domingo, 17 de maio de 2020

Circuito da Sierra Valdivieso (Ushuaia, Argentina) - fev/20

Vale do Rio Torito
Início: estacionamento da Laguna Esmeralda 
Final: Círculo de Oficiales da Polícia de Tierra del Fuego (antiga Posada del Peregrino)
Distância: 53,6km
Duração: 5 dias
Maior altitude: 919m no Passo Mariposa
Menor altitude: 142m no Círculo de Oficiales
Dificuldade: alta porque há três passos de montanha a cruzar, dois deles muito íngremes, e porque não há sinalização no caminho. 

Quem já fez essa caminhada ou já estudou o seu trajeto pode estranhar eu tê-la iniciado no estacionamento da Laguna Esmeralda e não na trilha do Refúgio Bonete. É que o meu trekking anterior tinha sido pela trilha que liga as lagunas Submarino e Esmeralda (relato aqui). Como essa trilha de ligação continua até o Rio Olívia passando pelo Refúgio Bonete resolvi conhecer o restante dela. O trecho da Laguna Esmeralda ao Refúgio Bonete encaixei no início do Circuito da Sierra Valdivieso e o restante no final dele.

O Circuito da Sierra Valdivieso é a caminhada mais difícil de Ushuaia pois atravessa três passos de montanha, dois deles muito íngremes, e termina em um imenso turbal (Valle Carbajal) bastante cansativo de caminhar. Difícil também porque quase não há sinalização pelo caminho, é preciso ir com um gps com o caminho gravado ou um bom mapa com o percurso marcado e uma bússola.

Tive muita sorte com o tempo, cinco dias sem chuva em Ushuaia é uma raridade.

1º DIA - 06/02/20 - do estacionamento da Laguna Esmeralda ao Refúgio Bonete e Cascada Beban

Distância: 8,7km
Maior altitude: 356m próximo à Cascada Beban
Menor altitude: 247m na ponte do Rio Esmeralda
Resumo: nesse primeiro dia de caminhada percorri o vale do Rio Esmeralda até o Rio Beban. Visitei a cachoeira do Rio Beban e voltei um pouco para acampar ao lado do Refúgio Bonete, que estava fechado.

Saí do hostel às 9h15. Os dias longos do verão no extremo sul do continente deixam a gente bem relaxado com relação ao horário das caminhadas. Os argentinos, por exemplo, muitas vezes iniciam as caminhadas no meio da tarde. Há luz do dia até depois das 21h30 nessa época (início de fevereiro). 

Na Rua Gobernador Deloqui, no centro de Ushuaia, peguei o ônibus da linha B (poderia ser o da linha A também, porém na Avenida Maipu) e desci no ponto final junto ao portal da cidade (saída para Rio Grande). Em frente ao ponto final fica o posto policial e ao passar por ele somos sempre "convidados" a entrar e registrar nome, documento e destino. 

Cascada Beban
Logo depois do portal as pessoas ficam pedindo carona. Já havia gente ali e me posicionei depois delas para respeitar a ordem de chegada. O motorista que parou para mim morava num sítio e cultivava frutas como morangos e framboesas. Estava com a camionete cheia de mudas. Saltei no estacionamento da Laguna Esmeralda às 10h52 e ainda havia poucos carros em relação ao grande movimento diário que há ali. Comecei a caminhar às 11h04. Altitude de 290m. A trilha é sinalizada e imediatamente entra no bosque. Uma placa informa que o turbal que vou atravessar nesse trekking (Tierra Mayor e depois Valle Carbajal) é um dos mais extensos da América do Sul!

Turbal (ou turbera) é uma área de turba (turfa em português), que é uma vegetação encharcada e esponjosa composta de musgos, juncos e gramíneas. É bem ruim de caminhar pois afunda e molha os pés, além de cansar bastante. A turba é recolhida para diversas finalidades: é usada como fertilizante e substrato no cultivo de plantas, como combustível doméstico mas de baixo poder calórico, para adsorção de metais pesados presentes em ambientes, no combate a derramamentos de petróleo, entre outras.

