Pedra do Desengano num raro momento sem nuvens encobrindo o topo
As fotos estão em
https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/ParqueEstadualDoDesenganoSetorMorumbecaDosMarreirosRJSet12.
O
Parque Estadual do Desengano é uma das mais antigas unidades de
conservação do Rio de Janeiro (criado em 1970!) e está situado no
nordeste do estado, cobrindo áreas dos municípios de Campos, Santa Maria
Madalena e São Fidélis. É administrado pelo governo estadual através do
Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e possui uma infra-estrutura que
foi realizada recentemente, neste ano de 2012, como placas de informação
e orientação, portarias com guarita (ainda sem funcionário), pontes e
corrimãos ao longo das trilhas. Sua sede fica no Horto de Santa Maria
Madalena, completamente fora de seus limites. O plano de manejo de 2005
pode ser acessado no site
http://sosimbe.blogspot.com.br/2009/10/ ... al-do.html.
Todo
o planejamento que fiz para me aventurar por essa região completamente
desconhecida para mim foi baseado no excelente guia "Trilhas - Parque
Estadual do Desengano", que pode ser comprado pela internet ou baixado
do site
www.inea.rj.gov.br/publicacoes/publicacoes.asp.
Nele, as trilhas e travessias estão divididas em cinco setores: Santa
Maria Madalena, Morumbeca dos Marreiros, Itacolomi, Sossego do Imbé e
Mocotó. Para uma primeira incursão e sem carro foquei nos dois primeiros
setores. O setor Santa Maria Madalena tem três trilhas praticamente
dentro da cidade, com acesso muito fácil (as três fora do parque), e
mais uma próxima. O setor Morumbeca dos Marreiros tem cinco trilhas,
todas concentradas numa área do parque e muito próximas uma da outra,
porém a uma distância de 20km do centro de Madalena.
O tempo,
tanto na cidade quanto no parque, é totalmente instável, pelo menos no
mês de setembro, o que eu estranhei bastante. O dia todo é uma sequência
de sol, nuvens carregadas, chuva, frio, depois sol e começa tudo de
novo. Nos três dias que caminhei pelo parque, a Pedra do Desengano se
manteve encoberta quase o tempo todo, quando não com chuva. Notei que a
instabilidade era maior no lado sul das serras do que no lado norte,
devido à ocorrência dos ventos úmidos do mar e o efeito orográfico.
Cheguei
a Madalena numa tarde de terça-feira e consegui um carro que me levasse
no dia seguinte ao parque ou o mais próximo possível da trilha da Pedra
do Desengano. A cidade não tem ônibus municipais e nenhuma linha
intermunicipal passa perto do parque.
1º DIA: DE SANTA MARIA MADALENA À ESTALAGEM MORUMBECA EMBAIXO DE MUITA CHUVA
Pedra do Desengano e Pedra Verde com sol no último dia
Uma
chuvinha fraca na noite da terça foi o prenúncio do que estava por vir.
Começou a chover mais forte de madrugada e saímos da cidade ainda com
mau tempo, mas não desisti nem adiei a caminhada. Rodamos 12,1km pela
estrada de terra até a portaria do parque, logo depois da Árvore do
Arco. Passamos pela portaria vazia mas na primeira subida o carro
patinou na lama. O jeito foi descer e começar a caminhada ali mesmo, sem
saber ao certo qual a distância e o desnível até a Estalagem Morumbeca.
Essa
estalagem é um abrigo de montanha, porém particular. É preciso combinar
a estadia com a dona, fazer o pagamento e depois pegar a chave com um
morador próximo. É uma casa grande de alvenaria e a 400m dela um chalé
de madeira. Eu fui com barraca, não planejava ficar no abrigo, apenas o
tinha como referência pois as trilhas do Poço do Padre, da Mina e da
Pedra do Desengano começam ali, a trilha da Serra Pedra Marial inicia a
apenas 1,4km, além de ser o caminho do Circuito da Cascata. Essas
trilhas estão todas detalhadas com mapas e pontos de gps no guia citado.
