Diamantina: 1215m
. em Graças a Deus: 1113m
. em Mendanha: 705m
. altitude máxima do dia: 1422m (logo depois do último mirante de Diamantina)
. altitude mínima do dia: 687m (na ponte do Jequitinhonha)

Horários de ônibus:

. de Mendanha a Diamantina - 7h05 (seg a sáb - Pássaro Verde), 7h25 (seg a sex - Pássaro Verde), 7h30 (seg a sáb - ônibus municipal), 7h35 (Pássaro Verde), 7h55 (Pássaro Verde), 10h25 (Gontijo), 11h15 (dom a sex - Pássaro Verde), 11h35 (Pássaro Verde), 11h55 (dom - Pássaro Verde), 18h25 (Pássaro Verde), 19h13 (Transnorte), 23h05 (Pássaro Verde), 23h40 (Pássaro Verde), 23h55 (Gontijo)

. de Diamantina a Mendanha - 6h (Transnorte e Pássaro Verde), 11h45 (seg a sáb - Pássaro Verde), 12h30 (sáb - ônibus municipal), 13h (seg a sáb - Pássaro Verde), 13h50 (Gontijo), 14h30 (seg a sex - ônibus municipal), 14h45 (seg a sex - Pássaro Verde), 15h (Pássaro Verde e sáb-municipal), 15h30 (seg a sex - ônibus municipal), 16h (dom - Pássaro Verde)

Sites das empresas:
www.passaroverde.com.br
www.transnorte.com.br
www.gontijo.com.br

Carta topográfica de Diamantina (http://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza ... -A-III.jpg).

Rafael Santiago
junho/2012

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Travessia Diamantina-Rodeador pela Trilha Verde da Maria Fumaça (Serra do Espinhaço-MG) - jun/12

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Serra do Pasmar

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaDiamantinaRodeadorPelaTrilhaVerdeDaMariaFumacaMGJun12.

A estrada de ferro Corinto-Diamantina é um ramal da Linha do Centro da Estrada de Ferro Central do Brasil aberto na década de 1910 e que esteve em funcionamento até o início dos anos 1970. Hoje restam apenas o traçado da ferrovia e raros dormentes em alguns pontos isolados, além das estações, é claro. Os trilhos foram todos retirados.

Decidi caminhar o trecho entre a BR-367 e o povoado de Rodeador, pois era o que parecia ser mais interessante em termos de paisagem e porque tinha certeza do percurso. Isso daria três dias de caminhada. A inspiração para esse projeto veio da revista Aventura Já (edição nº 7, de 2004) do Sérgio Beck.

1º DIA: DE BANDEIRINHA AO PONTILHÃO GRANDE

Para chegar ao ponto inicial peguei no Serro um ônibus para Diamantina e desci no km 603 da BR-367 (16km antes da rodoviária de Diamantina), numa localidade chamada Bandeirinha, que pertence a Diamantina. Ajeitei a mochila, atravessei a rodovia e entrei às 9h18 na estradinha de terra do lado esquerdo de uma casa bem em frente ao ponto do ônibus. Atravessei as casas do pequeno bairro, bastante humilde, e em meia hora a paisagem começou a se abrir à minha direita, revelando os interessantes contornos da Serra do Pasmar. Às 10h19 me deparei com uma enorme e profunda erosão, resultante da ação de garimpo, que levou toda a estrada. Pouco antes havia encontrado o morador de um sítio próximo que me disse que até pouco tempo atrás ainda se praticava o garimpo ali. Após o trecho de erosão a estrada deu lugar a uma trilha já que carro nenhum consegue passar. Desprovido dos trilhos e dormentes, a evidência que restou de que naquele caminho um dia apitou a maria-fumaça são os cortes que agora começam a aparecer, verdadeiros corredores abertos a picaretas e explosivos nas montanhas rochosas para passagem da estrada de ferro.

Às 11h22 encontrei o primeiro ponto de água. Menos de 200m depois, uma estrada de terra entronca à esquerda, vindo da rodovia também. A caminhada sob o sol forte nessa estrada não foi muito agradável, mas felizmente não demorei a avistar o povoado de Barão de Guaicuí após alguns sítios. Às 12h14 cruzei o Córrego do Capão, largo e bem raso, que fica aos pés do povoado e subi uns 100m até a antiga estação do trem, que não se encontra em bom estado de conservação. Pelas frestas das portas vi que estava ocupada por material de construção. Visitei a igreja do vilarejo, que pertence ao município de Gouveia, e continuei a minha travessia na direção noroeste, do outro lado da estação, às 12h32. Ali me deparei com algumas placas sinalizando a travessia até Conselheiro Mata (a 39km), o que para mim foi uma surpresa pois achava que ninguém fazia essa caminhada. O calor estava muito forte e comecei a desconfiar da escassez de água do caminho, o que me fez parar no último bar do povoado para abastecer os cantis. Cerca de 1km depois da estação, uma bifurcação à direita leva à Cachoeira do Barão, a apenas 300m, formada pelo mesmo Córrego do Capão. Desci até ela rapidamente para algumas fotos e prossegui. Às 13h37 chegou o momento que me deixava mais apreensivo, o primeiro dos pontilhões. Mas não foi difícil, apenas não me arrisquei a andar pela estrutura de ferro estreita já que não sou equilibrista nem nada e a altura é considerável. Desci ao riacho (Córrego Tamanduá, afluente do Capão, segundo a carta topográfica), atravessei-o e subi de volta.

Continuando, às 14h23 cruzei uma cerca e logo apareceu o segundo pontilhão, esse parcialmente coberto por uma camada de terra, com alguns blocos já desabados. Do outro lado, surge um rapaz numa moto. Eu não senti confiança em pisar nos blocos de terra e desci à direita até o riacho (Córrego Mangabeira, afluente do Rio Pardo Pequeno), atravessei num ponto mais raso e parei para um lanche e para pegar mais água. O rapaz foi e voltou procurando o melhor lugar e no fim tentou passar no mesmo lugar que eu, porém a moto afundou. Ele conseguiu fazê-la pegar de novo, mas não conseguia subir o barranco escorregadio. Tentei ajudá-lo mas o tempo foi passando e precisei ir embora. Voltei a andar às 15h04 e olhei para trás algumas vezes para ver se ele tinha conseguido. Quando já estava bem distante, vi que ele voltou ao caminho e se foi.

Daí em diante comecei a achar o caminho um tanto monótono, sem atrativo especial nenhum. Um trajeto assim tão longo e plano vale mais a pena ser percorrido de bicicleta, na minha opinião.