Dessa vez segui a trilha "oficial" da Laguna Esmeralda - quando a visitei alguns dias antes (relato aqui) segui um grupo de amigos que conhecia diversos atalhos para chegar ao estacionamento na RN3. Como é comum nas trilhas em Ushuaia havia bastante barro. Ao sair do bosque uma visão magnífica do Cerro Navidad, Cerro Bonete e Cerro Alvear. Cruzei uma ponte de troncos, um bosque e às 11h39 cheguei à bifurcação sinalizada que aponta a Laguna Esmeralda em frente e a Cascada Beban à esquerda. Fui para a esquerda e em 3min atravessei o Rio Esmeralda por uma ponte de tábuas, porém a trilha sumiu. Fui para a esquerda na direção de uma ponte destruída, atravessei alguns arbustos e reencontrei a trilha entrando no bosque. Nas árvores continua a sinalização de duas faixas horizontais nas cores azul e branca do projeto "Sendero del Fin del Mundo", além de círculos vermelhos, que encontrei no trecho entre o Centro Invernal Tierra Mayor e a Laguna Esmeralda (relato aqui). Esta trilha em que estou também é parte da etapa 6 do projeto, que vai da Cascada Rio Beban até Tierra Mayor. Mais informações em lahuellaandina.com.ar, link "Guía original de Senderos de Patagonia".

Às 12h34 cruzei a trilha PIPEF (Pista Provincial de Esqui de Fundo) e às 13h22 outro cruzamento: à direita o Refúgio Bonete, à esquerda a RN3 (está escrito Senda Hacheros) e em frente a Cascada Beban. Segui em frente. Nas duas próximas bifurcações fui à direita e esquerda seguindo a sinalização azul e branca. Saí do bosque às 13h42. A trilha gira para o norte e aponta diretamente para o vale do Rio Beban, com os cerros Navidad e Bonete o delimitando. Aliás visão diferente e magnífica do Cerro Bonete a partir desse local. 

A trilha, agora a céu aberto, tem muitos trechos de lama e brejo. Ao subir, tendo o Rio Beban à esquerda, atinjo um ponto alto que abre a visão completa do vale do Rio Beban e seu turbal, continuação da caminhada em direção ao Passo Beban que faria no dia seguinte. Para trás uma ampla e bonita vista do vale do Rio Olívia e seu turbal emoldurados pelo Monte Olívia e Cerro Portillo. A trilha faz uma curva para a esquerda e termina na Cascada Beban, uma quedinha-d'água muito sem-vergonha. Cheguei às 14h16. Um painel com mapa informa sobre a trilha que vai do Centro Invernal Tierra Mayor até o Rio Olívia com essa bifurcação para a cascata. Não havia ninguém nesse momento mas depois foram chegando alguns grupinhos. Cerca de nove pessoas visitaram a cascata enquanto eu estava lá, não é um lugar tão conhecido. 

Ao sair dali às 17h14 em direção ao Refúgio Bonete vi um casal vindo lá do fundo do vale, da direção do Passo Beban. Voltei 630m pelo mesmo caminho e tomei a esquerda numa bifurcação para chegar mais rápido ao refúgio. Esse caminho tem bastante turfa encharcada. Cruzei com três argentinos que estavam com alguma dificuldade para transpor aquele brejo todo. Disseram que o refúgio estava fechado e que iam acampar ao lado dele depois de visitar a cascata. Cheguei ao refúgio às 17h54. Há água corrente cerca de 120m antes.

Mais tarde eles retornaram, montamos as barracas e eles fizeram uma fogueira - não tem jeito... Ficamos conversando até bem tarde. Eles eram de Mar del Plata.

Altitude de 330m.

Temperatura mínima durante a noite fora da barraca: 5,1ºC

Subindo para o Passo Beban
2º DIA - 07/02/20 - do Refúgio Bonete ao Salto del Azul

Distância: 12,6km
Maior altitude: 811m no Passo Beban Oeste
Menor altitude: 311m no Salto del Azul
Resumo: nesse dia subi do Refúgio Bonete ao Passo Beban pelo vale do Rio Beban num desnível de 491m, em seguida desci 500m pelo vale do Rio Torito até a cachoeira Salto del Azul

9h30 da manhã: 12,4ºC

Tomei o café da manhã com os amigos montanhistas argentinos. Eles desceram para a RN3 e eu saí às 12h em direção ao Passo Beban com intenção de acampar próximo à cachoeira Salto del Azul. Refiz o caminho da Cascada Beban e quando a trilha quebra para a esquerda para chegar a ela tomei uma trilha bem apagada para a direita, já entrando no turbal do vale do Rio Beban. Encontrei uma pirca (totem de pedras) para confirmar o caminho pois a trilha era muito tênue. Passei por algumas castoreiras pequenas (represas de castores) e cheguei às 13h às margens do Rio Beban num local mais raso em que pude atravessar sem tirar as botas, mas mesmo sendo impermeáveis as meias umedeceram um pouco. 

