segunda-feira, 30 de abril de 2018

Travessia do Parque Nacional Cerro Castillo (Chile) - fev/2018

Laguna Cerro Castillo
Início: Las Horquetas Grandes
Final: Vila Cerro Castillo
Duração: 4 dias
Distância: 52,2km (mais 3,5km ida e volta ao Glaciar Peñón e 4,9km ida e volta à Laguna Duff)
Maior altitude: 1694m
Menor altitude: 311m
Dificuldade: alta (o percurso é longo e há várias subidas e descidas por pedras soltas)

A travessia do Parque Nacional Cerro Castillo é uma das caminhadas mais bonitas do Chile e está se tornando bastante popular entre chilenos e estrangeiros. Não só pelo incrível cenário que percorre mas também por ser uma travessia sem dificuldade técnica desde que feita no verão, quando a quantidade de neve é bem pequena, restrita ao Passo Peñón normalmente. Outro ponto a favor é a abundância de água em todo o percurso, não necessitando ter muita água pesando na mochila. E ainda pode ter seu trajeto encurtado para três dias se o aventureiro não dispuser de quatro dias. Claro que isso significa sacrificar algum local de grande beleza, como a Laguna Duff.

Essa travessia é uma das 31 caminhadas descritas no guia Trekking in the Patagonian Andes da editora Lonely Planet, a bíblia do trekking na Patagônia chilena e argentina (bem como em regiões um pouco mais ao norte). No caso de Cerro Castillo a região é Aysén, de número XI (as regiões no Chile têm nome e número em romano).

O leitor pode estranhar alguns horários tardios de saída e chegada aos locais de acampamento que coloquei nesse relato, mas é bom lembrar que eu estava na Patagônia em final de janeiro, quando o sol nasce às 6h40 e se põe às 21h20, portanto em nenhum dia caminhei no escuro.

Estero Las Mulas



30/01/18 - 1º DIA - de Las Horquetas Grandes à entrada oficial do parque

Duração: 5h20
Distância: 13,6km
Maior altitude: 928m
Menor altitude: 768m
Dificuldade: fácil

Saí do hostal em Vila Cerro Castillo às 11h50 e fui para a Carretera Austral (Rota 7) esperar um ônibus que subisse a rodovia em direção a Coyhaique ou Puerto Ibáñez e me deixasse em Las Horquetas Grandes. Saí tarde assim porque me disseram que haveria um ônibus por volta de meio-dia, antes disso só muito cedo, lá pelas 7h. Na verdade tive muita informação errada sobre horários de ônibus em Vila Cerro Castillo, só depois do trekking é que encontrei o posto de informação turística aberto e a moça me mostrou uma tabela com todos os horários (ver horários abaixo em Informações Adicionais).

Às 12h em ponto passou um micro-ônibus da empresa Acuario 13 e todos os mochileiros do ponto subiram nele, inclusive os que estavam desde cedo "haciendo dedo" (pedindo carona) na estrada. O asfalto da Carretera Austral atualmente termina em Vila Cerro Castillo, portanto subimos rapidamente pela estrada em boas condições até o início da caminhada, em Las Horquetas Grandes, um lugar completamente desabitado. 

Saltei do coletivo às 12h57 junto com a moçada toda e entramos no caminho que fica à esquerda da rodovia, junto a uma placa do Sendero de Chile. Altitude de 791m.

Sendero de Chile é um projeto que visa contribuir com a proteção da natureza do país através da criação/manutenção de trilhas e caminhos para que as pessoas possam conhecer e valorizar o patrimônio natural do Chile. Matéria em que o Brasil ainda está muito atrasado.

A direção geral desse primeiro dia é para oeste e depois sudoeste, acompanhando principalmente o vale do Estero La Lima.

Vale do Estero La Lima 



O caminho inicia como uma estrada de rípio, logo cruza uma porteira e depois o Estero Las Mulas através de uma ponte de troncos. O Estero Las Mulas logo deságua no Rio Blanco e o caminho segue pelo vale deste rio. Às 13h22, junto a uma segunda porteira, fica uma casinha de madeira onde o guardaparque cobra a entrada de CLP 5000 (R$27) mediante a assinatura de um termo de responsabilidade pela realização da travessia.

A estradinha continua e logo sobe em direção a uma cerca de madeira e um bosque. A visão do vale do Rio Blanco se amplia e ao fundo da cerca se podem ver algumas casas e galpões. Esse primeiro dia de caminhada é todo feito por dentro de propriedades particulares, com criação de gado e várias porteiras. A trilha entra no bosque de lengas às 13h49 e se dirige ao vale de outro rio, o Estero La Lima. Às 15h15 cruzo o primeiro dos seus afluentes, o Estero Blanco Chico, sem dificuldade pelos troncos jogados. À frente já visualizo os nevados da Cordilheira Castillo. Às 15h37 passo por uma casa à esquerda e às 15h51 cruzo pelas pedras o próprio Estero La Lima, bastante largo. Daí em diante foram mais 6 rios e riachos, alguns um pouco mais chatos de atravessar pela largura. Não tirei as botas em nenhum deles mas numa bobeira minha entrou água na bota direita ao cruzar um mais fundo.

Às 18h o tempo fechou, nevou um pouquinho e a temperatura caiu muito. 

Às 18h17 uma bifurcação com uma seta apontando para a esquerda. O caminho da direita segundo o mapa é o Sendero Rio Turbio e segundo o gps leva a uma estrada entre os lagos La Paloma e Monreal, ao norte. Com apenas mais 80m para a esquerda alcanço enfim a entrada oficial do parque nacional, com um grande mapa, placa de bienvenido e uma porteira destruída por uma árvore caída. Cerca de 140m após a porteira encontrei a Guarderia Rio Turbio, uma cabana bastante revirada por dentro mas toda equipada com fogão, panelas e pia. Mas é sempre bom lembrar da recomendação quanto ao perigo do hantavírus.

Estero La Lima



O hantavírus é altamente mortal e há cartazes sobre o seu risco e prevenção por todo o sul do Chile. É transmitido pela urina e fezes dos roedores que se alojam em casas e galpões que ficam fechados por muito tempo. A recomendação é nunca dormir dentro de lugares fechados pelo risco de inalar o ar contaminado pelos dejetos com o vírus. Por isso não se deve trocar nunca a barraca por refúgios, casas e galpões fechados no meio da mata.