Às 15h30 passei a acompanhar à minha direita o Rio Pardo Pequeno, cujo assoreamento formou praias mais largas que o próprio curso d'água. Mas para quebrar a monotonia de vez, surge "a mãe de todas as pontes" (palavras do Beck), o pontilhão grande. Esse deu trabalho. Antes dele, já começaram a surgir os contratempos. É que a trilha penetrou num corte na rocha alta e começou a fechar de tanto mato, e ainda com charco. Insisti um pouco mas não deu. Voltei e entrei num colchete à direita e comecei a seguir um caminho bem largo, que deve ter sido por onde a moto veio. Porém percebi que estava me afastando do rio e do pontilhão, por isso deixei a quase estradinha e atravessei o capim e mato mais baixo até voltar ao Pardo Pequeno, já um pouco abaixo do pontilhão, às 16h07. Explorei um pouco os arredores para planejar qual seria a forma mais segura de atravessar o rio, largo e um pouco fundo. Passar pelo pontilhão estava fora de cogitação. Teria de entrar no rio mesmo, mas num ponto em que pudesse encontrar a continuação do caminho do outro lado, o que não era evidente. A margem do meu lado era formada por lajes de pedra e uma área extensa de rochas soltas mais abaixo, por onde andei uns 150m até encontrar um ponto mais raso e de correnteza mais fraca que parecia conveniente. Do outro lado parecia possível voltar ao percurso da linha férrea. Pois bem, tratei de arranjar dois cajados como apoio, tirei as botas e atravessei de meias, técnica que aprendi no Monte Roraima para evitar escorregões nas pedras molhadas e lisas. E assim cruzei o rio com água pelos joelhos e no horizonte à esquerda um por-de-sol espetacular, que corri para fotografar assim que alcancei a outra margem. Pelo horário avançado, estabeleci residência no primeiro gramado que encontrei, exatamente entre o rio e o leito da antiga estrada de ferro.

Nesse dia caminhei 20,8km.
Altitude em Bandeirinha: 1370m
Altitude no pontilhão grande: 1157m
Altitude máxima do dia: 1370m
Altitude mínima do dia: 1133m

2º DIA: DO PONTILHÃO GRANDE A CONSELHEIRO MATA

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Pontilhão grande

Desmontado o acampamento, comecei a andar às 8h10. O caminho estava todo tomado por um bonito capim baixo que não atrapalhava em nada o caminhar e ainda lhe dava um toque de beleza. Comecei a me aproximar de uma serra que chamou a atenção por possuir uma grande fenda de alto a baixo bem no centro. Mas às 9h16 sou surpreendido por outro pontilhão (quantos mais será que há, me perguntava) que nem era tão extenso, mas por segurança desci ao rio (Córrego Mocambo, afluente do Pardo Pequeno), como nas três vezes anteriores. Porém não foi tão simples, o rio tinha charcos nas margens e no salto que dei molhei as botas e um pouco os pés (a perneira ajudou a não entrar muita água nas botas). Continuei me aproximando da tal serra rachada e também de uma plantação de eucaliptos, mas o caminho desviou para a direita e às 10h02 alcancei a vila de Mendes, apenas cinco casas e um pequeno depósito da antiga ferrovia. A trilha virou estrada de terra e poucos minutos depois das casinhas simples da vila, surpreende ver uma grande e bonita casa de fazenda exatamente onde a estrada de terra e o trajeto do trem se separam, a primeira sumindo numa curva para a direita e o antigo caminho do trem seguindo em frente. E subindo, o que começou a tornar a paisagem do Rio Pardo Pequeno (que vinha acompanhando desde ontem à tarde) mais bonita e larga à esquerda. Atingi o alto dessa serrinha lá pelas 11h e o terreno voltou a ficar completamente plano.

Passados alguns colchetes e plantações de eucalipto, às 11h53 o caminho é interrompido por um desmoronamento dentro de um corte, onde bastou desviar pela direita e retomar a reta do trem. Nesse desvio me aproximei do Ribeirão das Varas (um bom local para pegar água) e dele não vou me afastar mais até Conselheiro Mata e ainda além, até quase o final da travessia, embora nem sempre ele seja visível. Até as 13h12 encontrei mais dois pontos de água e uma surpresa: restos de alguns dormentes num local mais molhado. Mais dois bons locais para apanhar água (de repente ela se tornou abundante) e surgem mais alguns vestígios de dormentes às 14h04. Os pontilhões felizmente acabaram, restaram até aqui duas pequenas pontes sobre valas de água facilmente transponíveis.

Às 14h29 alcanço uma casa amarela com vacas ao redor e percebo que estou chegando a um sítio pelos fundos já que logo à frente há uma cerca e uma porteira trancada que dá para uma estrada de terra. Passei por baixo da cerca e segui bem em frente, atravessando a estradinha. Depois disso, às 15h20 um vale à minha direita me dizia pelo som da água que eu estava me aproximando novamente do Ribeirão das Varas, mas quando o barulho tornou-se mais forte desci pelo capim para dar uma espiada e tive a grata surpresa de encontrar uma das belas quedas que ficam acima da Cachoeira do Tombador. De volta ao meu caminho acompanhei o rio descendo e às 15h50 abriu-se à direita um grande e verde vale com o traçado bem nítido da estrada de ferro na outra encosta. Ao fazer a curva no fundo desse grande vale e passar para a outra encosta comecei a ter visão da cachoeira de frente, um pouco distante, no meio da mata. Passei por dois fossos que devem ser de escoamento de águas e um deles era bem fundo, o que exigiu contornar pela mata à esquerda. Entre esses fossos apanhei água para a noite pois já pretendia arranjar algum lugar para montar acampamento. Às 17h me vi caminhando numa estrada de terra e comecei a passar pelas primeiras casas uma vez que me aproximava do povoado de Conselheiro Mata. Aproveitei para acampar por ali mesmo enquanto havia bastante espaço para isso.

Nesse dia caminhei 27,6km.
Altitude no pontilhão grande: 1157m
Altitude em Conselheiro Mata: 974m
Altitude máxima do dia: 1230m
Altitude mínima do dia: 974m

3º DIA: DE CONSELHEIRO MATA A RODEADOR

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Cachoeira no Ribeirão das Varas

Levantei acampamento bem cedo e às 6h45 já estava de volta à estradinha, que em meia hora me levou à antiga e pequena estação do trem, muito bem conservada. Continuando mais 10 minutos, saí do caminho do trem para uma pausa em Conselheiro Mata, distrito de Diamantina, para conhecer algumas cachoeiras e conversar com o Geraldo Kussu, dono do Buteko e Restaurante do Kussu.

Desci portanto na primeira rua à direita, atravessei a ponte sobre o Ribeirão das Varas (ponte improvisada uma vez que a oficial estava em obras) e virando à esquerda cheguei ao bar do Kussu. Ele estava servindo o café da manhã para uma hóspede sua que estava ali a trabalho (ele tem uma pousada também) e me convidou para acompanhá-la. Ele me falou das 15 cachoeiras das redondezas e dos caminhantes que passam por ali assim como eu. Me mostrou o exemplar da revista que o Beck lhe enviou de presente, onde ele é citado. Com suas dicas, fui conhecer as cachoeiras mais próximas. Primeiro fui ao Poço das Borboletas, entrando na rua à esquerda da igreja e seguindo à direita na bifurcação. A estradinha sobe, desce e quando o Córrego do Açougue a atravessa (a 1,6km da igreja) é só descê-lo à esquerda para encontrar as quedinhas e os poços. Depois voltei até a bifurcação perto da igreja e entrei nela à direita, passando por uma construção grande que disseram ser uma casa de repouso. Logo a estradinha vira uma trilha que desce diretamente à linda Cachoeira das Fadas, escondida no meio da mata, com grande poço de cor verde. Muitas fotos depois, voltei 1,2km até o bar do Kussu, peguei informações com ele sobre a continuação do caminho do trem até Rodeador e zarpei.

Importante aqui é provisionar toda a água para o restante do dia pois não há nenhum riacho ou fonte de água confiável até Rodeador, exceto pelas raras casas em que o morador possa fornecer.