Na outra margem a trilha discreta que havia desapareceu por completo - aqui se deve caminhar o mais próximo possível do rio (à direita) pois a trilha acaba reaparecendo. Passei por um bom local de acampamento às 13h20 e parei para um lanche por 20min. Depois a trilha vai se tornando menos marcada e até desaparece às vezes, mas me mantive do lado esquerdo e na parte mais baixa do vale. Só comecei a subir a encosta à esquerda quando surgiu uma trilha bem marcada apontando naquela direção às 14h10, logo após um riacho que vinha lá de cima. Coletei dessa água pois era bem melhor que a do Rio Beban.

Nessa subida a trilha desapareceu várias vezes também. Solo encharcado e lama até na subida, aliás no caminho inteiro desse dia. Algumas pircas para se orientar. Passei por algumas lagoas que refletiam o céu azul e renderam ótimas fotos. Às 15h40 cheguei a uma crista rochosa que me abriu a visão para o vale onde serpenteia o Rio Beban mais próximo de suas nascentes. E lá na cabeceira desse grande vale já podia ver o Passo Beban, que a distância parecia uma parede intransponível. A trilha continuava pela encosta verde da margem direita verdadeira do rio. 

Esse trajeto até a base do passo foi mais demorada do que parecia. Me mantive em nível pela encosta durante quase todo o trajeto e só mais próximo do passo é que desci ao rio. Logo depois topei com um bom local de acampamento bem na base do passo às 17h. O passo é uma muralha rochosa com duas línguas de pedras soltas de alto a baixo. Teria que escolher uma das duas para enfrentar a subida extremamente íngreme. Caminhando mais próximo ao rio cheguei primeiro à "lingua" da direita e vi um caminho pisado para cima. Resolvi subir por ali mesmo, sem nem olhar a "língua" da esquerda. 

Passo Beban Oeste
Subi com bastante dificuldade pela forte inclinação e as pedras soltas. Jogava o corpo para a frente para não rolar ladeira abaixo com o peso da mochila e usava o bastão para dar mais segurança se escorregasse. Cheguei enfim ao topo do Passo Beban às 18h para descobrir que esse era apenas o passo leste. Altitude de 772m. Logo em seguida tinha o passo oeste. Mas felizmente havia uma trilha de pouco desnível na encosta da montanha à direita e não foi preciso baixar e subir muito. A paisagem desses passos é inteiramente de pedras, a linha das árvores ficou bem abaixo. Desci um nível para a direita e tomei então a trilha que liga os dois passos. É um caminho por um mar de pedras e em alguns momentos não está bem definido, tendo de seguir os totens. 

Aos poucos foi aparecendo bem abaixo à esquerda um grande lago. Dias depois, numa outra exploração (relato aqui), descobri ser a Laguna Ceniza. Passei por um ponto de água corrente. Na chegada ao passo oeste às 18h25 contornei uma mancha de neve. Uma grande pirca marca esse local de 811m de altitude (maior altitude do dia). Apesar de bastante remoto havia pichações nas rochas maiores... lamentável. A pedreira continua do outro lado do passo, mas felizmente com uma inclinação bem mais suave. A curiosidade aqui ficou por conta do riacho que passei a acompanhar, origens do Rio Torito, com as águas tão carregadas de minerais que eram brancas, leitosas, deixando um rasto branco por onde passavam. Cruzei com três argentinos que pretendiam chegar à RN3 e terminar a caminhada ainda nesse dia pois estavam quase sem comida. 

Às 19h15 passei por um trecho mais inclinado da descida, com muitas pedras e até uma cachoeira. Depois reapareceram as lengas baixas e os gramados, alguns deles ótimos para acampar, mas continuei. Agora com trilha marcada o avanço foi mais rápido. Às 20h cruzei o rio principal do vale para a margem esquerda logo abaixo de uma castoreira e subi para a encosta. Com mais 20min descendo passei por uma represa à direita com grande parte do bosque devastado pelos castores. Ao final da represa, às 20h26, parei para pegar água que vinha da encosta e apesar de tarde ainda cruzei com um trilheiro solitário subindo em direção ao passo. Surgiram mais locais de acampamento com água corrente.