Ao lado da guarderia fica a área de camping, ambos protegidos pelo bosque de lengas e outras espécies. O chão é quase todo de terra (para sujar bastante a barraca) com um pouquinho de grama em algumas partes. Procurei um lugar gramado para acampar mais à frente. Até encontrei mas tinha receio de que algum guardaparque aparecesse e me mandasse para o acampamento demarcado. Mas até o final da travessia não vi guardaparque em nenhum lugar (só lá nas Horquetas mesmo). Não continuei até o acampamento do Rio Turbio (50 minutos adiante) porque devia estar mais cheio.

Nesse acampamento havia mesas de picnic e água podia ser coletada num riacho ao lado. O banheiro é uma casinha de madeira com porta e telhado. Dentro um assento de madeira com um grande buraco. Na cabana havia vaso sanitário mas a descarga não funcionava.

Nessa noite havia mais três barracas nesse camping e dois malucos dormiram dentro da cabana.

Altitude de 928m.

Vale do Rio Turbio com o Cerro Peñón ao fundo e o selado do Passo Peñón à esquerda



31/01/18 - 2º DIA - da entrada oficial do parque ao acampamento El Bosque

Duração: 5h30 (mais 1h20 ida e volta ao Glaciar Peñón)
Distância: 11,2km (mais 3,5km ida e volta ao Glaciar Peñón)
Maior altitude: 1453m
Menor altitude: 915m
Dificuldade: média se não houver muita neve no Passo Peñón

A temperatura mínima da noite foi 2,9ºC.

A direção geral desse segundo dia é sudoeste acompanhando principalmente as nascentes dos rios Turbio e El Bosque.

Levantei acampamento às 11h12 e continuei pelo caminho bem marcado, agora convertido em trilha mesmo. Às 11h30 a visão se ampliou com a chegada ao vale pedregoso do Rio Turbio, cercado de montanhas rochosas com os cumes cobertos de neve. A primeira de muitas paisagens espetaculares dessa travessia. A sudoeste, à esquerda do Cerro Peñón, já podia avistar ao longe o selado do Passo Peñón, que deveria cruzar ainda nesse dia. E notei que havia um pouco de neve nele (um pouco?...)

A sinalização continua por estacas amarelas na margem direita do rio e reentra no bosque. Às 12h05 encontro o acampamento do Rio Turbio, bem maior que o anterior, dentro do bosque, com mesas de picnic e banheiro, porém com chão de terra também. 

Às 12h38 cruzei por uma ponte o rio que nasce nas alturas do passo. Uns 60m depois parei numa bifurcação onde havia uma seta apontando para a esquerda e galhos jogados na trilha à direita (técnica que a Conaf usa para sinalizar que não se deve passar por aquela trilha). É que à direita era o caminho para o Glaciar Peñón onde nasce o Rio Turbio, que estava nos meus planos visitar. Fui então à direita e com 170m saí do bosque diretamente para uma grande área de pedras que acompanha o rio de degelo do glaciar, o próprio Rio Turbio. Havia trilha marcada, totens e balizas vermelhas para orientar. Claro que caminhar pelas pedras soltas demanda mais cuidado e o avanço é mais lento (pelo menos para mim). Às 13h19 alcancei um lago mas a geleira estava distante, bem para dentro. Havia cachoeiras caindo do Cerro Peñón à esquerda. Vale a pena esse desvio de 3,5km (ida e volta)? Se você está com tempo e o dia está bonito para fotos penso que sim.

Lago formado pelo Glaciar Peñón



Às 14h41 estava de volta à trilha principal e na subida comecei a notar os troncos inclinados das lengas, sinal de que estava atingindo o limite das árvores, onde a camada de terra é cada vez mais rasa. Às 15h17 saio do bosque e encaro de vez a subida do Passo Peñón, toda de pedras soltas. Esse passo se parece com um grande portal rochoso. A sinalização aqui foi feita com tinta vermelha e branca nas pedras. A neve, que inicialmente aparece nas laterais do caminho, começa a invadir tudo e logo estou subindo por ela. Felizmente a bota era impermeável, então sentia o frio mas os pés se mantinham secos. Atingi o ponto mais alto às 16h21. Altitude de 1453m. Do passo se vê o Morro Rojo à frente (sudoeste) com a Laguna Cerro Castillo à sua direita. Felizmente não havia vento forte. A descida pela neve era mais preocupante pois tinha receio de pisar em alguma parte com gelo duro e escorregar. Caminhei cerca de 20 minutos pela neve... muito mais do que eu imaginava... isso em pleno janeiro!

Voltei a caminhar pelas pedras soltas mas não pude desviar de outra grande mancha de neve, felizmente menor. Caminhei mais 5 minutos por ela.

De volta às pedras soltas a descida se tornou muito inclinada, exigindo muito cuidado para não rolar moraina abaixo. Cascatas despencam da face leste do Cerro Peñón à minha direita.

Terminada a ladeira íngreme passei a caminhar pelo vale de pedras de um afluente do Estero El Bosque. Ali encontrei duas americanas que estavam fazendo o percurso ao contrário e me perguntaram sobre a subida ao passo. Elas eram precavidas e levavam crampons. Parei para descansar e observá-las naquela subida difícil. Mas enfrentaram numa boa, eram bem fortes. Cruzei todo o vale de pedras, reentrei na mata às 18h e 15 minutos depois atravesso o afluente do Estero El Bosque por uma ponte. Depois de cruzar mais dois riachos chego às 18h40 ao acampamento El Bosque, bem protegido do vento em meio ao bosque de lengas. Acampamento bastante espaçoso porém inclinado, com poucos lugares planos, e todo de terra, nada de grama. Mesmo padrão de mesas de picnic e banheiros. Água abundante do Estero El Bosque ao lado.

Aliás água não foi preocupação nesse dia também, assim como no primeiro dia. Mesmo no passo havia várias fontes de água.

Nessa noite havia mais seis barracas nesse camping.

Altitude de 940m.