Voltei até a esquina da rua da estação, atravessei a cerca à direita e continuei minha travessia às 10h46. Notei de cara, pelo mato na trilha, que esse trecho é bem menos usado. Após uma porteira e um colchete (com cadeado!) me aproximei do Ribeirão das Varas à direita e pude ver nele uma pequena barragem. Logo em seguida, às 11h08, uma placa bem velha indicava a descida ao Poço do Triângulo, mas não fui explorar por falta de tempo. Em seguida, descrevo uma curva para a esquerda (sul) e me afasto do Ribeirão das Varas por alguns quilômetros ao mesmo tempo em que o horizonte começa a se abrir à direita revelando um grande vale verdejante com uma serra ao fundo. Às 11h27 uma placa apontava à direita o acesso para a Cachoeira das Andorinhas, mas de novo deixei para uma outra ocasião. A trilha entronca numa estrada que vem da esquerda e exatamente ali fica o Templo da Mãe Terra, um dos quatro templos filosóficos-ecléticos-naturalistas de Conselheiro Mata (www.agarthy.org.br). Passadas mais duas casas, me deparo às 11h53 com uma porteira com cadeado fechando completamente a estrada e com a seguinte placa: Agarthy - propriedade particular - entre somente com autorização. Não dei bola e atravessei pela lateral com arame farpado. Passei pelo agradável e tranquilo Lago dos Ciprestes e depois por casinhas redondas que são parte do santuário. Atravessei um trecho de mata e quando a paisagem novamente se abriu avistei um belo templo de cúpula dourada no alto da colina à direita, o Templo de Kali.

Às 12h23 me reaproximo do meu velho conhecido Ribeirão das Varas à direita. Dez minutos depois passo por baixo de uma cerca que corta o caminho na diagonal e entro num corte feito na rocha alta que estava bastante tomado pelo mato. Ao sair dele sou surpreendido pelo som alto de água - era simplesmente a cachoeira mais linda de toda a travessia, uma enorme queda do ribeirão em forma de véu sobre a parede rochosa escura envolta pela mata densa, um espetáculo!

Por volta de 1km depois da cachoeira, o leito desenha outra curva para a esquerda (sul), me afastando do Ribeirão das Varas por alguns quilômetros novamente, e começa uma descida de serra com amplos horizontes, confirmando que esse é mesmo o segmento mais bonito dessa caminhada. Depois de passar por outro desmoronamento e cruzar um colchete, me vejo entrando às 13h41 pelos fundos de um curral com algumas casas na sequência. Ali atravessei uma estrada de terra e para continuar em frente passei por uma porteira. Cruzei outra estrada de terra, uma porteira de ferro fechada com uma corda, bonita paisagem à esquerda e às 14h24 passo por uma cerca para cair na estrada já atravessada anteriormente, aquela perto das casas com curral. Andei 450m para a esquerda por ela e tomei a direita na primeira bifurcação. O caminho à esquerda seria bem mais curto para chegar a Rodeador mas o traçado da antiga ferrovia era para a direita mesmo. E valeu a pena ser rigoroso com isso pois ali encontrei um ambiente completamente diferente, com vegetação que lembrava mais a caatinga que o cerrado e muitas formações rochosas negras e pontiagudas. Algumas árvores teimavam em crescer sobre essas paredes de rocha e as raízes se espalhavam desesperadas por um ponto de apoio que as sustentasse. Observei que algumas trilhas penetravam nesse emaranhado de pedras e árvores, o que devia render um passeio bem interessante. A paisagem à direita também chamava a atenção, com o profundo vale do Ribeirão das Varas (ele de novo!) e na distância uma grande lavoura de formato circular.

Às 15h32 reencontro a estrada que abandonei na última bifurcação mas ando por ela apenas 65m para continuar à direita na bifurcação seguinte, já na "reta" final para o povoado de Rodeador (distrito do município de Monjolos), aonde cheguei às 15h50.

Pensei em tirar apenas algumas fotos do lugar, principalmente da estação ferroviária, e seguir direto para Diamantina, porém não havia mais ônibus e minha tentativa de carona foi frustrada, apesar de metade do vilarejo saber que um forasteiro (eu!) estava à procura de carona. Restou-me passar a noite na casa/pensão da Sandra e tomar o primeiro ônibus para a "cidade grande" no dia seguinte bem cedo.

Nesse dia caminhei 25,8km (contando as cachoeiras que visitei em Conselheiro Mata).
Altitude em Conselheiro Mata: 974m
Altitude em Rodeador: 693m
Altitude máxima do dia: 1023m
Altitude mínima do dia: 693m

Informações adicionais:

Horários de ônibus (todos www.passaroverde.com.br):
de Rodeador a Diamantina - seg a sex - 6h15; sab - 6h15 e 9h
de Diamantina a Rodeador - seg a sab - 15h30

de Rodeador a Curvelo - seg, sex, sab - 7h45; ter, qua, qui - 6h15 e 7h45
de Curvelo a Rodeador - seg a sex - 15h30; sab - 13h

de Conselheiro Mata a Diamantina - seg a sex - 6h30; sab - 6h30 e 9h15
de Diamantina a Conselheiro Mata - seg a sab - 15h30

de Conselheiro Mata a Curvelo - seg a sex - 6h e 7h30; sab - 7h30
de Curvelo a Conselheiro Mata - seg a sex - 15h30; sab - 13h

Alguns gastos dessa travessia:
. ônibus Serro-Bandeirinha - R$16,55
. café da manhã muito bom no bar do Kussu (Conselheiro Mata) - R$5
. PF no bar da Valéria (Rodeador) - R$10
. pensão da Sandra (Rodeador) - R$20
. ônibus Rodeador-Diamantina - R$16,45

Para saber tudo sobre as ferrovias brasileiras e em especial sobre o ramal de Diamantina consulte o site www.estacoesferroviarias.com.br/ ... tro_mg.htm.

Carta topográfica de Diamantina (http://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza ... -A-III.jpg).

Rafael Santiago
junho/2012

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Circuito pelo Pico do Itambé (Serra do Espinhaço-MG) - jun/12

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Pico do Itambé visto de Capivari

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/CircuitoPeloPicoDoItambeSerraDoEspinhacoMGJun12.

Subir o Pico do Itambé era um projeto já antigo. Ao descobrir que havia duas trilhas de acesso ao cume, a idéia de uma travessia foi imediata. E que tal voltar ao ponto de partida, a vila de Capivari, passando ao largo do pico por uma tal Trilha dos Tropeiros? Melhor ainda. Para fechar, só faltava mesmo chegar a Capivari a pé. Pronto, estava montada uma pernada de três dias que tinha como protagonista um dos pontos mais altos da Serra do Espinhaço. Na verdade, a idéia era esticar ainda bastante essa travessia para o norte, mas acabou não acontecendo, como contarei mais abaixo.

EM SÃO GONÇALO DO RIO DAS PEDRAS

Cheguei a São Gonçalo do Rio das Pedras, simpático vilarejo que é distrito do Serro, de ônibus às 14h de um sábado. Procurei um lugar para almoçar e me indicaram o bar da Dona Lucília. Foi um achado. O lugar é simplérrimo mas ela recebe com um grande sorriso e prepara parte da comida na hora de acordo com o gosto do freguês. Para acompanhar, fez para mim um delicioso suco com carambolas do seu quintal.