Mas às 21h o cenário mais desolador: uma clareira muito grande repleta de árvores mortas, muitas tombadas e muitas ainda em pé mas afogadas na represa dos castores. Estava até difícil caminhar ali naquela confusão de árvores caídas e brejo. Às 21h15 enfim cheguei ao meu local pretendido para acampar, aos pés da cachoeira Salto del Azul, que já foi um lugar muito bonito mas depois de um incêndio ficou todo cinzento.

Altitude de 311m.

Temperatura mínima durante a noite fora da barraca: 2,5ºC

Laguna Azul e Laguna Azul Superior
3º DIA - 08/02/20 - do Salto del Azul ao Passo Valdivieso

Distância: 9,2km
Maior altitude: 919m no Passo Mariposa
Menor altitude: 305m no Rio Torito
Resumo: nesse dia subi da cachoeira Salto del Azul ao Passo Mariposa num desnível de 614m, em seguida desci 385m até a Laguna Capullo e voltei a subir 139m ao Passo Valdivieso

8h30 da manhã: 10,7ºC

Levantei acampamento às 10h52 na direção noroeste seguindo ainda o vale do Rio Torito, porém a trilha, antes bem marcada, desapareceu. Também não vi totens. Cruzei o rio que vinha da cachoeira me equilibrando num tronco, fui para oeste, noroeste, e me aproximei do Rio Torito sem cruzá-lo, sempre por sua margem esquerda. Ao chegar ao limite de um bosque o Rio Torito faz uma curva para a direita e se dirige para o norte para encontrar o Lago Fagnano. Nesse ponto é preciso subir a encosta da esquerda e tomar o rumo contrário, sul, para ultrapassar o Passo Mariposa. Porém continuava sem encontrar trilha nem totens. 

Entrei no bosque às 11h53 para procurar a trilha de subida. Não encontrei uma trilha marcada mas dava para caminhar por entre as árvores (essa não deve ser a melhor alternativa, como descobriria depois). Subi por onde dava e até vi pegadas. Ao sair do bosque para a esquerda às 12h31 encontrei água corrente e mais pegadas. Porém olhando para baixo vi uma trilha subindo. Não identifiquei onde ela começa. Acabei encontrando com ela mais acima e parei para um lanche com uma vista espetacular do vale e do Lago Fagnano. 

Às 13h27 subi a encosta, agora pela trilha que achei, e passei por belos lagos e vales mais altos na encosta da montanha. Também cruzei um riacho e encontrei um totem confirmando o caminho. Às 14h20, ao deixar para trás as últimas lengas-arbusto, avisto um cenário de cair o queixo: juntas a Laguna Azul e a Laguna Azul Superior, dois lagos belíssimos no meio de toda aquela imensidão de montanhas lindas. Passado o espanto, tive de estudar como descer na direção delas já que me encontrava numa crista rochosa com paredes altas. Mas foi tranquilo, bastou seguir a crista até o final que apareceu uma descida fácil. 

Laguna Mariposa
Já estava caminhando na direção dos lagos quando percebi que não era por ali e sim para o lado oposto (oeste), onde havia totens e por onde desce um riacho. Mais acima, às 15h05, atravessei esse riacho para a esquerda (margem direita verdadeira). O ambiente já é de alta montanha, quase totalmente de pedras e alguma vegetação rasteira que vai desaparecendo à medida que me aproximo do passo. Subida constante porém fácil. Há água corrente e totens confirmam o caminho. Avistei um guanaco no alto de um rochoso me observando. Ele sumiu por algum tempo e depois o reencontrei junto com seu bando, num total de seis. Me olhavam atentamente, mas depois se foram. 

Dois círculos amarelos pintados na parede de um rochoso indicam a direção a seguir (esquerda) e às 15h55 alcanço o Passo Mariposa. Altitude de 919m, a maior de todo o trekking. Do outro lado (oeste) surge um grande vale e lagos de vários tamanhos, com destaque para a Laguna Capullo e a Laguna Mariposa. Não era possível avistar o Passo Valdivieso dali, apenas saber a direção dele (sudoeste).