Do Passo Peñón se vê o Morro Rojo com a Laguna Cerro Castillo à direita



01/02/18 - 3º DIA - do acampamento El Bosque ao acampamento Neozelandês

Duração: 8h40
Distância: 13,1km
Maior altitude: 1694m
Menor altitude: 866m
Dificuldade: média pois há bastante subida e descida por pedras soltas

A temperatura mínima da noite foi 6,9ºC.

A direção geral desse terceiro dia é sudoeste até o mirante da Laguna Cerro Castillo, depois oeste e sudoeste até o acampamento Los Porteadores e por fim norte até o acampamento Neozelandês.

Aproveitei o dia ensolarado para fotos das montanhas ao redor do acampamento, como a face leste do Cerro Castillo e outros belos nevados da Cordilheira Castillo.

Saí do acampamento às 12h subindo pelo bosque e tendo o Estero El Bosque à minha esquerda, porém em apenas 6 minutos atravesso um de seus formadores através de troncos para reentrar na mata na outra margem. A subida pela trilha me proporciona uma linda visão quando saio do bosque: para a frente o Cerro Castillo e para trás o Passo Peñón. Às 13h28 surge uma espetacular cachoeira à direita, diretamente da geleira do Cerro Castillo. As duas americanas que conheci no dia anterior me alcançaram pois estavam retornando (!?). É que foram até o acampamento Rio Turbio, acamparam e voltaram... Às 13h44 cruzo o rio formado pela cachoeira num ponto mais acima onde não precisei tirar as botas por serem impermeáveis (as americanas tiraram os tênis). Continuo subindo por caminho de pedra (e um pouco de capim) pela margem esquerda do rio que verte da Laguna Cerro Castillo e a vista do Passo Peñón para trás é cada vez mais bonita. Isso e mais a cachoeira foram as primeiras visões impressionantes de um dia repleto de paisagens incríveis.

Cachoeira formada pela geleira do Cerro Castillo



Parei para lanchar às 14h07 perto de um riachinho e voltei a caminhar às 14h22. Essa seria a última água corrente até o acampamento Los Porteadores. A visão para trás do Passo Peñón fica cada vez mais nítida e posso observar toda a extensão de neve que tive de atravessar no dia anterior. 

Às 14h33 alcancei o acampamento La Tetera (chaleira ou bule, em espanhol), este sim com um gramadão porém mais "rústico" que os outros, não cheguei a ver se havia banheiro. Já caminhando acima da linha das árvores, a subida continua pelo caminho de pedras e às 14h48 uma linda surpresa: a Laguna Cerro Castillo, de um azul maravilhoso e adornada por diversas cachoeiras que despencam diretamente do Cerro Castillo.

Após um tempo de contemplação e muitas fotos encarei a subida de pedras soltas (moraina) ao sul da laguna. Isso após cruzar pelas pedras o riacho que é seu vertedouro. Alcancei o alto às 15h45 e havia mais de 30 pessoas num mirante admirando o lugar. Altitude de 1422m. É que há uma trilha que sobe diretamente de Vila Cerro Castillo a esse lugar, as pessoas fazem isso como um passeio de um dia. E serve como uma rota de fuga em caso de necessidade ou de não haver disponibilidade de mais um dia.

Ali no alto portanto a trilha mais marcada era a que vinha da cidade. A trilha da travessia não era tão visível, mas algumas estacas amarelas davam a direção, que era oeste. Antes de continuar, larguei a mochila e caminhei 300m até a borda da montanha para tirar fotos do imenso vale do Rio Ibáñez com a Vila Cerro Castillo abaixo e no horizonte ao sul o Lago General Carrera.

Voltei ao mirante, peguei a mochila e segui às 16h08 orientado pelas estacas amarelas. Desci e caminhei pela borda mais próxima à laguna mas depois encontrei a trilha bem marcada e segui por ela morro acima, no rumo oeste. Caminho todo de pedras ainda, neve apenas em pequenas manchas a uma certa distância. As americanas vinham um pouco atrás. Atingi o ponto mais alto às 17h05 e esperei as meninas para descermos juntos. Altitude de 1694m. A visão, além do Rio Ibáñez, Vila Cerro Castillo e Lago General Carrera, agora começa a se abrir para o vale do Estero Parada.

Ponto mais alto da travessia



Iniciamos a descida às 17h35 e foi com cuidado pois é um caminho todo de pedras soltas também. Uma delas caminhava mais lentamente. Nos orientávamos pelas estacas. Finalmente às 18h33 terminou a ladeira de pedras mas a descida, agora menos inclinada, continua em meio aos arbustos. A visão para o fundo do vale do Estero Parada permite apreciar o majestoso Cerro Palo. Numa bifurcação não sinalizada às 19h tomamos a direita pois a esquerda nos afastaria do acampamento. Em mais 7 minutos reentramos na mata. Numa bifurcação sinalizada às 19h16 tomamos a direita, cruzamos um riacho e chegamos ao acampamento Los Porteadores, pequeno e bastante cheio (contei 11 barracas). Altitude de 872m. As meninas resolveram ficar ali mesmo pois caminharam muito nesse dia, praticamente fizeram dois dias da travessia em um (e com o Passo Peñón nevado no meio). Mesmo esquema de acampamento com mesa de picnic, rio ao lado e banheiro com assento de madeira. Como havia mais 2h de luz natural, descansei um pouco e continuei para o acampamento Neozelandês. 

Me despedi delas às 19h34 e enfrentei a subida no rumo norte. Mata um pouco mais fechada e a visão de algumas montanhas da Cordilheira Castillo ao fundo. Muitas fontes de água pelo caminho. Cheguei ao Neozelandês às 20h42 e era o oposto do anterior: muito espaço e poucas barracas. Pude escolher um lugar à vontade. Igual aos outros: água bem próxima, mesa de picnic e banheiro. Tudo protegido dentro do bosque de lengas.

Nessa noite havia mais seis barracas nesse camping.

Altitude de 1146m.

Cerro Castillo



02/02/18 - 4º DIA - do acampamento Neozelandês a Vila Cerro Castillo com subida à Laguna Duff

Duração: 4h45 (mais 2h ida e volta à Laguna Duff)
Distância: 14,3km (mais 4,9km ida e volta à Laguna Duff)
Maior altitude: 1445m
Menor altitude: 311m
Dificuldade: média pois a subida à Laguna Duff é pela moraina (pedras soltas)

A temperatura mínima da noite foi 9,5ºC.