Para fazer a digestão, nada melhor que uma caminhadinha. E depois de andar 10,6km (ida e volta) até a Cachoeira da Grota Seca decidi passar a noite em São Gonçalo e começar a travessia só na manhã seguinte. Ali, assim como em outros povoados da região, há um tipo de hospedagem chamado receptivo familiar (iniciativa do Sebrae Minas) em que uma família recebe o visitante em sua casa e oferece refeições e café da manhã. O hóspede ocupa um dos quartos vagos e divide com a família o restante da casa (o banheiro inclusive). Como almocei no bar da Dona Lucília e ela tem receptivo familiar, resolvi passar a noite em sua casa.

1º DIA: DE SÃO GONÇALO DO RIO DAS PEDRAS A CAPIVARI

Após tomar um super café da manhã no bar da Dona Lucília, dei início à minha caminhada (sob o olhar de espanto dela por eu me aventurar sozinho) às 9h30 subindo a Rua Nova (é a rua do bar dela) e entrando à direita na Rua do Fogo (1092m de altitude). O caminho para Capivari é esse, sem ter como errar. Em poucos minutos as casas ficam para trás e às 10h a rua já virava uma trilha. Alguns trechos de areia fofa, mais chatos de caminhar, e às 10h36 cruzo uma porteira e começo a subir a Serrinha. A trilha bordeja pela esquerda o morro de pedra do qual vinha me aproximando havia algum tempo e alcança a casa do seu Zé e da Dona Maria pelos fundos, onde os cachorros dão o alarme da minha aproximação às 11h22. Fui calorosamente recebido pelo casal, gente simples da roça, e me sentei um pouco em sua sala para um dedo de prosa. Saindo de sua propriedade pela porteira principal às 11h43, não tomo a estrada de terra bem em frente e sim a trilha à esquerda. Depois de dois riachos e duas porteiras, já avisto o povoado de Capivari, mas não pretendo ir até lá e sim rumar direto ao pico. Às 12h39 alcanço uma estrada precária que me leva em pouco mais de 100m à esquerda a um rio um pouco largo, onde demorei algum tempo para encontrar um local de travessia sem precisar tirar as botas. Feito isso, peguei a continuação da estrada na outra margem e toquei para o norte, subindo bastante.

A nebulosidade não permitia saber ao certo onde estava o pico. Depois de dois colchetes, uma outra estradinha que aparece à esquerda deve levar à Cachoeira do Amaral, mas não fui conferir. Me mantive na estrada principal também na bifurcação seguinte e às 14h37 passei pela placa que marca o início da trilha para a Cachoeira do Tempo Perdido. Menos de 200m depois entrei à esquerda numa porteira azul e comecei a descer na direção de algumas casas, mas fui parado por um homem num jipe que me disse que ali era propriedade particular e não o caminho para o Pico do Itambé. Voltei de carona com ele à porteira e à estrada principal e continuei para a esquerda, tomando a esquerda novamente na bifurcação bem próxima (à direita eu desceria para Capivari). Daí a estrada desceu bastante e às 15h20 começaram a aparecer algumas formações rochosas diferentes num local chamado Serra da Bicha, referência às onças da região. Andei uns 800m tirando fotos dessas rochas, cruzei com um morador local com sua mula e em seguida ocorreu algo inesperado. Um rapaz numa moto me parou e perguntou se eu pretendia subir o pico. Respondi que sim e ele disse que sem uma autorização eu não poderia fazer isso. E que eu poderia conseguir a autorização em Capivari. Disse que não adiantava eu continuar pois iria ser barrado na guarita do parque. Diante disso, fui obrigado a voltar até aquela bifurcação que desce ao vilarejo e seguir para lá.

Cheguei a Capivari às 17h05 e procurei o Gonçalo, como orientou o rapaz da moto. Ele me disse que normalmente a subida é agendada com mais antecedência já que um ou dois guarda-parques são deslocados para o cume e que costuma ser acompanhada de um monitor. Mas fez contatos pelo rádio e se esforçou ao máximo para conseguir a autorização para eu subir no dia seguinte. Mostrei-lhe que tinha experiência em trekking e estava bem equipado e ele sentiu confiança em me deixar subir sozinho. Resolvi então fazer a travessia do pico em um dia, descendo à tarde para dormir em Santo Antônio do Itambé e retornando no dia seguinte a Capivari pela Trilha dos Tropeiros, que corre ao sul do pico. Porém combinamos de eu chegar à outra portaria do parque no máximo às 17h, que é o horário de fechamento. Como todos os funcionários se comunicam por rádio, eles iriam monitorar a minha travessia e se eu não aparecesse até esse horário alguém seria incumbido de sair à minha procura. Para facilitar, deixaria a cargueira com ele e subiria só com a mochila de ataque. Mais leve, caminharia mais rápido.

Tudo isso foi conversado na casa do Gonçalo, onde acabei me hospedando também já que ele está no programa de receptivo familiar. Aliás, logo que entrei a sua esposa Noêmi já foi me perguntando se eu queria jantar, antes mesmo de eu saber que ia me hospedar ali. Acomodei-me num dos dois quartos disponíveis para hóspedes e jantei fartamente. A Noêmi faz um suco delicioso de limão-cravo, hortelã e couve, tudo do quintal dela.

Mais tarde andei um pouco pelo povoado para fazer um reconhecimento, mas voltei logo pois ia acordar muito cedo no dia seguinte.

Outra coisa que conversei com o Gonçalo foi sobre a minha intenção de no retorno fazer a travessia dali de Capivari até o Parque Estadual do Rio Preto, 24km ao norte, e ele ficou de ver a autorização para eu entrar naquele parque. Esses dois parques (Pico do Itambé e Rio Preto) são bastante vigiados e já deu para perceber que andar por eles sem ser notado não é muito fácil. No caso do Pico do Itambé, quase todos os dias um funcionário é destacado para subir ao cume, mesmo que não haja visitantes. Na época mais seca, devido ao risco maior de incêndio, os funcionários se revezam 24 horas no cume para monitoramento de toda a área.

Nesse dia, com as idas e vindas, caminhei 22,6km.

Altitude em São Gonçalo do Rio das Pedras: 1092m
Altitude em Capivari: 1178m

2º DIA: DE CAPIVARI A SANTO ANTÔNIO DO ITAMBÉ ATRAVÉS DO PICO DO ITAMBÉ

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Pico do Itambé visto de sua base

O Gonçalo conseguiu para mim uma carona no ônibus escolar que vai até um local chamado Poço Preto, o que me adiantou 6,5km de pernada. Ele passou bem cedo, às 6h, e me deixou no Poço Preto às 6h40 (1205m de altitude). Cruzei um riacho e uma porteira e comecei a longa caminhada do dia por uma trilha com algumas casas afastadas à direita. Vários riachos e porteiras depois, passo às 7h46 próximo a uma outra casa uns 100 metros à esquerda, logo depois de uma pequena cachoeira à direita. Essa travessia tem dois pontos críticos em que é muito fácil errar e o primeiro deles está uns 1000m depois dessa casa, onde a trilha segue bem marcada em frente, subindo, mas o caminho para o pico sai para a direita, entre os troncos fincados de uma antiga cerca. Entrando então à direita, o caminho segue bem largo entre a vegetação alta e voltam a aparecer as rochas de formato estranho. Na segunda porteira, às 8h42, topei com uma placa grande de madeira do Parque Estadual do Pico do Itambé, mas nada de guarita, como haviam me dito.