O que a subida ao Passo Mariposa teve de fácil (longa mas com inclinação suave) a descida teve de dura e cansativa. O caminho estava bem marcado no mar de pedras porém já começa extremamente inclinado. Pobres joelhos! Estabiliza num platô e depois despenca ainda mais inclinado, com areia e pedrinhas soltas para escorregar. Por vezes saía da trilha batida e descia pelas pedras ao lado, ao menos não escorregava tanto. 

Quando atingi a vegetação de novo encontrei bastante barro e solo molhado. Cruzei vários riachos (ou o mesmo várias vezes). Ao me aproximar da Laguna Capullo às 17h26 vi que havia um casal nadando como veio ao mundo. Contornei essa laguna pela esquerda e ao me aproximar eles já estavam vestidos, assim pudemos conversar. Eram da República Tcheca! Eu estava apreensivo que a subida do Passo Valdivieso fosse como a subida do Passo Beban ou a descida do Passo Mariposa, mas eles me tranquilizaram dizendo que era bem fácil, tanto na subida quanto na descida para o Rio Olívia. 

Subi 130m (horizontais) desde a margem da Laguna Capullo (altitude de 534m) e encontrei às 18h uma área de acampamento muito boa, plana e entre arbustos. O caminho para o passo está antes desse acampamento, ao lado de uma quedinha-d'água. Mais acima não encontrei totens e fui por tentativa e erro. Num certo ponto comecei a subir por uma ladeira de pedras mas vi que não era ali, então tentei uma ladeira gramada à direita dela e finalmente encontrei totens no seu topo. Dali já é espetacular a visão para a Laguna Mariposa, as lagunas menores e o Lago Fagnano. Para trás a vista do Passo Mariposa é assustadora, a trilha parece completamente vertical.

Subi mais por caminho gramado e às 19h atinjo um grande platô. O percurso até o Passo Valdivieso se torna mais sossegado. Passei por vários lagos e decidi acampar próximo do passo pois teria uma incrível vista das montanhas. Se descesse para o Rio Olívia poderia demorar a encontrar um local bom de acampamento e não devia ter uma vista tão bonita. Cheguei ao passo às 20h, altitude de 626m, mas voltei até uma das lagunas pois vi um local plano e seco para montar a barraca.

Altitude de 605m.

Temperatura mínima durante a noite fora da barraca: 4,7ºC

Laguna Passo Valdivieso
4º DIA - 09/02/20 - do Passo Valdivieso ao Rio Esmeralda

Distância: 19,5km
Maior altitude: 626m no Passo Valdivieso
Menor altitude: 150m no Valle Carbajal
Resumo: nesse dia desci do Passo Valdivieso ao Rio Olívia/Valle Carbajal um desnível de 476m, em seguida caminhei 12,8km por esse vale até encontrar o Rio Esmeralda

8h25 da manhã: 5,7ºC

Comecei a caminhar às 10h e em 10min estava cruzando o Passo Valdivieso. Do outro lado a Laguna Passo Valdivieso belíssima, encaixada num platô antes da descida para o Rio Olívia. Acompanhei pela margem esquerda o riacho que a alimenta e desci a ela. Fiquei bastante tempo admirando aquele lugar incrível. Sabia que baixando ao Valle Carbajal não teria uma paisagem tão grandiosa. Às 11h50 estava deixando essa laguna pela margem esquerda do riacho que extravasa dela (mas acho que deveria ter cruzado esse riacho ali mesmo e iniciado a descida já pela sua margem direita). Desci por trilha batida mas depois me vi no alto de pedras com descida difícil e fui obrigado a cruzar o rio. Do outro lado encontrei totens, por isso penso que deveria tê-lo cruzado lá na saída do lago. Agora por trilha bem marcada desci sem dificuldade. 

Apareceram fitas crepe nos galhos e plaquinhas refletivas para orientar. Às 12h57 a trilha cruza o rio para a margem esquerda. Uns 80m depois seria possível acampar. Em seguida a trilha desce muito inclinada e volta ao rio, atravessando-o de novo para a margem direita (há uma trilha ainda na margem esquerda que engana).

Às 13h20, quando a trilha passou bem ao lado do rio novamente, surgiu um caminho saindo para a esquerda sinalizado com fitas crepe e totens, mas a trilha em que eu estava descia bem batida pela margem direita. Fiquei em dúvida e resolvi seguir a sinalização. Foi perda de tempo. Cruzei o rio pelas pedras e tomei a trilha... que terminou na Roca 25 de Mayo, um grande boulder. Voltei, cruzei o rio de novo e retomei o caminho em que estava (margem direita). 