A direção geral desse terceiro dia é sul até a estrada de rípio e em seguida leste até Vila Cerro Castillo.

Deixei a barraca montada e às 9h10 fui conhecer a Laguna Duff. Continuei subindo pela trilha por onde cheguei no dia anterior, que logo sai do bosque, se aproxima do Estero Parada e reentra em outro bosque. Ao sair definitivamente do limite das árvores às 9h32 é hora de enfrentar a longa subida de pedras soltas na direção nordeste. À esquerda (norte) despenca o Estero Parada, que brota da própria Laguna Duff. Do outro lado do vale é possível avistar outras lagunas aos pés do Cerro Punta El Olvido, mas parece não haver trilha marcada até lá. Às 10h13 alcancei a Laguna Duff, na cota dos 1445m. E o queixo caiu de novo. A laguna tem uma cor azul linda e diversos blocos de gelo flutuando. Mesmo assim havia alguns doidos ali com coragem para entrar naquela água congelante. As montanhas de pedra nevadas por todos os lados da laguna também impressionam, formando um cenário magnífico. Foi pra fechar com chave de ouro essa travessia.

Cerro Palo e Vale do Estero Parada


Às 12h35 estava de volta ao acampamento, almocei, desmontei a barraca e às 13h51 iniciei a descida para Vila Cerro Castillo. Sentido sul sempre até a estradinha de rípio. Voltei pelo mesmo caminho até o acampamento Los Porteadores, onde passei às 15h03, cruzei o riacho ao lado (última água fácil do dia) e tomei na bifurcação a trilha da direita, descendo. O caminho percorre o alto da encosta esquerda do Estero Parada. Às 15h43 passei por uma cerca com placa de bienvenido à reserva, ou seja, estava saindo dela mas ainda faltava muito chão para caminhar. 

A descida continua e às 16h tenho vista para o Rio Ibáñez à direita. Às 16h09 passo por uma tronqueira e 4 minutos depois me aproximo do Estero Parada. Logo a visão se amplia para a esquerda (nordeste), com o Cerro Castillo e a montanha por onde sobe a trilha que vai da cidade ao mirante da Laguna Cerro Castillo. A trilha continua bem marcada pelo capim, sigo os caminhos mais à direita até que às 16h35 alcanço uma cerca e uma estrada de rípio. Curiosamente há uma placa "recinto privado - no entrar". A cerca tem arame farpado, exceto num ponto onde há arame sem farpa, por onde se deve passar. Na estradinha fui para a esquerda. 

Essa estradinha de 6,4km corre pelo vale do Rio Ibáñez e é um final inglório para uma caminhada tão empolgante. Não fosse pelos calafates que comi ao longo do caminho teria sido um tédio só. Não passou um carro sequer para eu tentar uma carona. Parei uma vez para descanso e cheguei à entrada da trilha para o mirante da Laguna Cerro Castillo às 18h15. A casinha do guardaparque estava fechada mas o letreiro informava que o desnível é de 1000m. Continuei pela estrada e cruzei a ponte sobre o Arroyo El Bosque (o mesmo do acampamento da segunda noite). Há uma parede de escalada ali e alguns estavam praticando. Às 18h35 estava de volta a Vila Cerro Castillo, encerrando essa maravilhosa caminhada.

Altitude de 337m.

Laguna Duff
Informações adicionais:

Ônibus de Vila Cerro Castillo a Las Horquetas Grandes (segundo a tabela do posto de informações turísticas de Vila Cerro Castillo):

seg, qua, qui, sex: 7h15, 8h, 11h30, 12h30, 14h30, 16h, 18h, 18h30
ter: 7h15, 11h30, 12h30, 14h30, 18h, 18h30
sáb: 8h30, 11h30, 12h30, 14h30, 17h, 18h30
dom: 11h30, 12h30, 14h30, 18h30

Preço da passagem: CLP 2000 (R$10,70)

A entrada no parque custa CLP 5000 (R$27) mas os campings são todos gratuitos. Há guardaparque apenas na casinha em Las Horquetas Grandes e no início da trilha que sobe da cidade para o mirante da Laguna Cerro Castillo.

Em Vila Cerro Castillo há pelo menos cinco mercadinhos para compra dos mantimentos para a caminhada. Cartucho de gás não procurei mas acho melhor comprar em uma cidade maior como Coyhaique. Há diversos hostais e também camping.

O grau de dificuldade que coloco nos relatos é uma avaliação pessoal e considera que o trilheiro esteja acostumado a caminhadas de vários dias com mochila cargueira. Para um iniciante considere todas as trilhas como difíceis. Para um iniciante que não esteja em boa forma física é melhor procurar trilhas fáceis de um dia para ganhar experiência e condicionamento.

Rafael Santiago
fevereiro/2018

domingo, 29 de abril de 2018

Travessia Anticura-Águas Calientes no Parque Nacional Puyehue (Chile) - março/2018

Vulcões Puntiagudo e Osorno ao entardecer


Início: setor Anticura do Parque Nacional Puyehue
Final: setor Águas Calientes do Parque Nacional Puyehue
Duração: 3 dias
Distância: 57,4km
Maior altitude: 1928m
Menor altitude: 385m
Dificuldade: alta pois no segundo dia deve-se atravessar o escorial do Vulcão Casablanca sem trilha e com neve

O Parque Nacional Puyehue (pronuncia-se pui-Êu-e) situa-se na região de Los Lagos, de número X (as regiões no Chile têm nome e número romano). Esse parque abriga e protege a área ao redor do Vulcão Puyehue, cuja erupção em 2011 (através do Cordón Caulle) causou o fechamento de aeroportos na Argentina, Uruguai e até na Austrália e Nova Zelândia.

O vulcão é um grande atrativo mas eu estava interessado mesmo numa travessia que tangenciava um outro vulcão mais ao sul, este mais comportado, o Casablanca (inativo). Eu tinha uma descrição detalhada do percurso apenas do primeiro dia, de Anticura a Pampa Frutilla, no guia Trekking in the Patagonian Andes da editora Lonely Planet. Daí em diante tinha pouca informação (o LP fala apenas superficialmente da continuação de Pampa Frutilla a Águas Calientes).