Logo depois dessa porteira, o ponto mais confuso da subida: o gps me mandava subir à direita porém era uma encosta de pedra vertical e eu não via caminho nenhum para subir. E a trilha continuava bem marcada (e até com variantes) para a frente. Para piorar, o pico continuava completamente encoberto e eu caminhava em meio à neblina. Resolvi seguir uma das trilhas em frente pois eram muito batidas e parecia ser o mais óbvio, ou até mesmo a única opção. Comecei a caminhar por um platô ao norte do pico quando às 9h15 finalmente a neblina resolveu se dissipar e pude ver o Itambé bem perto, uma longa parede rochosa que se estendia de leste a oeste. Imaginei que fosse contorná-lo pela outra extremidade para subir por algum caminho menos íngreme e continuei. Porém comecei a encontrar trilhas em várias direções que desapareciam ao se aproximarem do paredão. Fui e voltei várias vezes, tentando vários caminhos e perdendo muito tempo. Já passava das 10h30 e o horário limite para eu atingir o cume estava próximo pois ainda tinha uma longa caminhada de descida até Santo Antônio do Itambé, tendo de dar sinal de vida na portaria até as 17h. Como última alternativa, decidi procurar a trilha gravada no gps, aquela que supostamente começava na parede após a porteira. E encontrei-a na extremidade oeste (eu tinha ficado batendo cabeça lá do outro lado, na ponta leste) subindo diretamente para o pico, que nessa hora estava bem visível com o céu limpo. Inconformado com o erro e o tempo perdido, desci até a porteira para registrar o caminho correto e saber exatamente em que ponto da encosta de pedra eu deveria ter subido. Um totem ou uma placa ali ajudariam demais.

Ao subir de volta, agora com certeza de atingir o cume, encontrei um guarda-parque que desceu ao meu encontro quando viu que eu estava andando de um lado para o outro. Subimos juntos e a escalaminhada não foi fácil. A subida é forte, íngreme, com bastante trepa-pedra. Há ainda duas passagens bem estreitas no meio dos blocos de pedra em que é preciso tirar até a mochila de ataque. Mas finalmente o terreno nivela e começamos a caminhar por entre uma vegetação bastante diferente devido à altitude. E às 12h36 finalmente alcanço o cume do Itambé, a 2055m, onde duas casas antigas e em mau estado acomodam os funcionários que sobem frequentemente para observar focos de incêndio e monitorar os visitantes que acampam ali. O desnível desde o Poço Preto foi de 850m. A visão é espetacular: para o norte, era possível ver serras, picos e vales a perder de vista, já no quadrante sul a visão era parcial por causa da nebulosidade e não era possível avistar Santo Antônio do Itambé, meu destino final nesse dia. Mas conseguia ver a pequenina Capivari (apenas 490 habitantes!) quase 9km a sudoeste. As nuvens também eram um espetáculo por si só pois, como eu estava acima delas, eram como um mar branco com o céu estupidamente azul acima, tal qual a visão da janela de um avião.

Há também ali no topo um pequeno cruzeiro de concreto, próximo às casas. Várias plaquinhas brancas apontam uma fonte de água, mas não fui até ela.

A vontade era de ficar muito mais tempo, mas a descida seria bem mais longa que a subida. Assim, às 13h08 deixei o cume. O funcionário me falou da sinalização que há nesse lado do pico, que foi bastante útil pois mergulhei na densa neblina logo que comecei a descer. Ele ficou de plantão lá. Às 13h16 encontrei do lado esquerdo da trilha a "pedra do pato", que vinha procurando desde o topo. E às 13h30 a famosa ponte pênsil sobre uma enorme greta (chamada Rebentão), para minha surpresa novinha em folha.

A descida por essa face leste tem 13,2km (até Santo Antônio do Itambé) e é bem mais suave. A subida pela face oeste tem distância parecida (12,9km desde Capivari) e é tranquila só até atingir o paredão do pico, quando vira uma escalaminhada, como disse. Para subir com mochila cargueira, esse lado de Santo Antônio do Itambé é bem melhor, apesar do desnível de 1349m desde a cidade.

Muitas formações rochosas estranhas e curiosas e a vegetação bem própria desse microclima, muito diferente do cerrado lá embaixo, ainda são a paisagem ao redor durante a descida. Às 14h09, uma hora após deixar o cume, reapareceu a água. Mais 40 minutos de caminhada, outro ponto de água e um casebre com gado, mas parecia não haver ninguém no momento. Passei um colchete e mais abaixo a trilha se transformou numa estrada, às 15h03.

Esse lado do parque tem como atrativo algumas bonitas cachoeiras com acesso sinalizado a partir dessa estrada interna. Às 15h18 topei com a primeira, ou melhor, com a placa que indica a trilha para a primeira delas, a Cachoeira do Rio Vermelho, distante dali 2,8km, mas essa não tive tempo de conhecer. Nesse local, a direção geral que vinha sendo leste desde o pico, passa a ser sempre sul, sem variações. E a estradinha, pelo mau estado, só é apropriada para carro alto. Para quem tem um carro assim é possível entrar com ele no parque e ir até o casebre mencionado, onde a trilha inicia. Isso adianta 8,5km de subida desde Santo Antônio do Itambé.

Às 15h41 outra placa mostra o acesso à direita à Cachoeira do Neném. Como distava só 1km da estrada, fui correndo lá dar uma espiada. O lugar é muito bonito, a queda não é alta mas o poço é grande e bem escuro. Para evitar erosão na encosta, há uma escadaria de madeira até o poço. Do alto da escadaria há uma trilha que se enfia no mato e leva a um ponto do rio mais abaixo onde há um interessante sumidouro.

Voltei à estrada e continuei a descer. Logo tive a primeira visão da pequena Santo Antônio do Itambé, ainda um pouco distante. Às 16h56 passei pela placa da Cachoeira da Água Santa, só 638m à esquerda, mas como meu tempo estava se esgotando, não pude conhecê-la. Foram só mais 260m e às 16h59 alcancei a portaria, onde o funcionário já começava a ficar ansioso pela minha chegada. Felizmente correu tudo bem e não foi preciso deslocar ninguém por minha causa.

Descansei um pouco e às 17h09 descemos juntos o restante da estrada até a cidade (mais 2,7km). Ele me mostrou um atalho por uma trilha à esquerda da estrada que nos poupou uns 550m de caminhada. Às 17h25 parei para fotos da Ponte de Pedra e ele continuou. Fiquei menos de 10 minutos ali e segui. Logo começaram a aparecer as primeiras casas de um bairro e às 17h40 uma outra estrada sai para a direita, exatamente onde um conjunto de placas indica os atrativos da cidade. Descobri então que a Trilha dos Tropeiros (meu caminho de volta a Capivari) era por ali, assim como o Lajeado, o Lajedão e a Cachoeira da Fumaça. Cheguei ao centro da cidade às 17h55 e me hospedei na Pousada Pé da Serra, na rua da Igreja Matriz. Jantei no Restaurante Moinho Santo Antônio.

Nesse dia, com os perdidos na subida do pico e o desvio para a Cachoeira do Neném, caminhei 28,1km.