Laguna Passo Valdivieso
Estava tudo ótimo até chegar às 13h45 à parte mais baixa do vale, onde a trilha bem batida simplesmente sumiu. Em vez de trilha agora estava no meio de uma confusão de lama, brejo e árvores secas caídas. Obra de castores. A única certeza é que deveria seguir para a esquerda (leste). Caminhei nessa direção e topei com o Rio Olívia já largo. Sem caminho desse lado até pensei em procurar trilha do outro lado, mas antes consultei o gps. A trilha do Open Street Map (e do Maps.me) naquele local corta o rio duas vezes seguidas numa curva em U invertido que o rio faz. Corta duas vezes para continuar na margem esquerda. Com o rio largo não valia a pena cruzá-lo ali e de novo 200m depois. Melhor procurar avançar acompanhando a curva em U em lugar de cortá-la. A indicação de um acampamento próximo na margem esquerda me deu mais esperança de encontrar uma trilha desse lado. 

Caminhei pela curva com bastante dificuldade, saltei o riacho que vem da Laguna Passo Valdivieso e realmente encontrei um acampamento, já entrando no bosque. Depois dele uma trilha meio apagada. Aliviado, parei para lanchar por 20min. Minha intenção era me manter sempre na margem esquerda do Rio Olívia até o final da caminhada.

Parti às 14h21. A trilha segue tênue pelo bosque, quase sumindo, e sai em outro caos enorme de árvores caídas, brejo e lama. Sem trilha preferi ultrapassar esse local pela lateral esquerda, tendo que saltar troncos ou caminhar por cima deles evitando os brejos. Ao sair desse lugar encontrei uma sinalização (um cano amarelo espetado no chão), confirmando que eu estava no caminho certo.

Dali em diante a dificuldade foi outra: caminhar pelo imenso turbal do Valle Carbajal, o que me tomou o restante do dia e me cansou muito. Nesse turbal já se consolidou um caminho em forma de canaleta com alguns centímetros de profundidade. Então é preciso caminhar até o fim do vale (quase 12km) por essa canaleta estreita, o que é bastante chato e cansativo. 

Às 15h02 cruzei pelas pedras o Arroyo Balcon. A sinalização com cano amarelo e também refletivos nas árvores continua. Às 15h23 atravessei o Arroyo Año Nuevo. Às 16h36 cruzar o Arroyo de la Virgen com correnteza deu um pouco mais de trabalho, sorte que encontrei uma ponte improvisada com troncos finos à direita para não ter de tirar as botas. Às 17h28 o Arroyo Angelito também tem ponte improvisada de troncos e espaço para uma barraca. 

Uns 230m depois não percebi uma bifurcação e segui pela canaleta mais pisada (direita). Me deparei com uma vala funda com água. Achei estranho e verifiquei o gps. Vi que esse é um dos caminhos que levam à margem da Laguna Arco-Íris e dela para o Rio Olívia a fim de cruzá-lo, mas não há necessidade de cruzar o Rio Olívia. Além disso, eu não sabia se haveria ponte (provavelmente não). Queria me manter sempre na margem esquerda do Rio Olívia pois sabia que assim a saída do vale seria fácil, sem vadeação de rio. Da vala voltei 420m e só então vi a trilha saindo para a direita (esquerda na vinda) com uma fita crepe. Nessa hora comecei a sentir pingos e parei para vestir a roupa impermeável, logo depois tive de tirar pois os pingos pararam e senti calor. 

Passo Valdivieso
Às 18h38 cruzei um riacho mais largo pelas pedras. Daí em diante foi uma alternância entre caminhar na canaleta do turbal e entrar e sair dos bosques à esquerda. Em toda entrada e saída de bosque havia um lamaçal preto como boas-vindas e despedida. Por sorte uma alma bondosa espalhou fitas crepe pelos bosques e sinalizou bem os pontos onde entrar e sair deles. Isso agiliza demais a caminhada! 

Às 19h32, num dos bosques, topei com um acampamento de caçador/pescador com espeto, grelha e local de fogueira. Cruzei o rio ao lado por uma pinguela de dois troncos. Às 19h45 vi numa árvore uma plaquinha "Laguna Ceniza arriba" apontando para a esquerda - marquei o local para explorar depois (relato aqui). O entra-e-sai de bosques se tornou mais intenso. No meio de tudo isso passou por mim um casal bem jovem praticando corrida, enfiando o pé com vontade naqueles brejos e lamaçais. 