Essa travessia é uma das tantas que pertencem ao projeto Sendero de Chile, que visa contribuir com a proteção da natureza do país através da criação/manutenção de trilhas e caminhos para que as pessoas possam conhecer e valorizar o patrimônio natural do Chile. Matéria em que o Brasil ainda está muito atrasado.

O Parque Nacional Puyehue foi criado em 1941 e é administrado pela Conaf, órgão florestal oficial do Chile. A Conaf mantém as trilhas, a sinalização e eventualmente fecha algumas delas se há incêndio florestal ou alto risco de haver algum. 

Salto de la Princesa



25/02/18 - Chegando ao Parque Puyehue

Na cidade de Osorno (932km ao sul de Santiago) peguei o micro-ônibus das 17h para Anticura (ver horários abaixo em Informações Adicionais). Ele sai de um ponto na esquina das ruas Arturo Prat e Francisco Errazuriz, na extremidade oeste do Mercado Municipal da cidade. Na placa do para-brisa está escrito "Aduana Cardenal Samoré". A viagem até Anticura durou 2h07. Saltei na rodovia 215, que cruza mais adiante a fronteira com a Argentina pelo Passo Cardenal Samoré e vai a Bariloche.

O motorista me deixou bem em frente à portaria do parque, que fica à direita da rodovia 215 (sentido Argentina). A entrada é aberta, não há um portão, e à direita está a guarderia, onde fica o guardaparque. Porém ela estava fechada, pensei que fosse pelo horário (depois me disseram que o guardaparque estava de férias). Havia um motorhome estacionado ali no gramado e perguntei ao casal sobre camping. Eles eram do Alasca e a mulher me disse que eu poderia acampar em qualquer lugar. Pensei: com a Conaf não é bem assim que funciona... Havia placas do parque do outro lado da rodovia e fui lá perguntar. Encontrei a área de acampamento, porém era de uma concessionária e cobravam por "sítio", ou seja, por espaços delimitados com mesa, tão grandes que dá para estacionar o carro ao lado da barraca. E o custo era de CLP 15000 (R$ 80), o valor que eu estava pagando num hostal com café da manhã em Osorno. Um absurdo. O máximo que eu havia pago num camping no Chile tinha sido CLP 5000 (valor para estrangeiro).

Voltei ao outro lado da rodovia 215 e vi que havia algumas pessoas numa casinha ao fundo da portaria do parque. Fui lá conversar. Eram brigadistas. Expliquei a situação, disse que eu iria iniciar a travessia no dia seguinte, e eles me deixaram passar a noite ali nos fundos, atrás de um depósito. Me informaram também que a travessia para Antillanca e Águas Calientes estava aberta e sem problemas no percurso.

Altitude de 385m.

Salto del Pudú



26/02/18 - 1º DIA - Conhecendo o setor Anticura e início da travessia: de Anticura a Pampa Frutilla 

DADOS DA TRAVESSIA ANTICURA-PAMPA FRUTILLA
Duração: 5h48 (já descontada a ida ao Salto Los Novios)
Distância: 17,6km (já descontada a ida ao Salto Los Novios)
Maior altitude: 1353m
Menor altitude: 385m
Dificuldade: baixa

Um dos atrativos do setor Anticura do Parque Nacional Puyehue são as cachoeiras. Pode-se também subir o próprio vulcão Puyehue mas isso não estava nos meus planos. Parte das cachoeiras está do lado da portaria do parque e outra parte está do lado da concessionária do camping, sendo que neste lado eles cobram a entrada (CLP 1000 = R$ 5). 

Iniciei cedo o dia pois queria percorrer as cachoeiras todas e partir para a travessia, caminhando até Pampa Frutilla. Saí às 7h25 e o sujeito da concessionária estava esperando o ônibus para Osorno... que azar, pensei que ia passar batido pois ninguém acorda cedo no Chile. Ele aproveitou para me cobrar a entrada. 

Comecei a visita às cachoeiras pelo Salto del Indio, circuito de 1,1km. Depois o Salto de la Princesa com extensão até o Salto Repucura, numa trilha de 2,4km (ida e volta). Tentei explorar uma trilha que saía do Salto Repucura e ia em direção à rodovia 215 mas está sem uso e os bambus a fecharam a partir de um certo ponto. No retorno peguei a esquerda numa bifurcação sinalizada e passei por alguns chalés de aluguel muito bonitos. Todos os saltos visitados deste lado estão no Rio Golgol e são de altura média, não são grandes.

Às 10h06 atravessei a rodovia 215 de volta e fui conhecer as cachoeiras e o mirante do lado da portaria do parque. Comecei pelo Salto del Pudú, o mais alto de todos, numa trilha de 2,6km ida e volta. Depois o Sendero Mirador El Puma, de 1,8km ida e volta. Altitude de 577m nesse mirante (desnível de 190m), mas sem visão do Vulcão Puyehue por causa do céu encoberto. Essa trilha continua mais 30m até uma fonte de água. No retorno passei pelo Salto Anticura, o mais próximo da portaria do parque e também de altura média.

Salto Anticura



Às 12h22 estava de volta para desmontar a barraca e partir para a travessia, que iniciei às 13h56 depois de almoçar e comer algumas framboesas no pé logo no início da trilha. Altitude de 385m.

Às 14h38 cruzei um rio afluente do Rio Golgol pela precária Ponte Arauco e fui para a esquerda. Em 7 minutos cheguei a um caminho mais largo. As placas indicavam à direita Pampa Frutilla a 18km (o meu gps marcou 16,8km) e à esquerda a Ruta Internacional a 300m. Fui para a esquerda para explorar e marcar no gps em que altura da rodovia 215 iniciava essa trilha. Foram 920m até a rodovia (e não 300m). Dali aproveitei para ir conhecer o Salto Los Novios, a apenas 300m percorrendo o asfalto para a esquerda. O mirante do salto fica bem ao lado da rodovia mas há uma trilha curta que desce até o Rio Golgol.