Altitude em Capivari: 1178m
Ponto mais alto da travessia: 2055m
Altitude em Santo Antônio do Itambé: 706m
Desnível do cume a Santo Antônio do Itambé: 1349m

3º DIA: DE SANTO ANTÔNIO DO ITAMBÉ DE VOLTA A CAPIVARI PELA TRILHA DOS TROPEIROS

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Parte alta da Cachoeira da Fumaça

Quando eu descobri a Trilha dos Tropeiros, não fazia idéia de que ela estaria dentro dos limites do Parque Estadual do Pico do Itambé. Foi o Gonçalo quem me deu essa informação e acrescentou que eu precisaria de uma autorização para percorrê-la. E que ele mesmo não poderia dar essa autorização porque eu iria começar por Santo Antônio do Itambé. Por isso, tive logo cedo de ir à sede do parque na Fazenda São João, a 2km da cidade, para pegá-la. Para me atrasar um pouco mais, peguei o caminho mais longo para chegar lá. O correto é pegar a rua à direita ao lado da Igreja Matriz (e não subir a rua sempre em frente, como eu fiz). Na volta, fiz o caminho certo e dei uma olhadinha na Cachoeira do 32, apenas um rio largo que costuma lotar nos finais de semana por ser praticamente dentro da cidade.

Com tudo isso e mais uma passagem pelo posto de saúde para tratar dois dedos infeccionados, acabei iniciando a caminhada às 11h30, muito tarde. Saí da cidade pelo mesmo caminho por onde cheguei no dia anterior e fui até o conjunto de placas da bifurcação que mencionei, onde fui para a esquerda. Andei apenas 1,1km pela estrada e já encontrei a placa do Lajeado à direita. Desci pela estradinha 450m para conhecer. Trata-se de um ribeirão que corre por lajes de pedra. Ao lado fica o Restaurante e Camping Rancho do Vale, mas o acesso ao local é livre. De volta à estrada, bastou andar mais 120m e topei às 12h15 com a placa do Lajedão, com acesso por uma porteira. O caminho é bem diferente, por uma trilha de 920m que desce em meio à mata alta. Ao chegar à cerca de um sítio basta subir e contorná-lo pela direita. O rio aqui também corre pelos lajedos porém é um recanto mais selvagem e bonito comparado ao Lajeado, que tem mais cara de balneário.

De volta à porteira e à estrada, continuei para a esquerda cerca de 700m e surge a placa que aponta a parte baixa da Cachoeira da Fumaça, inicialmente uma estradinha à esquerda que desceu forte até desembocar no sítio do seu Adair, onde fui recebido por duas mulheres que moíam e torravam uma grande quantidade de mandioca para fazer farinha. Dali bastou cruzar o terreno, caminhar pela trilha até o rio e subi-lo à direita pela margem para alcançar às 13h20 a bela cachoeira escondida no fundo dos paredões. Lugar muito bonito. O rio é o mesmo do Lajedão, o Ribeirão Areia, segundo a carta topográfica. De volta à casa, encontrei o seu Adair. Ele me pediu para assinar seu livro de visitas e me acompanhou por um atalho para chegar à parte alta da cachoeira, economizando o retorno à estrada e uma grande volta. A parte alta também é bem bonita, com pequenas quedas e a possibilidade de chegar até a garganta da cachoeira. Ali também foi instalada uma escadaria de madeira para conter a erosão da encosta íngreme. Para continuar a travessia, eu precisava voltar à estrada. Subi a escada e continuei reto até um pé de manga, passei um quebra-corpo e caí numa estradinha que bastou tocar para cima para alcançar a estrada principal às 14h22, onde mais placas indicam esse acesso à parte alta da Cachoeira da Fumaça. A estrada já estava quase no fim, bastou andar 800m à esquerda para ela virar uma trilha com uma porteira. Mais alguns metros e passo pelas últimas casas desse lado da travessia. Ali o caminho mais marcado sobe à direita, bem próximo das casas, mas o certo é descer pelo pasto à esquerda e cruzar outra porteira para encontrar a continuação da trilha bem abaixo. Uma placa do parque indica que a Trilha dos Tropeiros tem 11.993m de extensão, grau de dificuldade alto e tempo aproximado de 7 horas.

Às 15h05 me deparei com um rio raso e calmo porém largo e sem pedras para ajudar na travessia, o que me obrigou a tirar as botas. Poucos metros depois, uma bifurcação onde subi para a direita. Às 15h23 um ponto de água mais confiável que os rios pelos quais passei. Já estava a 1056m e logo a visão começou a se ampliar, podendo vislumbrar vales e montanhas próximos. Nesse ponto encontrei, ou melhor, fui encontrado por dois guarda-parques que já estavam à minha procura por causa do horário. É que restavam duas horas de luz apenas e muitos quilômetros ainda pela frente. Às 16h30 cruzamos a porteira que é o limite do parque e próximo dali eles me mostraram interessantes pinturas rupestres. Nessa porteira nos separamos, eles seguiram por uma trilha para o norte para pegar a moto, eu continuei pela Trilha dos Tropeiros para oeste, descendo a um riacho e subindo a encosta do outro lado. Aqui a visão do Pico do Itambé é magnífica! Foi motivo para muitas fotos. Ao final dessa subida, exatamente numa porteira às 17h12, atinjo o ponto mais alto da travessia: 1372m. Às 17h20 passei pela cabeceira de um imenso vale que se abriu à minha direita e foi ali que assisti e fotografei o por-do-sol. Com a luz natural se esvaindo apertei o passo. Foi uma pena passar correndo por um trecho com muitas formações rochosas com formatos curiosos, mas a luminosidade era mesmo muito baixa para fotos. Às 17h54 caí numa estrada e segui para a direita. Um dos guarda-parques me aguardava mais à frente nessa estrada, na escuridão. Às 18h12 começaram a aparecer as primeiras casas de Capivari. Mais 10 minutos e chego à casa do Gonçalo, que não estava pois havia levado um garoto acidentado ao pronto-socorro no Serro. A Noêmi preparou a janta para mim e fui dormir cedo, acabei não vendo o Gonçalo esta noite, mas já sabia que ele não tinha conseguido a autorização para eu entrar no Parque Estadual do Rio Preto porque a reforma lá ainda não terminou. Teria então de acionar o plano B.

Nesse dia caminhei 22,7km contando os desvios para visitar as cachoeiras e sem contar a caminhada até a sede do parque.

Altitude em Santo Antônio do Itambé: 706m
Ponto mais alto da travessia: 1372m
Altitude em Capivari: 1174m

No dia seguinte deixei Capivari no ônibus das 5h45 em direção ao Serro para imediatamente seguir para Diamantina e dar início à travessia pela antiga estrada de ferro Diamantina-Corinto (fiz o trecho Bandeirinha-Rodeador em 3 dias; o relato está em http://trekkingnamontanha.blogspot.com.br/2012/08/relato-travessia-diamantina-rodeador_4682.html).

Informações adicionais:

O site oficial do Parque Estadual do Pico do Itambé é www.ief.mg.gov.br/areas-protegidas/206.

O Parque Estadual do Pico do Itambé funciona de quarta a segunda-feira das 8h às 17h. Para subir o Pico do Itambé é preciso solicitar autorização com pelo menos 24h de antecedência, seja com pernoite ou não, seja por Santo Antônio do Itambé ou por Capivari. O telefone é 33-3428-1372 e o e-mail é peitambe@meioambiente.mg.gov.br. Para fazer a travessia Santo Antônio do Itambé-Capivari pela Trilha dos Tropeiros também é necessário pedir autorização com 24h de antecedência. A única área de acampamento do parque fica no pico, por sinal bem pequena e com água de acesso meio complicado.