Às 20h50 passei à esquerda de um lago e vi um castor nadando nele. Li que é mais fácil vê-los nos horários do amanhecer e final da tarde, e isso se comprovou nas caminhadas que fiz. A essa altura já calculava que chegaria só de noite à RN3 e seria muito difícil conseguir carona para voltar a Ushuaia. Isso já me colocava em sobreaviso para encontrar um local para acampar pelo caminho e voltar à cidade só no dia seguinte. Comida eu tinha. Mesmo assim iria tentar ficar o mais próximo possível da rodovia. Esse dia a mais não estava nos planos pois a previsão era de chuva.

Às 21h03 entrei num bosque maior e saí do vale do Rio Olívia. Ao final desse bosque cruzei a balançante Ponte La Reina (a rainha) sobre o Rio Beban, aquele mesmo do segundo dia e da cachoeira sem-vergonha. Em seguida outra destruição causada pelos castores mas essa pelo menos não é preciso cruzar, se passa ao lado. Às 21h23 a trilha quebra para a direita (sul) e reentra no bosque por um caminho largo. Em 5min outra trilha vem da esquerda com placa de "Cruce", esse o principal acesso ao Refúgio Bonete. 

Rapidamente escureceu dentro da mata, mas para minha surpresa cruzei com quatro trilheiros, provavelmente iam acampar no refúgio. Não disse que os argentinos iniciam as caminhadas de tarde?... até de noite. Continuei o caminho com lanterna e procurando um local para a barraca pois antes desse bosque era só turfa encharcada. Às 22h11 cruzei o Rio Esmeralda por uma ponte em reforma e subi. Já estava ouvindo o barulho dos carros na rodovia quando topei com uma grande área de piquenique, excelente lugar para acampar a apenas 110m do Rio Esmeralda e com um riachinho 40m depois. Que sorte!

Altitude de 199m.

Passo Valdivieso
5º DIA - 10/02/20 - do Rio Esmeralda à RN3 e Círculo de Oficiales da Polícia de Tierra del Fuego (antiga Posada del Peregrino)

Distância: 3,6km
Maior altitude: 236m
Menor altitude: 142m no Círculo de Oficiales
Resumo: nesse último dia terminei o Circuito Valdivieso na rodovia RN3 e percorri parte de um caminho (denominado no painel informativo como Senda Hacheros) até o Círculo de Oficiales da Polícia de Tierra del Fuego 

Felizmente a previsão do tempo errou e não choveu. Cinco dias sem chuva em Ushuaia é quase um milagre! Saí do acampamento às 8h08 e em 9min estava na RN3. Ao chegar à rodovia vi o painel com mapa das trilhas e lembrei da continuação até o Rio Olívia chamada Senda Hacheros. Resolvi fazer. Porém não é uma trilha e sim a estrada do gasoduto, caminho muito chato e feio. O vento gelado de frente também me desanimava a continuar. Mesmo assim caminhei 2,8km até a antiga Posada del Peregrino, agora Círculo de Oficiales da Polícia de Tierra del Fuego, local onde terminaria a caminhada se tivesse cruzado o Rio Olívia depois daquela bifurcação da vala funda. Essa antiga pousada fica exatamente na RN3. Foi só levantar o dedo ali que o segundo carro parou. Era um argentino que morava na região de Salta. 

Informações adicionais:

. para chegar ao início da trilha deve-se tomar o ônibus das linhas A ou B no centro de Ushuaia e saltar no ponto final no portal da cidade, em seguida pedir carona (hacer dedo, em espanhol)

. o valor da passagem em fev/20 era ARS24 (R$1,50) que deve ser pago obrigatoriamente com o cartão de transporte SUBE (o mesmo de Buenos Aires e Bariloche)

. uma opção mais confortável é o transporte privado (van) chamado Linea Regular que sai diariamente da esquina das ruas Maipu e Juana Fadul de hora em hora das 9h às 14h. 

. mais informações sobre o projeto "Sendero del Fin del Mundo" em lahuellaandina.com.ar, link "Guía original de Senderos de Patagonia".

Rafael Santiago
fevereiro/2020


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