Voltei à bifurcação Pampa Frutilla-Ruta Internacional às 15h45 e segui em frente. É um caminho bem largo, uma estrada abandonada no meio da mata que sobe suavemente na direção sul e sudeste. Essa estrada foi construída pelo exército chileno nos anos 1970 num período de tensão com a vizinha (muito próxima) Argentina. Passei por três fontes de água, sendo que próximo do último riacho havia um telhado com duas mesas de picnic e restos de fogueira, isso no meio de uma grande clareira tomada por capim alto. Parei nesse lugar para lanchar por 20 minutos e saí às 17h09. Até aí havia sol. Reforçando pois é importante: essas são as últimas fontes de água corrente desse dia e do dia seguinte! A água das lagunas de Pampa Frutilla deve ser tratada antes de beber.

A trilha passa a subir mais acentuadamente e uma forte neblina foi tomando conta da mata. Ao sair no aberto essa neblina me impedia de ver ao redor, me deixando sem visão das montanhas e sem referências. Fora da mata continuei pelo caminho largo agora por um terreno mais arenoso. Numa curva fechada para a esquerda às 20h04 notei à direita uma placa numa árvore em que se lia com dificuldade "Refugio Viejo a 800m". Esse seria meu ponto de referência para continuar a travessia no dia seguinte. A partir dali a estradinha sobe bastante. Queria chegar à primeira lagoa de Pampa Frutilla para acampar mas a noite foi chegando e com aquela neblina não enxergava mais nada. Já estava iniciando a descida para a lagoa mas o terreno era muito irregular e já estava perdendo a trilha. Resolvi procurar um lugar plano ali no alto mesmo antes que escurecesse de vez. Parei às 20h53.

Altitude de 1324m.

Laguna Los Monos



27/02/18 - 2º DIA - de Pampa Frutilla ao Vulcão Casablanca

Duração: 10h22
Distância: 16,7km
Maior altitude: 1928m
Menor altitude: 1182m
Dificuldade: alta pois deve-se atravessar o escorial do Vulcão Casablanca sem trilha e com neve

Felizmente o dia amanheceu sem nuvens e pude enfim ver onde estava. E era um lugar lindo, com vista para montanhas para todos os lados. As lagoas de Pampa Frutilla estavam a apenas 1,6km de distância. Mas a maior surpresa foi na descida para as lagoas (10h29) encontrar uma outra barraca... num lugar isolado como aquele. E eu pensando que havia dormido sozinho naquele cenário fantasmagórico da neblina da noite anterior. Encontrei os donos da barraca pegando água na Laguna Los Monos, três aventureiros que chegaram um pouco antes de mim e acamparam ali no alto pelos mesmos motivos que eu. Eles estavam pegando a água e fervendo para colocar nos cantis. Dali iriam retornar a Anticura e não conheciam o caminho para o Vulcão Casablanca.

Conversamos um pouco e depois eu fui conhecer a Laguna del Bosque, apenas 430m adiante. No caminho vi alguns pezinhos de morango com frutinhas para confirmar o nome do lugar (frutilla é morango em alguns países da América do Sul).

Eu coletei água e tratei com pastilha de cloro. Às 12h06 saí das lagunas (altitude de 1211m), subi de volta ao local onde acampei e comecei a retornar pela estradinha. Minha direção hoje seria basicamente sudoeste com algumas variações durante o percurso. No alto tinha vista para o Cerro Tronador a sul-sudeste, vulcão inativo na fronteira com a Argentina e que é bastante visitado a partir de Bariloche. À minha frente (sudoeste) não podia ver o Vulcão Casablanca pois ainda estava atrás das altas colinas de areia vulcânica que eu subiria para me aproximar dele. Desci até a placa "Refugio Viejo a 800m", que marca o início de uma trilha discreta que sai para a esquerda. Dali em diante seria um percurso muito menos usado e havia o risco de ter muita neve nas partes mais altas, o que poderia me obrigar a voltar já que não levava equipamento para neve. Às 13h11 desci pela mata até um campo abaixo perfeito para acampar se tivesse água. Ali estava a 1182m de altitude e iria do ponto mais baixo do dia diretamente ao ponto mais alto. Reentrei no bosque e comecei a subir. E seria uma longa subida.

Cerro Pantojo à direita



Ao sair do bosque às 13h52 passei a subir pela areia vulcânica, um lugar seco e sem sombra. Essa areia e pedras resultantes da solidificação da lava de erupções vulcânicas são chamadas de escória vulcânica. Os setores cobertos por essa escória são chamados de escorial. Algumas estacas fincadas na areia serviam de orientação, mas eram bem poucas. Aos poucos o Vulcão Puyehue foi surgindo no horizonte ao norte.

Passei a caminhar por uma encosta bem inclinada com areia solta em que estava bem difícil se manter em pé. Tive de descer um pouco para tentar encontrar lugar um pouco mais firme para pisar. Essa foi a primeira dificuldade. A segunda viria mais acima pois para atingir a crista dessa grande montanha de areia vulcânica eu teria que vencer uma encosta forrada de neve em quase toda a extensão. Isso em pleno fevereiro, imagine como deve ficar esse caminho no restante do ano! 

Subi até encontrar a neve às 16h09. Havia pegadas na areia para vários lados. Comecei tentando subir pisando na neve mas a inclinação tornava isso bem arriscado. A solução era subir pelo único trecho onde não havia neve, só areia, porém com uma inclinação muito forte. Mas tinha que ser ali. Fui subindo em zigue-zague porém cheguei num ponto em que a inclinação e a areia solta não me deixavam subir mais, nem escalaminhando. Me aproximei então de uma torre de pedra que havia à esquerda e aos pés dela a subida foi um pouco mais fácil já que havia algumas pedras para se apoiar. Devia ter subido em direção a essa torre de pedra desde o começo. No alto encontrei mais estacas fincadas e pegadas.

A recompensa pelo perrengue foi uma vista estonteante para quase todos os lados, com montanhas e vulcões a perder de vista no horizonte. Mas ainda subiria uns morros de areia vulcânica mais, tendo de cruzar uma faixa de neve de cerca de 25m, mas com pouca inclinação e sem risco de escorregar. Às 18h05 finalmente atingi o ponto mais alto e a visão se abriu para oeste. Altitude de 1928m. Agora podia ver os vulcões Puyehue, Puntiagudo, Calbuco, Osorno, Cerro Sarnoso, Cerro Tronador e o Vulcão Casablanca bem ao lado. Também o Lago Constancia, Pampa Frutilla, Cerro Pantojo, Lago Rupanco e todo o trajeto desse dia e do dia anterior pela mata. Uma visão verdadeiramente extraordinária!