Alguns gastos:
. almoço na Dona Lucília (São Gonçalo do Rio das Pedras) - R$10
. hospedagem e café da manhã na Dona Lucília (São Gonçalo do Rio das Pedras) - R$30
. janta na casa do Gonçalo (Capivari) - R$10
. hospedagem e café da manhã na casa do Gonçalo (Capivari) - R$30
. PF no restaurante Moinho Santo Antônio (Santo Antônio do Itambé) - R$9
. Pousada Pé da Serra com café da manhã (Santo Antônio do Itambé) - R$30

Horários do ônibus de São Gonçalo do Rio das Pedras (Transfácil - 38-3541-4091):
. Serro-São Gonçalo do Rio das Pedras:
seg a sex - 11h45, 16h30
sáb - 13h
dom e feriado - não há
. São Gonçalo do Rio das Pedras-Serro:
seg a sex - 6h, 13h
sáb - 6h
dom e feriado - não há
(tempo de viagem: 1h)

Horário do ônibus de Capivari (Transfácil - 38-3541-4091):
. Serro-Capivari: seg a sex - 12h30
. Capivari-Serro: seg a sex - 5h45
sáb, dom e feriado não há

Mais informações sobre o receptivo familiar/turismo solidário em Minas no site www.turismosolidario.com.br.

Carta topográfica de Rio Vermelho (http://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza ... -Z-B-I.jpg)

Rafael Santiago
junho/2012

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Travessia Rebouças-Mauá via Rancho Caído - ParNa Itatiaia (RJ/MG) - jul/12

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Cachoeira do Aiuruoca

As fotos estão em http://lrafael.multiply.com/photos/album/135/135.

A travessia Rebouças-Mauá é uma caminhada clássica do Parque Nacional do Itatiaia que permaneceu proibida durante cerca de duas décadas, até ser oficialmente reaberta em junho de 2011. Ela tem início no abrigo Rebouças, passa pela base da Pedra do Altar, desce ao vale do Aiuruoca, contorna os Ovos da Galinha, adentra o Vale dos Dinossauros (nascentes do Rio Preto) e desce pelo Mata-Cavalo até o Vale das Cruzes, entre Mauá e Maringá.

Para mim essa caminhada tem um significado especial pois deveria ter sido a minha primeira travessia se o tempo tivesse permitido. Na ocasião, decidimos abortar no abrigo Rebouças devido à chuva, frio intenso e neblina depois de ter caminhado desde a sede do parque, na parte baixa. Isso foi em 1991. Logo depois as travessias no Itatiaia foram todas fechadas.

No ano passado eu e alguns amigos quase fizemos essa travessia, mas novamente o tempo não ajudou e cancelamos a viagem. No final de semana passado essa pendência finalmente foi acertada, e em grande estilo. O Rodrigo ficou responsável pela autorização para a travessia (solicitada pelo e-mail reserva@abrigoreboucas.com.br) e eu me incumbi de fechar um transporte para nos levar de Itanhandu à portaria do parque.

1º DIA: DO ABRIGO REBOUÇAS AO RANCHO CAÍDO

Na sexta-feira partimos de São Paulo eu, Rodrigo, Gibson, Ronald e Amarildo no ônibus da Cometa das 23h30 em direção a Itanhandu, onde desembarcamos às 4h07. Às 4h45 chegou o nosso transporte, a kombi do Amarildo de Itamonte, que nos levou até a portaria da parte alta do parque, mas não sem antes termos uma parada numa padaria de Itamonte para um rápido dejejum.

Chegamos à portaria do parque (Posto Marcão) às 7h15, preenchemos e assinamos a papelada e demos início à caminhada às 7h45 com muito frio pois o sol ainda não havia alcançado o começo da estrada que leva ao Rebouças. Na portaria o termômetro acusava 5ºC. A altitude é de 2444m. Uma pausa próximo ao abrigo, 3km depois, para pegar água e terminar de ajeitar as mochilas e partimos às 8h45 com sol mais forte, logo começando a dispensar as blusas grossas.

O caminho é o mesmo que leva às Agulhas Negras até a bifurcação depois da ponte pênsil. Pouco mais de 100m depois da ponte toma-se a esquerda na primeira bifurcação (com placa) e à esquerda novamente na segunda bifurcação, 30m depois da primeira, essa mais sutil e sem placa (à direita se vai à Asa de Hermes). Na subida acentuada que se segue paramos para descansar e ver os vários grupos que se aventuravam na subida das Agulhas. Às 10h20, no final da subida, uma clara bifurcação leva à direita à Pedra do Altar. Mas nosso caminho era à esquerda, descendo. Observação: esse é o ponto mais alto de toda a travessia, 2575m.

A trilha passa aos pés do grande rochoso que é a Pedra do Altar e logo inicia a descida ao Vale do Rio Aiuruoca. Uma curiosidade: nesse momento estamos saindo do estado do Rio e passando para terras mineiras. Logo se avista no fundo do vale, mais para a direita, a intrigante formação de pedras arredondadas sobrepostas a uma base conhecida como Ovos da Galinha. E à direita vai surgindo a bela Pedra do Sino (9ª montanha mais alta do Brasil segundo o Anuário Estatístico do IBGE), com sua encosta esquerda bem alongada, por onde se tem acesso fácil ao cume. Alcançamos o Rio Aiuruoca e o atravessamos sem dificuldade para chegar às 11h45 a sua bela cachoeira, caminhando pela margem direita.

O dia de sol estava perfeito para fotos do verde e transparente poço, assim como para uma pausa para lanche e até um cochilo ao som relaxante da queda-d'água. Ali um grupo de oito pessoas que também estava fazendo a travessia nos alcançou e seguiu na nossa frente.

Explorei por ali a trilha que vai para as Cabanas do Aiuruoca pois é na cachoeira que as travessias da Serra Negra e Rancho Caído se separam. A travessia da Serra Negra desce até as cabanas, passa pelo bairro da Serra Negra e termina na vila da Maromba.

Partimos às 13h10 subindo de volta alguns metros a margem do rio e quebramos para a esquerda sem atravessá-lo, iniciando a aproximação e o contorno dos Ovos da Galinha pela esquerda. Paralelas à trilha atual, valas profundas registram o local exato do caminho original, carcomido pela erosão e pelo trânsito durante décadas. Estacas de madeira finas e altas pintadas de vermelho confirmam o caminho certo durante boa parte da caminhada a partir daqui.

Terminada a subida que deixava o vale do Aiuruoca para trás, alcançamos às 13h57 um mirante aos 2507m que nos deixou boquiabertos com tamanha beleza. Bem à nossa frente, gigantes e magníficos, o Vale dos Dinossauros e uma longa crista culminando no imponente Pico da Maromba. À direita, a quase onipresente Pedra do Sino. À esquerda, mais distante, a Pedra Selada de Mauá. E mais à esquerda, ainda bem mais distante, o Pico do Papagaio. Uma visão realmente estonteante.

A descida que se seguiu deu a impressão de que tomaríamos a direção direta para Mauá (nordeste), porém a trilha dá uma grande volta em forma de ferradura inicialmente pela borda do imenso Vale dos Dinossauros, passa pelo Rancho Caído e fecha no vale que corre paralelo à crista do Pico da Maromba. Só então alcança a longa ladeira conhecida como Mata-Cavalo e embica de vez para nordeste.