Bem,
mas eu ainda estava perto da portaria do parque e a chuva por sorte
havia dado uma trégua. Conversei com um morador para confirmar o caminho
e botei o pé na estrada, ou melhor, no barro às 8h30 (361m de
altitude). A estradinha sobe entre pastos e a visão da região vai se
ampliando, embora o tempo nublado não ajudasse muito. Passei por uma
casa isolada (mas com morador) às 9h40, e essa foi a última. Aliás só
passei por duas casas habitadas e um chalé vazio em toda a subida até o
abrigo. Depois dessa última casa, a estrada piora ainda mais, com muita
pedra. Às 10h14 alcancei um portal do parque com placa indicando
distâncias e uma bifurcação (711m de altitude). À esquerda a cascata e o
mirante, em frente o abrigo. Nesse ponto eu já estava com capa pois a
chuva havia voltado. Dali em diante a subida e a chuva só pioraram, às
vezes eu dava o passo e escorregava para trás no barro. Às 11h22
finalmente cheguei ao chalé Morumbeca (1045m de altitude) e pude me
abrigar do frio e da chuva, com a roupa um pouco molhada mesmo com a
capa. Fiquei muito tempo na varanda do chalé (trancado) meditando o que
iria fazer naquele lugar tão isolado com aquele tempo horrível. Comi um
lanche e só saí dali com a roupa mais seca, depois das 14h. Li num papel
colado no chalé que a chave deveria ser pega com um tal de Nelson e
resolvi procurar essa pessoa nas casas que ficavam além do Ribeirão do
Macapá indicadas nos mapas do guia (mapas esses reproduzidos nas placas
informativas do parque). Assim, descobri a estalagem Morumbeca
principal, uma casa mesmo, apenas 400m além do chalé, e logo depois dela
a ponte sobre o Macapá, que é a divisa entre São Fidélis e Santa Maria
Madalena. Depois da ponte uns 100m (já em São Fidélis), uma casa pequena
à direita com cerca mas deserta. Um riacho, um colchete e a trilha
entra na mata. Sobe e quando sai da mata uma nova cerca à direita, uma
bifurcação que tomei para a direita, subindo ao longo da cerca até uma
porteira, onde entrei e enfim descobri a casa do Nelson, que mora ali
naquele local tão afastado com esposa e filha. Ele disse que seu vizinho
mais próximo está a 4km de distância. Conversamos um bom tempo e ele,
além de conhecer bem as trilhas por ali, ajudou na pesquisa de campo
para fazer o guia, tanto que ganhou um exemplar, que guarda com todo
cuidado. Me falou das trilhas e me deu boas dicas. A chuva parou
finalmente.
Voltei à estalagem e ainda dava tempo de fazer a
Trilha da Mina, que é bem curta. Uma placa sinaliza o início, é só
caminhar na direção do riachinho atrás dela, atravessá-lo e pegar a
trilha, que sobe um pouco. Dá uns 15 minutos até as três minas, que hoje
são apenas buracos no barranco tomado pela mata. Ida e volta dá pouco
mais de 800m e há água no caminho.
Nesse dia caminhei 11,4km.
2º DIA: DA ESTALAGEM MORUMBECA ATÉ (QUASE) A CACHOEIRA DA CASCATA
Serra Santo Aleixo vista do mirante do Circuito da Cascata
O
dia amanheceu ensolarado e isso me animou, porém precisava ver como
estava a Pedra do Desengano para decidir se valia a pena subi-la ou não.
Caminhei até próximo da casa do Nelson, num lugar mais alto, para ter
visão do pico. Ao chegar lá o tempo já havia fechado, o céu estava
cinzento e o pico já parcialmente encoberto por nuvens. O tempo nessas
montanhas realmente é instável! Dei um tempo para ver se melhorava e
saía o sol de novo, mas nada. O Desengano é o mais alto do parque e eu
não queria subir lá para não ver nada, então deixei para a próxima vez.
Às
11h57 saí da porteira da casa do Nelson na direção norte, continuando
pela trilha bem marcada, a fim de fazer o Circuito da Cascata, roteiro
nº 9 do guia. Logo me surpreendi com mais duas pontes de madeira
(troncos) bem novas em plena mata e às 12h29 topei com a placa que
indica o início da trilha da Serra Pedra Marial à direita (como disse,
essas placas são recentes, nas fotos do guia elas nem aparecem). Entrei
nessa trilha já sabendo que provavelmente não iria até o final, até o
cume, por causa de uma passagem exposta ao abismo. A trilha logo de
início é bem mais estreita e fechada que a principal e percorre a mata
até sair dela, depois começa a subir entre samambaias altas que
dificultam a passagem em alguns pontos. À medida que subo vou notando o
estreitamento da crista da montanha, com quedas abruptas de ambos os
lados, mas sem risco ainda. Porém quando a subida ameniza, a trilha se
estreita demais e paro de repente por medo da altura. Tanto à esquerda
(norte) quanto à direita (sul) as paredes são verticais e estão
separadas pela trilhazinha à minha frente. Tive receio de pisar um pouco
fora e encontrar o vazio, despencando de uma grande altura. Até tentei
mas não me senti seguro, principalmente sozinho. Depois lembrei que o
trecho crítico ainda estava bem pra frente, então sentei e curti a
paisagem dali mesmo (1400m de altitude). E não era pouca coisa, belas
montanhas e serras por todos os lados. Ao norte a estradinha que deveria
tomar para fechar o Circuito da Cascata, ao sul a Serra dos Marreiros e
a Pedra do Desengano com o cume encoberto quase todo o tempo, a
nordeste a Serra Santo Aleixo e a oeste a continuação da Serra Pedra
Marial. Às 15h comecei a sentir um vento úmido e tratei de descer
rapidamente, passando pelas samambaias, atravessando a mata e chegando
às 15h31 à placa de início dessa trilha.