A descida pela areia foi muito rápida, bastava dar um passo e escorregar vários ladeira abaixo. Continuei descendo pela crista daquelas imensas "dunas" de areia vulcânica seguindo pegadas. Porém mais abaixo, ao alcançar o terreno forrado de capim às 19h57, a trilha desapareceu por completo e segui orientado pelo gps. Quando o sol baixou, avermelhando a encosta do Vulcão Casablanca, tratei de encontrar um lugar plano e com menos pedrinhas para montar a barraca (20h51). Água? Só a dos meus cantis.

A única fonte de água desse dia foram as lagunas de Pampa Frutilla. Em caso de necessidade se poderia derreter (e filtrar) a neve encontrada durante a subida.

Altitude de 1195m.

Vulcões Puntiagudo e Osorno



28/02/18 - 3º DIA - do Vulcão Casablanca a Águas Calientes

Duração: 10h28
Distância: 23,1km
Maior altitude: 1382m
Menor altitude: 468m
Dificuldade: média (pela distância)

Mais um dia lindo de sol para aproveitar essa paisagem espetacular. Ao sair da barraca tinha os vulcões Puntiagudo, Osorno e Casablanca como pano de fundo para o meu acampamento... ô vida ruim...

A parte mais difícil havia passado, como previsto encontrei neve nas partes mais altas no dia anterior mas ela não me impediu de continuar a travessia. Em outras épocas do ano deve-se considerar levar equipamento apropriado, como crampons, raquetes, piolet, etc

Comecei a caminhar às 9h39 ainda sem trilha e seguindo o gps. Subi suavemente por aquele escorial coberto de capim baixo na direção de uma colina à direita de um grande buraco que parecia uma cratera. Direção noroeste para ser mais exato. Nessa colina havia um corte que subia da direita para a esquerda. Era o final da estrada que vem da estação de esqui de Antillanca. 

Ao alcançar uma placa onde se lia "Ingreso Sendero Gaviotas 400m" alcancei também o final da estradinha. Subi por ela no rumo sudoeste deixando o Vulcão Casablanca para trás. No alto às 11h13 uma bifurcação e um painel com mapa das trilhas da região e informações sobre a travessia Anticura-Antillanca, porém eram mais sobre a flora do local. Esse painel tinha o logo do projeto Sendero de Chile.

Nessa bifurcação sobe um caminho largo à esquerda que se dirige para o sul e faz a travessia para o Lago Rupanco, uma outra opção de trekking. Mas o meu caminho era para a direita (norte), descendo em direção a Antillanca, já por estrada de rípio transitável. Dali já avistava o Vulcão Antillanca e à direita dele o teleférico da estação de esqui, obviamente parado pois era verão e não havia neve para esquiar.

Cratera Raihuen e Vulcão Casablanca



Mais abaixo pude ver no fundo do vale o hotel da estação de esqui. Desci mais e numa curva para a esquerda encontrei pessoas visitando a Cratera Raihuen, bem aos pés do Vulcão Casablanca. É uma cratera de fácil visitação pois está ao lado da estradinha e ao nível dela, não é preciso dar nem um passo, chega-se de carro. Mas também não é nada de mais, apenas um campo de escorial coberto de capim e circundado por paredes baixas. Mas ali inicia a trilha de ascensão ao Vulcão Casablanca e isso sim deve ser bem interessante. Porém não estava nos planos dessa travessia.

Continuei a descida e 800m abaixo da cratera havia uma outra estradinha saindo para a direita e subindo. Seria o início do meu caminho a Águas Calientes. Mas continuei descendo pela estrada principal pois estava sem água e ia ao hotel pedir para encher os cantis. Porém não precisei ir até lá pois logo após uma curva da estrada entrei num caminho à esquerda e por sorte encontrei um reservatório de água. Eram 12h20 e aproveitei para almoçar. Nessa hora apareceram três gringos com mochila (franceses, suíços, não me lembro) que estavam subindo para acampar na cratera. Eles haviam passado pela guarderia da Conaf ali em Antillanca e o guardaparque disse que a travessia para Águas Calientes estava fechada. Pensei: pronto, lá vou eu partir para a clandestinidade... 

Eles pegaram água e continuaram. Eu saí logo depois, às 13h11. Já era um pouco tarde e a minha intenção era iniciar e terminar a travessia para Águas Calientes nesse mesmo dia pois não sabia se teria lugar para acampar no meio do caminho. Tinha a informação de que o Refúgio Bertin estava em ruínas e mesmo que não estivesse havia o risco do hantavírus dentro dele.

O hantavírus é altamente mortal e há cartazes sobre o seu risco e prevenção por todo o sul do Chile. É transmitido pela urina e fezes dos roedores que se alojam em casas e galpões que ficam fechados por muito tempo. A recomendação é nunca dormir dentro de lugares fechados pelo risco de inalar o ar contaminado pelos dejetos com o vírus. Por isso não se deve trocar nunca a barraca por refúgios, casas e galpões fechados no meio da mata.

Estação de esqui de Antillanca com o Vulcão Antillanca ao fundo



Eu subi a estrada de volta para pegar aquela estradinha que saía para a esquerda (direita quando desci). Mas alcancei os gringos e eles me chamaram a atenção para um outro caminho, mais abaixo, onde havia uma placa. Era algo incerto e eu não podia perder tempo se quisesse chegar a Águas Calientes ainda nesse dia. Resolvi arriscar esse outro caminho e desci até a placa para ver o que estava escrito. E estava escrito apenas "Variante Joel Campos", não esclarecia nada. Entrei nessa trilha mesmo assim, às 13h47. Desci um pouco e logo estava caminhando por trilha bem marcada pela encosta de areia vulcânica do Vulcão Antillanca (que contornei da extremidade sul à norte). Havia estacas com cores azul e vermelho e também fitas azuis e amarelas. A subida foi gradativa e à minha esquerda vai se ampliando a visão de um grande vale. Até que às 14h45 a visão se abriu para noroeste para o Lago Puyehue e a trilha deu uma guinada para nordeste para subir a uma crista. Nessa crista atingi o ponto mais alto do dia, 1382m. 