Pois bem, descemos do mirante ao Vale dos Dinossauros às 14h15 e paramos para pegar água nas nascentes do Rio Preto às 14h43, num córrego que corria para nordeste e que lá embaixo forma o largo rio que atravessa as vilas de Maromba, Maringá e Mauá. Tanto aqui como lá ele marca a divisa entre Minas e Rio, ou seja, estávamos voltando ao território fluminense. Poucos metros depois uma grande rocha clara do lado direito da trilha chama a atenção pelo topo com quatro pontas, lembrando os quatro cumes do maciço das Agulhas Negras, que aliás está exatamente atrás dela.

Passamos por um bom local de acampamento mas preferimos ir até o Rancho Caído para tentar pernoitar lá. Continuando, saltamos mais dois riachos e às 16h chegamos ao Rancho, porém o outro grupo já havia tomado conta dos melhores lugares e preferimos seguir até o próximo ponto de acampamento marcado no gps. Vale dizer que nada mais resta do rancho que dá nome ao lugar, dizem que ele existia ali há muito tempo, várias décadas atrás. Algumas araucárias fora de contexto, em pleno campo de altitude, são a marca registrada do local, a 2296m de altitude. Há bastante água por perto.

Continuamos pela trilha menos de 500m e tivemos que nos acomodar de alguma maneira no capim mais baixo que encontramos à direita da trilha antes de uma descida. Montadas as barracas, procuramos um ponto um pouco mais acima para assistir ao por-do-sol, porém um morro alto bem na direção do sol nos impediu de vê-lo pousar avermelhado sobre o horizonte. Dali foi voltar ao acampamento e botar os fogareiros para trabalhar em meio a mais conversas e muitas risadas. Depois cada um para seus aposentos para dar início à sinfonia de roncos que se estendeu madrugada adentro.

Nesse dia caminhamos 14,7km.

2º DIA: DO RANCHO CAÍDO AO VALE DAS CRUZES

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Pedra Selada de Mauá vista da descida do Mata-Cavalo

O horário combinado de sair das tocas foi 7h. Desmontado o acampamento sem pressa, começamos a caminhar às 8h45. A trilha desceu até um riacho e subiu até um ótimo mirante que proporcionou visão das Agulhas e Pedra do Sino para trás (sudoeste) e Visconde de Mauá e Pedra Selada para a frente (nordeste). Desse mirante passamos para a outra vertente dessa serra e começamos aos 2310m de altitude a longa porém suave descida chamada de Mata-Cavalo, na qual avistamos também o Vale do Paraíba ainda coberto por um tapete de nuvens. Às 10h09 deixamos o campo de altitude e o sol forte para começar a caminhar na mata alta e fresca, na altitude de 1995m. Mais 5 minutos de descida e topamos com uma bifurcação que à esquerda morria numa clareira de acampamento que devia comportar bem umas três barracas apenas. Andamos alguns passos para a direita e paramos no riacho para um breve descanso e apanhar água.

Às 10h30 uma bifurcação importante (1952m): para a esquerda a saída pela Cachoeira do Escorrega da Maromba, distante cerca de 4,7km; para a direita o caminho para o Vale das Cruzes, considerado a saída oficial, por onde continuamos. Seguiu-se um longo trecho de bambus sem nenhuma dificuldade, uma bifurcação em T onde fomos para a esquerda, um riacho que atravessamos pulando as pedras. Às 12h33 uma cachoeirinha e as primeiras casas marcam o fim da trilha, aos 1316m de altitude, desnível de 994m desde o início do Mata-Cavalo. Depois de uma porteira aberta caímos no final da estrada de terra do bairro Vale das Cruzes. Por ela bastou tocar mais 3,6km até a estrada que liga as vilas de Mauá, Maringá e Maromba. Ali às 13h30 me separei do pessoal pois tinha horário para chegar em São Paulo. Eles foram almoçar em Maringá, a 2km dali para a esquerda, para depois pegar o ônibus da Resendense que sai da Maromba às 16h45. Eu fui direto para Mauá (direita) comendo muita poeira por mais 3,5km na intenção de pegar o ônibus da viação São Miguel que saía de Mauá às 15h. Saía... faz meses que esse horário mudou para 17h. Como eu queria chegar logo em Resende, o jeito foi ficar plantado no ponto de ônibus pedindo carona. Quase 1h30 depois, já sem esperança, consegui uma carona... para São Paulo!!! Foi a sorte grande. Saímos de Mauá às 15h45 e com os congestionamentos de final de férias cheguei em casa às 21h40.

Nesse dia caminhei 14,8km até Visconde de Mauá (o pessoal caminhou um pouquinho menos até Maringá).
Total da travessia (desde o Posto Marcão até a praça central de Mauá): 29,5km.

Dicas:

. Assim que cheguei a Mauá fui à casa branca que fica do lado esquerdo da igreja (na entrada da vila, em frente ao campo de futebol) e depositei na caixa de metal da porta o canhoto da autorização da travessia, conforme orientação dada na entrada do parque.

. O pedido de autorização para as travessias deve ser enviado no prazo mínimo de 10 dias úteis e máximo de 30 dias. Mais informações no site www.icmbio.gov.br/parna_itatiaia. Os e-mails são parnaitatiaia.rj@icmbio.gov.br e reserva@abrigoreboucas.com.br (é melhor tentar nos dois e ainda ligar se eles não responderem).

. No parque pagamos R$11 pelo primeiro dia e R$5,50 pelo segundo dia. Não é cobrado pernoite fora do abrigo/camping Rebouças.

. O transporte de Itanhandu ao parque foi feito pelo Amarildo de Itamonte (celular Tim 35-9129-7522). Ele cobrou R$200 pelo frete em sua kombi. Para um grupo menor, pode-se contatar o sr Mauro no celular Tim 35-9176-3152. Ele tem um Fiat Uno.

. A empresa que faz as linhas São Paulo-Itanhandu e Resende-São Paulo é a Cometa (www.viacaocometa.com.br).

. Os horários do ônibus da viação Resendense (24-3354-1878) são:
de Resende para Maromba:
segunda a sexta: 5h30, 10h30, 15h, 15h30, 17h30
sábado: 5h30, 14h, 15h
domingo: 8h, 14h, 16h
de Maromba para Resende:
segunda a sexta: 6h, 7h40, 11h, 13h, 17h45, 19h45
sábado: 7h40, 11h, 17h15
domingo: 9h, 10h15, 16h45

. Os horários do ônibus da viação São Miguel (24-3360-9351) são:
de Resende para Mauá:
segunda a sábado: 8h30, 13h40, 19h
domingo e feriado: 8h, 19h
de Mauá para Resende:
segunda a sábado: 6h30, 10h15, 17h15
domingo e feriado: 6h, 17h

. As informações de linhas e horários de ônibus acima foram obtidas no posto de apoio ao turista de Visconde de Mauá em 29/07/2012. Não estou reproduzindo informações desatualizadas da internet.

. Algumas altitudes da travessia:
Posto Marcão - 2444m
Abrigo Rebouças - 2382m
Cachoeira do Aiuruoca - 2363m
Rancho Caído - 2296m
início do Mata-Cavalo - 2310m
fim da trilha e início da estrada no Vale das Cruzes - 1316m
Visconde de Mauá - 1042m

Rafael Santiago
julho/2012