Continuei então a caminhar pela
trilha principal para a direita e em menos de 100m ela terminou numa
porteira, tornando-se uma estrada estreita de terra (com mais placas do
parque), justamente a estrada que vi lá de cima. No guia ela aparece com
o nome de Estrada Morumbeca-Santo Aleixo. Desci bastante por ela tendo
sempre visão da face norte da Serra Pedra Marial, cada vez mais próximo
da Serra Santo Aleixo, e saí dos limites do parque às 16h03, com placa
sinalizando. Passei um ponto de água às 16h14 e às 16h26 cheguei a uma
bifurcação em T, onde fui para a esquerda. Em 8 minutos cruzei um riacho
raso e largo na estrada e tropecei em mais placas do parque, estas
apontando a continuação do Circuito da Cascata numa subida precária à
esquerda da estrada. Antes de tomar esse caminho, desci até uma portaria
do parque que avistei do alto, com uma guarita que, assim como a
primeira, estava totalmente vazia (823m de altitude). Poucos metros
abaixo, uma casa, mas parecia desabitada. Subi de volta às placas e
entrei às 16h50 no caminho precário, que atravessou um pasto e tomou o
sentido sudoeste, mais ou menos paralelo à estradinha que eu descera.
Logo virou uma trilha bem marcada e começaram a aparecer corrimãos e até
bancos rústicos de troncos para descanso. Essa trilha atravessa
segmentos de mata e sobe entre elevações da Serra Pedra Marial. Às 17h35
cheguei enfim ao mirante, o ponto mais alto desde a estrada, com uma
visão magnífica para as serras ao norte (1076m de altitude). Colocaram
ali um banco comprido para sentar e admirar a paisagem e até uma mesa de
troncos. Pelo horário já comecei a procurar um local plano para montar
acampamento, porém ali ventava muito. Cruzei uma cerca e comecei a
descer por trilha bem marcada na mata, topando com uma nova placa de
"limite do parque" às 17h45. Pouco mais de 100m depois dela encontrei um
gramado protegido do vento e armei a casa móvel.
Essa placa lacônica
me deu a falsa idéia de que estava reentrando no parque, porém estava
na realidade saindo dele e nem percebi em que momento havia reentrado.
Examinando os mapas depois vi que os limites do parque nessa trilha
estão na cota dos 1000m, o que significa que reentrei no parque ao
atingir essa altitude, em um ponto em que não vi nenhuma placa na
trilha.
Nesse dia caminhei 7,7km.
3º DIA: DA CACHOEIRA DA CASCATA A SANTA MARIA MADALENA
Cachoeira da Cascata
Às
7h já estava com o pé na trilha e voltei até o mirante para fotos da
paisagem com uma luminosidade melhor que a de ontem à tarde. Depois
retomei a caminhada, passando às 7h45 por um ponto de água. Desço mais
250m e deparo com a placa que indica à esquerda a entrada para a
Cachoeira da Cascata, a 60m da trilha principal. Tomei meu café ali,
junto a essa belíssima queda do Ribeirão do Macapá, que despenca de uma
parede rochosa de cerca de 70m de altura (867m de altitude). Às 8h50
voltei à trilha e em 6 minutos cruzei uma grande e caprichada ponte de
troncos sobre o Macapá, onde uma placa do parque informa que estou
saindo do município de São Fidélis e voltando a Santa Maria Madalena.
A
trilha sai da mata e às 9h19 paro no mirante da Garganta do Macapá para
fotos. É o local onde o rio corre espremido num cânion formado pela
Serra Pedra Branca à esquerda e a Serra Pedra Marial à direita. Às 9h32
outro local de água e uma placa de sinalização do parque, exatamente
onde a trilha se transforma em estradinha de terra. Passei por mais um
ponto de água e às 9h47 alcancei o portal sem guarita que cruzei no
primeiro dia, fechando assim o Circuito da Cascata. Dali bastou descer
toda a estrada que já conhecia para chegar à portaria com guarita
(vazia) às 11h27. Exatamente nessa hora, quando eu deixava
definitivamente o parque, o céu limpou e o sol saiu para iluminar até a
Pedra do Desengano, que permaneceu os três dias encoberta na maior parte
do tempo. Paciência!