Do alto podia avistar (pela última vez) os vulcões Puyehue, Osorno, Puntiagudo, Cerro Sarnoso, Cerro Tronador, Lago Rupanco e Lago Puyehue.

Continuei pela crista contornando o vulcão no sentido horário até que avistei no alto o final do teleférico. As estacas continuavam crista acima na direção dele mas era o momento de eu baixar à esquerda para entrar no bosque. Uma grande seta feita de pedras no chão me deu a deixa para abandonar a crista e iniciar a descida em direção às árvores abaixo. As estacas continuavam crista acima porque seria uma outra variante de acesso a esse ponto, aliás devia ser o caminho que inicialmente eu tinha a idéia de tomar (aquela estradinha que saía da principal).

Desci então a encosta de areia e caminhei em direção ao bosque. A entrada nele estava sinalizada por uma estaca vermelha com um círculo amarelo no alto, difícil não ver. Eram 16h08 e precisava apertar o passo pois tinha muito chão para chegar a Águas Calientes. 

A trilha desceu em zigue-zague e foram aparecendo diversos pontos de água, felizmente acabou a dificuldade de caminhar por areia vulcânica e sem água. Ao final do zigue-zague a trilha tomou a direção oeste e basicamente ia se manter na direção oeste e noroeste até Águas Calientes.

Lago Bertin



Às 17h13 uma placa sinalizava o Lago Bertin 20 minutos à direita. Não podia deixar de conhecer. Entrei nessa trilha e em apenas 9 minutos estava no lago. Um lugar muito bonito, rendeu boas fotos. Havia uma placa de "refúgio" no chão junto ao lago mas os restos dele estavam na verdade perto do início dessa trilha. Às 17h55 estava de volta à trilha principal e continuei em passo rápido. Às 19h me deparei com uma ponte em muito mau estado e passei com bastante cuidado. Outras pontes surgiram mas estas estavam em ótimo estado, sem risco, e a água era acessível.

Às 19h40 a trilha desembocou numa estradinha de rípio. Começaram a aparecer chalés à direita, já estava chegando a Águas Calientes. Até que uma placa confirmou a minha clandestinidade: "Sendero cerrado temporalmente por peligro de incendios forestales - no ingrese". 

A estradinha terminou numa curva da estrada principal que vai de Águas Calientes a Antillanca (U-485) às 19h48. Altitude de 475m. Ali segui em frente (à direita nessa curva) seguindo a placa de "Osorno". Parei na entrada do camping e fui informado por uma família que o sítio custava a "bagatela" de CLP 28000 (R$ 150) !!! Aqui a concessionária cobra por sítio também, como em Anticura, porém o valor é absurdo para quem está sozinho e não encontra alguém para dividir o sítio (aceitam até 8 pessoas num sítio). Confirmei os preços pela tabela fixada na parede da casinha na entrada. Águas Calientes é uma estação termal superturística, por isso a concessionária coloca esse preço fora do normal. Eu não pensei duas vezes: voltei pela trilha por onde vim algumas centenas de metros e acampei selvagem numa clareira que encontrei. 

Altitude de 484m.

Laguna El Espejo



01/03/18 - Conhecendo o setor Águas Calientes do Parque Nacional Puyehue

Desmontei acampamento e fui ao Centro de Informação Ambiental pegar informações sobre as trilhas desse setor. O solícito guardaparque me deu todas as informações de que precisava e permitiu que eu deixasse a cargueira ali para percorrer as trilhas. Há uma grande maquete do parque com as trilhas desenhadas e vários painéis destacando a flora, fauna e geologia da região.

Às 10h54 comecei pela trilha El Pionero que sobe a um mirante a 667m de altitude (228m de desnível) e tem 3km de ida e volta. As nuvens baixas não me deixaram ver toda a paisagem, mal podia ver o Lago Puyehue a noroeste. Dali se pode ver num dia limpo o Vulcão Antillanca. Continuei pelo mesmo caminho e desci até a Laguna El Espejo, mais 3km ida e volta, porém por uma trilha um pouco fechada pela vegetação, principalmente bambuzinhos. A laguna é parcialmente coberta por ninféias e fica na estrada Antillanca-Águas Calientes. Voltei pelo mesmo caminho e às 13h56 entrei na trilha El Recodo, de apenas 400m, mas que emenda com a Trilha Rápidos de Chanleufu junto à ponte. Esta tem 1,5km de ida e volta à ponte, é paralela ao Rio Chanleufu e termina numa cachoeira. A volta pode ser por uma variante. Às margens do Rio Chanleufu há algumas poças de água quente onde se banham as pessoas que não querem pagar para entrar nas piscinas. Mas são poças rasas e barrentas, não muito convidativas. Às 15h43 estava de volta à guarderia para pegar minha mochila. O ônibus para Osorno para bem em frente porém não é tão frequente quanto o guardaparque disse. 

Informações adicionais:

Ônibus de Osorno a Anticura (empresa D&R):
Osorno-Anticura:
seg a dom - 17h

Anticura-Osorno:
seg a sex - 7h30
sáb e dom - 9h

Preço da passagem: CLP 1600 (R$8,55)

O preço do camping de Anticura é cobrado por sítio e custa CLP 15000 (R$80).

O preço do camping de Águas Calientes é cobrado por sítio (máximo de 8 pessoas) e custa:
. temporada alta: CLP 28000 (R$150) até 4 pessoas (pessoa adicional CLP 6000 (R$32))
. temporada média: CLP 25000 (R$134) até 4 pessoas (pessoa adicional CLP 5000 (R$27))

O grau de dificuldade que coloco nos relatos é uma avaliação pessoal e considera que o trilheiro esteja acostumado a caminhadas de vários dias com mochila cargueira. Para um iniciante considere todas as trilhas como difíceis. Para um iniciante que não esteja em boa forma física é melhor procurar trilhas fáceis de um dia para ganhar experiência e condicionamento.

Rafael Santiago
março/2018