Dali da guarita restava conhecer dois
lugares próximos: a Cachoeira do Escorrega e a Árvore do Arco. Para o
Escorrega, peguei a estrada principal para a direita e desci 850m até
uma curva onde há uma área grande de estacionamento e uma escada que
leva ao Córrego do Leitão. Há uma queda mais acima, à direita, e uma
grande laje por onde a água escorre e depois se lança num poção. Por ser
dia de semana não havia ninguém, mas eu torcia para que passasse algum
carro na direção de Madalena pois eu estava a 13km de lá. Depois de um
lanche voltei pela estrada, passei a guarita do parque e subi mais 480m
até uma porteira à esquerda, de onde já se avista a Árvore do Arco. É a
entrada da Fazenda Desengano e a apenas 110m da porteira está a curiosa
árvore, de tronco retorcido formando um portal com as montanhas ao
fundo, com destaque para a Pedra do Desengano e a Pedra Verde.
Agora
restava a longa jornada de volta a Madalena. Pela estrada rural e
tranquila, destoa a longa e pesada tubulação da Usina Tudelândia subindo
até a represa, passando pela tradicional Fazenda Tudelândia, com belo e
antigo casarão. O tempo mudou novamente e nuvens escuras se dirigiram
aos picos, encobrindo e enegrecendo a Pedra do Desengano mais uma vez.
Às 14h30 uma alma bondosa me ofereceu carona e veio em boa hora mesmo
pois faltava muito ainda. Aliás, por esses lados, nem é preciso pedir
carona, o motorista para e oferece, mesmo para um desconhecido. Ainda
existem lugares assim!
Nesse dia caminhei 16,1km.
Ribeirão do Macapá
Distâncias por trecho:
de Santa Maria Madalena à portaria do parque: 12,1km
da portaria do parque ao portal onde começa o Circuito da Cascata: 4,8km
do portal onde começa o Circuito da Cascata à Estalagem Morumbeca: 3,3km
da Estalagem Morumbeca ao início da trilha da Pedra do Desengano: 400m
da Estalagem Morumbeca ao início da trilha do Poço do Padre: 700m
da Estalagem Morumbeca ao início da trilha da Mina: 40m
da Estalagem Morumbeca ao início da trilha da Serra Pedra Marial: 1,4km
Circuito da Cascata completo: 12,7km
Algumas altitudes:
Santa Maria Madalena: 609m
portaria do parque: 327m
portal onde começa o Circuito da Cascata: 711m
Estalagem Morumbeca: 1067m
Ponto mais alto do Circuito da Cascata: 1202m
Cachoeira do Escorrega
Informações adicionais:
Montanhas mais altas do parque segundo o guia "Trilhas - Parque Estadual do Desengano":
1. Pedra do Desengano - 1761m
2. Pico Itacolomi - 1723m
3. Alto da Serra Grande - 1696m
4. Pedra Marial - 1692m
5. Pico Macapá - 1677m
O site oficial do parque é
www.inea.rj.gov.br/unidades/pqdesengano.asp.
Horários de ônibus:
empresa 1001 (
www.autoviacao1001.com.br)
. do Rio para Santa Maria Madalena:
diariamente: 8h10 e 15h10 (sextas também 20h)
. de Nova Friburgo (rodoviária sul) para Santa Maria Madalena:
diariamente: 11h10 e 18h20 (sextas também 23h10)
. de Nova Friburgo (rodoviária norte) para Santa Maria Madalena:
diariamente: 11h40 e 18h50 (sextas também 23h40)
. de Santa Maria Madalena para Nova Friburgo e Rio:
diariamente: 5h30 e 14h15 (domingos também 23h40)
empresa Macabu (
www.transportadoramacabu.com.br)
. de Macaé para Santa Maria Madalena:
diariamente: 8h45 e 18h10
. de Santa Maria Madalena para Macaé:
diariamente: 6h30 e 16h
Santa
Maria Madalena não tem ônibus municipais e nenhuma linha intermunicipal
passa perto do parque. O único transporte gratuito que se pode tentar é
o ônibus escolar, que circula 3 vezes por dia, segundo informações.
Hospedagem mais em conta em Santa Maria Madalena:
1. Pousada Colônia de Férias da ASPERJ (hospedagem muito simples)
Rua Gwyer de Azevedo, 5 - centro - (22)2561-1871 (a 100m da igreja matriz)
R$30 por pessoa o quarto com café e WC no corredor
2. Pousada Kentinha (
www.pousadakentinha.com.br)
Rua Cel. Manoel Portugal, 1 - centro - (22)2561-1148 (ao lado da igreja matriz)
R$40 por pessoa o quarto com café e WC no corredor
R$55 com WC privativo
Há
opções de pousadas mais confortáveis na cidade e pousadas mais próximas
do parque, em ambiente rural, com trilhas, cachoeiras e observação de
pássaros.
Carta topográfica de Renascença:
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza ... C-IV-3.jpg.
Rafael Santiago
setembro/2012